Originariamente, o conceito de ato administrativo foi
construído com base em considerações de natureza jurisdicional: ele delimitava
certos comportamentos da Administração em função da fiscalização da atividade
administrativa pelos tribunais.
É necessário recordar duas fases diferentes, que
correspondem a outras tantas finalidades distintas e até opostas da categoria
do ato administrativo.
·
A primeira coincide com os primórdios da
Revolução Francesa. Aí, a noção de ato administrativo surge para delimitar as
ações da Administração Pública excluídas por lei da fiscalização dos tribunais
judiciais. Assim, o que se pretendeu de início com a noção de ato
administrativo foi identificar as atuações da Administração Pública sobre as
quais os tribunais judiciais não se podiam pronunciar. Tratava-se, pois, de um
conceito que funcionava ao serviço da independência da Administração perante o
Poder Judicial.
·
Na segunda fase, que começa a partir do ano VIII
(15 setembro de 1799- responsável pela criação do Conselho de Estado), a noção
de ato administrativo vai servir para um fim completamente diferente, isto é,
para definir as atuações da Administração Pública, submetidas com vista a impor
a respetiva eliminação jurídica: tratava-se de atos lesivos dos particulares,
que exorbitassem das fronteiras que a superioridade de lei impunha á
Administração Pública. O ato administrativo passou assim a ser um conceito ao
serviço do sistema de garantia dos particulares.
Ou seja, o ato administrativo apareceu como modo de
delimitar certos comportamentos da Administração em função da fiscalização da
sua atividade pelos tribunais; mas, dentro dessa perspetiva, primeiro funcionou
como garantia da Administração, e só depois como garantia dos particulares.
Ainda hoje o conceito de ato administrativo desempenha esta
importante função de delimitar comportamentos suscetíveis de fiscalização
contenciosa, designadamente através do meio processual adequado (2002-2004) o
recurso contencioso de anulação é hoje a ação administrativa especial de
impugnação de atos administrativos.
Isto
resulta do art.º 268 nº4
da CRP de 1976, como se vê o ato administrativo aparece aqui antes de
mais, a delimitar os comportamentos da Administração que são suscetíveis de
controlo jurisdicional para fins de garantia dos particulares.
Mas o conceito de ato administrativo não preenche apenas a
mencionada função no plano contencioso. A par dela, cumpre também uma função
substantiva e uma função procedimental. O que significa isto?
-
Significa que por um lado, através do ato administrativo, os órgãos da
Administração Pública concretizam os preceitos jurídicos gerais e abstratos,
constantes da lei, do regulamento ou de qualquer outra fonte do Direito
Administrativo, conformando juridicamente as situações concretas da vida em
função daquilo que se dispõe nesses preceitos.
Sérvulo Correia:
o ato administrativo é um instrumento jurídico de composição de interesses
públicos e privados ou meramente públicos, através da configuração imperativa
de situações intersubjetivas. Como técnica de criação de efeitos jurídicos, o
ato administrativo impregna a relação jurídica administrativa sobre a qual
incide, a qual passa ter um conteúdo do ato administrativo entre os seus
próprios elementos.
Ou seja, uma vez praticado
o ato administrativo e até que o mesmo seja modificado, anulado ou revogado, os
direitos e deveres dos sujeitos da relação jurídica objeto de tal ato são os
que dele resultarem. A aplicação da norma jurídica geral e abstrata seja ela
vinculada ou discricionária é a função substantiva da categoria do ato
administrativo.
Por outro lado, esta também é um
função procedimental: quando a Administração estiver perante uma situação de
facto ou de direito que lhe imponha ou aconselhe a tomada de uma decisão, que
se traduza na prática de um ato com as características correspondentes do art. 120º do CPA, deve a
administração respeitar a disciplina fixada neste diploma para o preparar,
praticar e exteriorizar, e assim quando estiver perante um ato já praticado com
essas características, deve também atuar em sede da sua manutenção e execução,
ou da sua revogação ou extinção conforme se determina no CPA.
Prof. Vasco
Pereira da Silva: o ato administrativo revela do ponto de vista
procedimental dado que se trata de uma forma de atuação que é praticada no
decurso de um procedimento ( que pode ser mais ou menos extenso, consoante os
casos, mas que, como regra, terá de existir), no qual os particulares são
chamados a participar.
Definição de ato administrativo:
1.
Um
ato jurídico
2.
Um
ato unilateral
3.
Um
ato praticado no exercício do poder administrativo
4.
Um
ato de um órgão administrativo
5.
Um
ato decisório
6.
Um
ato que versa sobre uma situação individual e concreta.
Podemos dizer então que um ato
administrativo é um ato unilateral praticado no exercício do poder
administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou
privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado
pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual
e concreta.
Esta é uma definição doutrinária
correspondente ao art. 120º
do CPA
1. Em
primeiro lugar o ato administrativo é um ato jurídico, ou seja, uma
conduta voluntária produtora de efeitos jurídicos. O ato administrativo é pois
um ato jurídico, sendo-lhe em regra aplicada os princípios gerais de direito referentes
a todos os atos jurídicos.
Por outro lado, e uma vez que o
ato administrativo é um ato jurídico em sentido próprio, isso significa que
ficam de fora do conceito, sob este aspeto:
- Os fatos jurídicos involuntários;
- As operações materiais, posto
que não são atos voluntários e apenas se traduzem em factos;
- As atividades juridicamente irrelevantes.
