Princípio da boa administração
A Administração Pública no exercício da atividade administrativa, deverá atuar com base no princípio constitucional da eficiência, proporcionando um desempenho que satisfaça com maior racionalidade, economicidade, celeridade e efetividade, o interesse público. Nesta medida e através do estipulado pelo art. 266.º, nº1, da CRP, a “Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”.
Este é um conceito de difícil definição. Poderá ser entendido como o interesse colectivo, o interesse geral de uma determinada comunidade, o bem comum. Terminologia esta que vem desde São Tomás de Aquino, que o define como “aquilo que é necessário para que os homens não apenas vivam, mas vivam bem”.
Por outro lado, e no entender de Jean Rivero, o interesse público carateriza-se por ser representativo da esfera das necessidades a que a iniciativa privada não pode responder e que são vitais para a comunidade na sua totalidade e para cada um dos seus membros, procurando-se a satisfação das necessidades colectivas.
No entanto, e apesar de este conceito ser variável, é a lei que define os interesses públicos a cargo da Administração, levando a que a sua prossecução pela Administração seja obrigatória, sendo que só o interesse público definido por lei pode constituir motivo principalmente determinante de qualquer acto da Administração. O interesse público delimita ainda a capacidade jurídica das pessoas colectivas públicas e a competência dos respectivos órgãos, conduzindo a um acto de corrupção a prossecução de interesses privados em vez do interesse público, no exercício das suas funções.
Desta forma, a obrigação de prosseguir o interesse público exige que a Administração adopte em relação a cada caso concreto as melhores soluções possíveis, do ponto de vista administrativo (técnico e financeiro), o que os leva a ter de respeitar um dever de boa administração.
Posto isto, entende-se que a prossecução do interesse público implica um dever de boa administração, ou seja, o dever da Administração prosseguir o bem comum da forma mais eficiente possível.
Este dever está previsto no art. 81.º, al. c) da CRP para o sector público empresarial, no entanto, o art. 5.º do CPA, estende-o a toda a actividade Administrativa Pública, procurando transmitir a ideia de que essa actividade deve ser pautada pela necessidade de satisfazer de forma mais racional, expedita e económica o interesse público constitucionalmente e legalmente fixado.
No entender do Prof. Diogo Freitas do Amaral, este dever de boa administração é um dever jurídico que não integra o espaço de justiciabilidade, em virtude de não comportar uma protecção jurisdicional, não sendo possível ir a tribunal obter uma declaração de que determinada solução não é a mais eficiente do ponto de vista técnico, administrativo ou financeiro, devendo, portanto, ser anulada. Entende-se que os tribunais poderão apenas pronunciar-se sobre a legalidade das decisões administrativas e não sobre o mérito dessas decisões.
Como supramencionado, a violação deste dever da boa administração poderá acarretar consequências jurídicas: a violação, por qualquer funcionário público, dos chamados deveres de zelo e aplicação, constitui infração disciplinar, e leva ou pode levar à imposição de sanções disciplinares ao funcionário responsável; no caso de um órgão ou agente administrativo praticar um facto ilícito e culposo de que resultem prejuízos para terceiros, o grau de diligência e de zelo empregados pelo órgão ou agente contribuem para definir a medida da sua culpa, ou da culpa da Administração, e consequentemente, os termos e limites da responsabilidade que no caso couber.
Daí resulta a existência de impugnações administrativas (reclamações e recursos), que são garantias dos particulares, que poderão ter como fundamento os vícios de mérito do acto administrativo.
É importante referir que vários deveres específicos que antes se integravam no dever geral de boa administração têm, nos dias de hoje, de ser entendidos como verdadeiros deveres jurídicos decorrentes de princípios gerais da actividade administrativa e, designadamente, dos princípios da proporcionalidade e da imparcialidade. É de referir que a necessidade de a Administração tomar decisões equilibradas não é um mero dever sem sanção jurisdicional, uma vez que este dever resulta de um outro princípio, o princípio da proporcionalidade, e o desrespeito desse dever representa uma ilegalidade susceptível de invalidação judicial.
Caso semelhante a este é também o que diz respeito ao dever de a Administração ponderar todos os interesses relevantes para a solução de certo caso. Este também não é um dever não justiciável, uma vez que, é uma das exigências do princípio da imparcialidade, e cuja inobservância gera ilegalidade, que é controlável pelos tribunais.
Posto isto, importa compreender que o facto de os tribunais não poderem controlar o mérito das atuações da Administração Pública, não obsta a que certos aspetos e parâmetros dessa ação administrativa estejam hoje, em virtude, da evolução do Direito Administrativo português, sujeitos a apreciação jurisdicional.
