sexta-feira, 7 de abril de 2017

A audiência dos interessados no procedimento administrativo


A audiência dos interessados destina-se à efetivação da participação dos interessados (ao permitir a defesa dos interesses dos particulares envolvidos “para dizerem o que se lhes oferecer”, conforme disposto no artigo 122º/1 CPA) no procedimento administrativo e consequentemente na formação da decisão administrativa.
Para além de permitir a defesa dos interesses dos particulares envolvidos, os professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos apontam à audiência dos interessados duas funções:
·         Uma função subjetiva, uma vez que se incumbe de evitar decisões surpresa aos particulares envolvidos no procedimento e de lhes proporcionar uma oportunidade para fazerem valer as suas posições e os seus argumentos.
·         Uma função objetiva, pois permite auxiliar a administração numa decisão consensual.
A não participação dos particulares interessados poderia ter como consequência o desconhecimento por parte do interessado se o seu pedido estaria a ser convenientemente estudado ou se os seus argumentos estariam a ser devidamente ponderados, para além de que a decisão final chegava sempre como uma total surpresa.
A audiência dos interessados é a concretização legislativa plena do imperativo constitucional de participação dos interessados na formação das decisões que lhes digam respeito, tal como disposto no artigo 276º/5 CRP.
É também a concretização do princípio da colaboração da Administração com os particulares e do princípio da colaboração, ambos previstos no CPA nos artigos 11º/1 e 12º, respetivamente.

Do artigo 100º/1 CPA 91 (correspondente agora ao artigo 121º/1 CPA) resultava que a audiência dos interessados tomasse lugar após a fase de instrução, o que, para o professor Marcelo Rebelo de Sousa, se demonstra um equívoco, já que o artigo 104º CPA 91 (correspondente agora ao artigo 125º CPA) dizia-nos que a instrução poderia decorrer após a audiência dos interessados, ou seja, poderia haver audiência dos interessados antes do fim da fase de instrução.
Atualmente, após a Reforma do Código do Procedimento Administrativo, o artigo 121º CPA manifesta que os interessados têm o direito de ser ouvidos antes da tomada da decisão final e o artigo 125º CPA expressa que a instrução pode continuar depois da audiência dos interessados.
Ou seja, a audiência dos interessados pode ocorrer durante a instrução ou mesmo na fase de iniciativa, sempre que a administração projete decisões suscetíveis de afetar os interessados.

Na audiência dos interessados, a administração ouve os particulares antes da tomada de decisão final, podendo estes pronunciar-se sobre qualquer questão relevante relacionada com o procedimento. A administração é obrigada a notificar os interessados sobre o sentido provável da decisão (artigo 121º/1 CPA), ou seja, sobre se a decisão projetada é favorável ou desfavorável aos interessados. Se a administração alterar o sentido provável da decisão ou se entre a audiência e a decisão decorrer um período de 3 anos onde foram entretanto realizadas novas diligências instrutórias (período de tempo estabelecido pelo Ac. STA 19/03/2003, Proc. 045/03), deverá ouvir novamente os interessados sobre este novo sentido da decisão.

O professor Freitas do Amaral defende que a comunicação aos interessados (a notificação aos interessados) deve ser acompanhada das razões pelas quais a Administração se inclina a beneficiar ou prejudicar o particular.

Interpretando o artigo 124º/1/c) CPA a contrario, a lei obriga a existência de audiência prévia dos interessados sempre que a Administração se incline para uma decisão desfavorável aos interessados. Na opinião do professor Vieira de Andrade esta fase é aplicável a todos os procedimentos administrativos.
Não obstante, a lei permite em várias situações que esta fase seja escusada, quer por haver dispensa da audiência prévia, o que será o caso dos artigos 124º/1/e) CPA e 14º/1/f) CPA, quer por não haver lugar a audiência prévia, caso dos artigos 124º/1/a CPA a 124º/1/d CPA.
Sendo a audiência dos interessados uma concretização do princípio constitucional disposto no artigo 276º/5 CRP, as circunstâncias legitimadoras da sua não realização devem ser concretamente fundamentadas e demonstradas e interpretadas cautelosa e restritivamente.

O artigo 122º/1 CPA procede às modalidades da audiência, que pode ser escrita ou oral, competindo a escolha ao poder discricionário do instrutor uma vez que a lei não fornece qualquer critério de opção de forma de realização da audiência.
Se a audiência for escrita tanto a notificação dos interessados como a resposta destes são efetuadas por escrito e os particulares têm um prazo de 10 dias para “dizerem o que se lhes oferecer” (artigo 122º/1 CPA). O artigo 122º/2 CPA faz referência ao sentido provável de decisão como elemento necessário da notificação aos interessados.
Se a audiência for oral a lei é omissa em relação à antecedência de notificação dos interessados (no artigo 101º/1 CPA 91 os interessados tinham de ser notificados com um período de antecedência de 8 dias). Tal como na audiência escrita os interessados dispõem de um prazo de 10 dias para lhes dizerem o que lhes aprouver (122º/1 CPA).
De modo a assegurar o cumprimento do princípio do caráter escrito do procedimento, da audiência oral é obrigatoriamente lavrada ata (123º/4 CPA).

Quando a audiência prévia dos interessados é obrigatória por lei, a ausência da mesma constitui uma ilegalidade, havendo um vício de forma por omissão de uma formalidade que é essencial (trata-se, afinal, da concretização de um princípio constitucional).
Seguindo a linha de pensamento do professor Freitas do Amaral, se o direito à audiência for concebido como um direito fundamental o vicio irá gerar nulidade, de acordo com o artigo 161º/1/d) CPA, se não o for o vício irá gerar anulabilidade, segundo o artigo 163º/1 CPA.
Apesar de apresentar estas duas hipóteses o professor (e também jurisprudência do STA) defende que o vício será o de anulabilidade por considerar que o direito à audiência dos interessados não se inclui no elenco dos direitos fundamentais, apesar de ser um direito de elevada importância no sistema de proteção dos particulares face à Administração Pública.

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Bibliografia:
SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de; Direito Administrativo Geral: Atividade Administrativa. Tomo III, 1ª Edição, Lisboa, Publicações D. Quixote, 2007;
AMARAL, Diogo Freitas do; Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2ª edição - 2ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2012;
ANDRADE, José Carlos Vieira de; Lições de Direito Administrativo, 2ª edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2011
Código do Procedimento Administrativo (anotado) (aprovado pelo Decreto-Lei nº4/2015, de 7 de Janeiro), 2ª edição, Lisboa, 2015
Constituição da República Portuguesa

Inês Gonçalves, nº28251

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