Daí resulta que nenhuma destas
categorias de factos ou atividades é suscetível de ação impugnatória perante os
tribunais administrativos nem esta submetida ao regime procedimental e
substantivo da figura do ato administrativo constante do CPA- salvo no que
respeita ás operações materiais: estas devem conformar-se com os princípios e
normas daquele diploma que concretizem preceitos constitucionais, já que eles
se aplicam a toda e qualquer atuação administrativa, e também á atividade
técnica.
2. Ao
dizer que o ato administrativo é um ato unilateral pretende referir-se
que ele é um ato jurídico que provém de um só autor, cuja declaração é perfeita
(acabada, completa) independentemente do concurso de vontades de outros órgãos
ou sujeitos de direito.
ATENÇÃO: o ato administrativo não se
confunde com o contrato. Esse é um ato bilateral ao passo que o ato
administrativo é um ato unilateral; nele se manifesta uma vontade da
Administração Pública, a qual não necessita da vontade de mais ninguém, e
nomeadamente não necessita da vontade de qualquer particular, para ser perfeita
ou completa.
O ato
administrativo é um ato unilateral: a Administração Pública manifesta a sua
vontade própria- e isso basta para que o ato administrativo exista e seja
completo, correspondendo ao tipo legal em que se enquadra. Ficam fora do
conceito de ato administrativo todos os atos bilaterais ou plurilaterais da
Administração e nomeadamente, todos os contratos por ela celebrados sejam ou
não contratos administrativos.
3. É
característica do ato ele ser praticado no exercício do poder administrativo,
ou seja, praticado no exercício do poder publico, ao abrigo de normas de
direito público, para o desempenho de uma atividade administrativa de gestão
pública – só esses é que são atos administrativos
Nota:
- Não são atos administrativos os
atos jurídicos praticados pela Administração Pública no desempenho de atividades
de gestão privada: esses atos, sendo atos da Administração são atos de direito
privado, não são atos administrativos. Exemplo: a denuncia de um contrato de
arrendamento jurídico- privado celebrado pela Administração com um particular, não
é um ato administrativo, todavia são-lhes aplicáveis os princípios gerais da
atividade administrativa.
- Também não são atos administrativos os atos políticos,
legislativos e jurisdicionais, ainda que sejam praticados por órgãos da
Administração. Exemplo: o que sucede com a referenda ministerial da promulgação
presidencial de um decreto (ato politico interno) ou ainda a atividade dos
agentes diplomáticos que representa o Estado Português com outras entidades
soberanas, produzem atos de Direito Administrativo porque são sujeitos de DIP.
4. É praticado por um órgão administrativo. Isto significa
que é praticado por um órgão da Administração Pública em sentido orgânico, ou
por um órgão de pessoa coletiva privada, ou por um órgão do Estado não
integrado no poder executivo, por lei habilitados a praticar atos
administrativos.
·
Em 1º lugar são atos administrativos os atos de órgãos
da Administração em sentido orgânico ou subjetivo, quer dizer, os atos
praticados pelos órgãos das pessoas coletivas públicas que compõem a
Administração Pública.
ATENÇÃO: não é
qualquer funcionário publico ou agente administrativo que pode praticar atos administrativos:
de entre a grande massa de indivíduos que atuam ou trabalham ao serviço das
pessoas coletivas públicas, só um pequeno numero deles tem o poder jurídico de
praticar atos administrativos, poder esse que lhes advém diretamente da lei ou
que lhes é conferido mediante delegação de poderes. Os indivíduos que por lei
ou delegação de poderes têm aptidão para praticar atos administrativos são
órgãos da Administração.
·
Em segundo lugar, são também administrativos por
força da lei, certos atos jurídicos unilaterais que decidem situações
individuais e concretas, em matéria administrativa, mas que não provêm da
Administração Pública.
5. O art. 120º do CPA acrescenta mais um elemento á definição do ato
administrativo, cujo sentido e alcance importa agora apurar: o ato
administrativo é uma decisão que provém de um órgão administrativo.
6. O ato também
é uma decisão da Administração Pública que via produzir efeitos jurídicos numa
situação individual e concreta. Isto significa que tem em vista estabelecer a
distinção entre atos administrativos que têm conteúdo individual e concreto das
normas jurídicas emanadas da Administração Pública, nomeadamente os
regulamentos que como já analisei no meu ultimo post, têm um conteúdo geral e
abstrato.
Vários autores se contentam com a
referência da noção do ato administrativo a um caso concreto, enquanto que o Prof. Freitas do Amaral prefere reportar o ato
administrativo como algo individual e concreto como refere o art. 120º CPA.
Isto é justificável na medida em
que é possível frisar-se mais nitidamente o contraste com os atos normativos –
leis, regulamentos… Se a norma jurídica se define como geral e abstrata, o ato
administrativo deve definir-se no contrario - decisão individual e concreta.
Ou seja, as normas jurídicas são
comandos gerais e abstratos; os atos administrativos são comandos individuais e
concretos.
Ficam fora do conceito de ato
administrativo os atos materialmente normativos: quer os atos legislativos (art.112º CRP), quer os
regulamentos que são atos normativos praticados por órgãos da própria Administração
Pública.
Sara Nicolau
Bibliografia:
Livro de Direito Administrativo do Professor Freitas do Amaral
Livro de Teoria Geral do Direito Administrativo do Prof. Mário Aroso de Almeida.
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