O artigo 5.º do CPA que integra o princípio da desburocratização e da eficiência (correspondente ao artigo 10º do Antigo CPA) é, no entender do Professor Vasco Pereira da Silva, uma boa concretização legislativa. Entende que este princípio constitui não só o Direito Administrativo mas também o Direito Constitucional Europeu uma vez que este princípio está também regulamento no Tratado de Funcionamento da União Europeia, sobretudo nos artigos 296.º e 298.º, 340.º e no artigo 20.º/2, al d), onde estão positivadas, respetivamente, a obrigação de fundamentação dos atos jurídicos; a ideia de administração europeia aberta, eficaz e independente; o direito a reparação pelos danos causados, pela própria União Europeia; e o direito dos cidadãos da União se dirigirem às instituições competentes numa das línguas dos Tratados e de obterem resposta na mesma língua.
A boa administração nos termos do Direito Europeu tem um conteúdo mais amplo do que aquele que o legislador português acaba por estipular mediante a sua perspetiva, criticando o legislador por ter uma visão restritiva daquilo que é o princípio da boa administração. Assim, o artigo 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia tem uma importância extrema na medida em que goza de uma maior amplitude do que aquela que o legislador português atribuiu ao artigo 5.º do Novo CPA.
No entender do legislador, a boa administração baseia-se em três coisas: eficiência, economicidade e celeridade. Esses são efetivamente os três princípios fundamentais da actuação administrativa. A administração deve ser célere, não deve demorar demasiado tempo a tomar decisões, não deve ter gastos que sejam excessivos e deve ser eficiente. Mas isto é muito pouco para caraterizar a boa administração, porque em termos comparativos com o que é dito na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, este princípio da boa administração é um princípio genérico de Direito Administrativo que fornece uma proteção jurídica para todas as realidades suscetíveis de usar o procedimento, que ponham em causa aquilo que vem dito na Carta, que corresponde a um procedimento equitativo correspondente à regra do Direito anglo-saxónico do “due process of law”.
Esta não é apenas uma regra de natureza formal, é uma regra ética, que serve de fundamento para todas as lesões graves decorrentes de um procedimento administrativo. É de facto uma mais valia o legislador ter consagrado a boa administração, no entanto, apenas o fez em termos restritivos.
As três dimensões da boa administração, não correspondem à totalidade do princípio da boa administração, portanto o legislador deve, na perspetiva do professor, ser criticado por esta autorrestrição. Isto obriga o intérprete, no âmbito da aplicação desta norma, a integra-la com o conteúdo constante da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, porque essa Carta tem uma aplicabilidade imediata no quadro do Direito Constitucional português, é uma dimensão do Direito Constitucional Europeu e, nessa perspetiva, ela obriga os poderes públicos no âmbito do Direito Europeu.
Também ao enunciado do artigo 5.º/2 do CPA são direccionadas críticas pelo facto de remeter para princípios de organização administrativa, que não estão diretamente relacionados com o âmbito das matérias localizadas na Parte I, Capítulo II, razão pela qual logicamente não faz sentido a integração desta disposição, uma vez que é um princípio de organização administrativa e de acordo com este princípio de organização os serviços devem estar próximos das populações e devem estar organizados de forma não burocratizada. É uma regra de organização, não é uma regra de funcionamento da administração, portanto este autor entende que não há nenhuma ligação entre a boa administração, que é um princípio que obriga a administração na sua atuação, e um princípio de organização administrativa, não havendo nenhuma semelhança entre ambos.
Entende que o que legislador devia ter feito era reunir todos os princípios relativos à administração e transformá-los em apenas um. Mas este princípio é um princípio fundamental, é um princípio ainda de natureza substantiva e marca, de alguma maneira, o modo como o legislador olha para a Administração Pública e para os vínculos autónomos no quadro do exercício do poder discricionário. Sendo absolutamente necessária uma coordenação e conciliação na interpretação do artigo 5.º do CPA com o artigo 41.º da CDFUE, até porque ao analisarmos o artigo 5.º/1 CPA este nada parece acrescentar ao anterior art. 10.º.
Bibliografia:
• AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, vol.II, 2016, 3ªedição, Almedina
• Novo Código do Procedimento Administrativo
• Constituição da República Portuguesa
• Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia
• Tratado de Funcionamento da União Europeia
• Aulas Teóricas do Professor Vasco Pereira da Silva
Érica Correia Nr 28116
Érica Correia Nr 28116
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