sexta-feira, 7 de abril de 2017

A relação entre o Poder Vinculado e o Poder Discricionário

O tema da minha publicação incide essencialmente na diferença entre o poder discricionário e o poder vinculado, a sua natureza, e o modo como estes se relacionam.

"A vinculação e a discricionariedade são as duas formas típicas pelas quais a lei modela a atividade da Administração" - Curso de Direito Administrativo, Diogo Freitas do Amaral, Vol II, pg.85

Dentro do quadro da doutrina portuguesa, existem várias posições em relação à distinção destes dois conceitos, entre elas vou enunciar a posição clássica de Marcello Caetano e a posição do professor Freitas do Amaral, com as criticas do professor Vasco Pereira da Silva.
Faz sentido enunciar primeiro a construção tradicional defendida pelo professor Marcello Caetano, uma concepção liberal no seu modo de entendimento do príncipio da legalidade e da separação de poderes, tal como o professor Vasco Pereira da Silva refere é "uma construção enfermada pela infância dos traumas difíceis".
Na lógica desta mentalidade o poder discricionário não pode ser jurisdicionalmente controlado, já que o poder discricionário é um poder à margem da lei, ou seja, à margem do principio da legalidade. Segundo este autor, distingue-se um ato administrativo, como um ato discricionário ou vinculado em função da existência ou não de "liberdade de decisão da administração" (expressão utilizada pelo autor), e em consequência disto apenas são controlados pelo tribunal, se se tratarem de atos vinculados; enquanto os atos discricionários são de responsabilidade exclusiva da administração e não podem ser controlados pelo tribunal.
O professor Vasco Pereira da Silva critica esta concepção, afirmando que partia de uma confusão entre a vontade dos órgãos públicos e a vontade dos sujeitos privados; partia de uma lógica de olhar para a administração como uma entidade que possuía liberdade de escolha – quando a administração tem uma vontade, que é uma vontade construída, uma vontade legal, e uma vontade que não pode nunca contrair as opções do ordenamento jurídico. 

Outra construção, é a defendida pelo Professor Diogo Freitas do Amaral, esta contrução já vem permitir um controlo mais amplo da atuação da administração. Este autor começa por referir que existem duas perspetivas diferentes adoptadas pela doutrina, para definir os dois conceitos: a perspetiva dos poderes da Administração ou a perspetiva dos actos da Administração.
Em relação à primeira perspetiva, dos poderes, refere que o poder é vinculado quando a lei não remete para o critério do respetivo titular a escolha da solução concreta mais adequada; e será discricionário quando o seu exercicio fica entregue ao critério do respetivo titular, que pode e deve escolher a solução a adoptar em cada caso como mais ajustada à realização do interesse público protegido pela norma que o confere[1]
Quanto à perspetiva dos atos, afirma que de uma forma mais simplificada se fala em atos vinculados quando praticados pela Admninstração no exercicio  de poderes vinculado, e em atos discricionários quando praticados no exercicio de poderes discricionários.
Freitas do Amaral faz uma consideração importante quando refere que, em bom rigor, não há atos totalmente vinculados, nem atos totalmente discricionários. Os atos administrativos são sempre uma mistura ou combinação dos dois, sendo vinculados em relação a certos aspetos e discricionários em relação a outros.
"(...) em relação a cada poder, em concreto faz sentido perguntar se ele é um poder vinculado ou um poder discricionário, já em relação aos actos da Administração não faz grande sentido perguntar, em concreto, se são vinculados ou discricionários. O que faz sentido é indagar em que medida são vinculados e em que medida são discricionários" [2]
O professor dá o exemplo no caso do ato tributário, como a liquidação do imposto. Neste caso quanto à discricionariedade, esta não é total, mas mesmo assim ainda existe: quando a lei dá um prazo à Administração pública para praticar, e dentro desse mesmo prazo a Administração pode escolher livremente o momento em que quer praticar o acto. Existe uma margem de vinculação maior que a discricionária.
Depois dá um exemplo em relação à nomeação de um Governador Civil há uma autonomia bastante ampla conferida ao Governo, ou seja há manifestamente um poder discricionário neste ato administrativo. No entanto, a competência para a nomeação do Governador, ou o exonerar, é um ato vinculado neste aspecto. A competência é sempre vinculada. Quando ao fim do ato administrativo, este é sempre vinculado no ato discricionário. Se o acto for praticado com a intenção de prosseguir o fim que a norma visou, esse ato é legal; se o ato for praticado para qualquer outro fim que não o que a lei conferiu o poder discricionário, esse ato é ilegal. Já quanto à decisão administrativa tem que respeitar evidentemente os principios gerais de Direito, vinculativos da atividade da Administração.
Posto isto, Freitas do Amaral conclui que "a discricionariedade não é total".
Mais uma vez, o professor Vasco Pereira da Silva critica esta concepção, na medida em que o Professor Freitas do Amaral ainda continua a caracterizar o poder discricionário, dizendo que ele é um poder livre e se, portanto, por um lado, já adota aquela perspetiva mais aberta no quadro da formulação conceptual; por outro, ainda fala em liberdade de decidir, o que é algo que continua a não fazer sentido uma vez que estamos a falar em vontades normativas, vontades que correspondem à realização do ordenamento jurídico e portanto, não são vontades livres, não são vontades iguais às de um cidadão que toma as suas opções com base numa lógica de liberdade. A Administração não tem liberdade, a Administração atua de acordo com as regras de competência e atua nos termos que são definidos no quadro das diferentes leis.
 [3]


Diana Gomes
nº28188



[1] Curso de Direito Administrativo, Diogo Freitas do Amaral, 2ª Edição, 2011, pg. 86
[2] Curso de Direito Administrativo, Diogo Freitas do Amaral, 2º Edição, 2011, pg. 87
[3] Apontamentos das aulas teóricas do Professor Vasco Pereira da Silva

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