A audiência dos interessados destina-se à efetivação da participação
dos interessados (ao permitir a defesa dos interesses dos particulares
envolvidos “para dizerem o que se lhes oferecer”, conforme disposto no artigo
122º/1 CPA) no procedimento administrativo e consequentemente na formação da
decisão administrativa.
Para além de permitir a defesa
dos interesses dos particulares envolvidos, os professores Marcelo Rebelo de
Sousa e André Salgado de Matos apontam à audiência dos interessados duas
funções:
·
Uma função subjetiva, uma vez que se incumbe de
evitar decisões surpresa aos particulares envolvidos no procedimento e de lhes
proporcionar uma oportunidade para fazerem valer as suas posições e os seus
argumentos.
·
Uma função objetiva, pois permite auxiliar a
administração numa decisão consensual.
A não participação dos
particulares interessados poderia ter como consequência o desconhecimento por
parte do interessado se o seu pedido estaria a ser convenientemente estudado ou
se os seus argumentos estariam a ser devidamente ponderados, para além de que a
decisão final chegava sempre como uma total surpresa.
A audiência dos interessados é a concretização legislativa plena do
imperativo constitucional de participação dos interessados na formação das
decisões que lhes digam respeito, tal como disposto no artigo 276º/5 CRP.
É também a concretização do princípio da colaboração da Administração
com os particulares e do princípio da colaboração, ambos previstos no CPA nos
artigos 11º/1 e 12º, respetivamente.
Do artigo 100º/1 CPA 91 (correspondente agora ao artigo 121º/1 CPA)
resultava que a audiência dos interessados tomasse lugar após a fase de
instrução, o que, para o professor Marcelo Rebelo de Sousa, se demonstra um
equívoco, já que o artigo 104º CPA 91 (correspondente agora ao artigo 125º CPA)
dizia-nos que a instrução poderia decorrer após a audiência dos interessados,
ou seja, poderia haver audiência dos interessados antes do fim da fase de
instrução.
Atualmente, após a Reforma do Código do Procedimento Administrativo, o
artigo 121º CPA manifesta que os interessados têm o direito de ser ouvidos
antes da tomada da decisão final e o artigo 125º CPA expressa que a instrução
pode continuar depois da audiência dos interessados.
Ou seja, a audiência dos interessados pode ocorrer durante a instrução
ou mesmo na fase de iniciativa, sempre que a administração projete decisões
suscetíveis de afetar os interessados.
Na audiência dos interessados, a administração ouve os particulares
antes da tomada de decisão final, podendo estes pronunciar-se sobre qualquer
questão relevante relacionada com o procedimento. A administração é obrigada a
notificar os interessados sobre o sentido provável da decisão (artigo 121º/1
CPA), ou seja, sobre se a decisão projetada é favorável ou desfavorável aos
interessados. Se a administração alterar o sentido provável da decisão ou se
entre a audiência e a decisão decorrer um período de 3 anos onde foram
entretanto realizadas novas diligências instrutórias (período de tempo
estabelecido pelo Ac. STA 19/03/2003, Proc. 045/03), deverá ouvir novamente os
interessados sobre este novo sentido da decisão.
O professor Freitas do Amaral defende que a comunicação aos
interessados (a notificação aos interessados) deve ser acompanhada das razões
pelas quais a Administração se inclina a beneficiar ou prejudicar o particular.
Interpretando o artigo 124º/1/c) CPA a contrario, a lei obriga a
existência de audiência prévia dos interessados sempre que a Administração se
incline para uma decisão desfavorável aos interessados. Na opinião do professor
Vieira de Andrade esta fase é aplicável a todos os procedimentos
administrativos.
Não obstante, a lei permite em várias situações que esta fase seja
escusada, quer por haver dispensa da audiência prévia, o que será o caso dos
artigos 124º/1/e) CPA e 14º/1/f) CPA, quer por não haver lugar a audiência
prévia, caso dos artigos 124º/1/a CPA a 124º/1/d CPA.
Sendo a audiência dos interessados uma concretização do princípio
constitucional disposto no artigo 276º/5 CRP, as circunstâncias legitimadoras
da sua não realização devem ser concretamente fundamentadas e demonstradas e interpretadas
cautelosa e restritivamente.
O artigo 122º/1 CPA procede às modalidades da audiência, que pode ser
escrita ou oral, competindo a escolha ao poder discricionário do instrutor uma
vez que a lei não fornece qualquer critério de opção de forma de realização da
audiência.
Se a audiência for escrita tanto a notificação dos interessados como a
resposta destes são efetuadas por escrito e os particulares têm um prazo de 10
dias para “dizerem o que se lhes oferecer” (artigo 122º/1 CPA). O artigo 122º/2
CPA faz referência ao sentido provável de decisão como elemento necessário da
notificação aos interessados.
Se a audiência for oral a lei é omissa em relação à antecedência de
notificação dos interessados (no artigo 101º/1 CPA 91 os interessados tinham de
ser notificados com um período de antecedência de 8 dias). Tal como na
audiência escrita os interessados dispõem de um prazo de 10 dias para lhes
dizerem o que lhes aprouver (122º/1 CPA).
De modo a assegurar o cumprimento do princípio do caráter escrito do
procedimento, da audiência oral é obrigatoriamente lavrada ata (123º/4 CPA).
Quando a audiência prévia dos interessados é obrigatória por lei, a ausência
da mesma constitui uma ilegalidade, havendo um vício de forma por omissão de uma
formalidade que é essencial (trata-se, afinal, da concretização de um princípio
constitucional).
Seguindo a linha de pensamento do professor Freitas do Amaral, se o
direito à audiência for concebido como um direito fundamental o vicio irá gerar
nulidade, de acordo com o artigo 161º/1/d) CPA, se não o for o vício irá gerar
anulabilidade, segundo o artigo 163º/1 CPA.
Apesar de apresentar estas duas hipóteses o professor (e também jurisprudência
do STA) defende que o vício será o de anulabilidade por considerar que o
direito à audiência dos interessados não se inclui no elenco dos direitos
fundamentais, apesar de ser um direito de elevada importância no sistema de proteção
dos particulares face à Administração Pública.
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Bibliografia:
SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de; Direito Administrativo Geral: Atividade Administrativa. Tomo III, 1ª Edição, Lisboa, Publicações D. Quixote, 2007;
AMARAL, Diogo Freitas do; Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2ª edição - 2ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2012;
ANDRADE, José Carlos Vieira de; Lições de Direito Administrativo, 2ª edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2011
Código do Procedimento Administrativo (anotado) (aprovado pelo Decreto-Lei nº4/2015, de 7 de Janeiro), 2ª edição, Lisboa, 2015
Constituição da República Portuguesa
Inês Gonçalves, nº28251
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