sábado, 15 de abril de 2017

Responsabilidade Objetiva da Administração Pública


Responsabilidade por funcionamento anormal do serviço
No século XX verificou-se uma evolução da responsabilidade civil na Administração pública no sentido de uma maior responsabilização da Administração relativamente à proteção dos lesados. Tanto a autonomização do princípio da responsabilidade da Administração Pública, como o reconhecimento de uma das consequências mais significativas dessa mesma autonomização foram imprescindíveis para tal evolução.
            O princípio fundamental no que toca à responsabilidade por facto ilícito é que só haverá obrigação de indemnizar se houver culpa, sendo esta uma noção subjetiva uma vez que “só agem com culpa os indivíduos”. Ora, de modo a que possamos considerar que uma pessoa coletiva agiu com culpa é necessário imputar essa culpa a um ou mais indivíduos que tenham atuado, no exercício das suas funções, ao serviço dessa pessoa coletiva.
A grande questão e dificuldade é, portanto, apurar quem especificamente agiu com culpa. Assim, emprega-se a expressão “culpa do serviço” – um facto “anónimo e coletivo de uma administração em geral mal gerida, de tal modo que é difícil descobrir os seus verdadeiros autores”. Graças a este problema, é cada vez mais frequente que não seja possível imputar o facto ilícito a um ou vários autores determinados, sendo antes imputado ao serviço público globalmente considerado.
O artigo 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro (RCEEP), estipula a responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa e, mais concretamente, a responsabilidade por facto ilícito. Por sua vez, a ilicitude da “culpa do serviço” é estabelecida no artigo 9.º, n.º 2 do mesmo diploma – a responsabilidade é objetiva porque existe ilicitude, mas não culpa.

Responsabilidade pelo risco
            Ao contrário da responsabilidade por factos ilícitos, há casos em que a Administração era obrigada a indemnizar certos danos sofridos pelos particulares, sem culpa; e, assim, a responsabilidade objetiva era excecional, uma vez que só existia nos casos expressamente previstos pela lei. O artigo 483.º, n,º 2 do Código Civil de 1966 estipula que “só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.
            A grande inovação do Decreto-Lei n.º 48 051 foi o facto de a lei ter estabelecido em termos genéricos o âmbito da responsabilidade objetiva de modo a que este tipo de responsabilidade exista em todos os casos que integrem a previsão abstrata da lei, já não carecendo de um preceito específico para cada caso ou situação típica.
            O artigo 11.º do RCEEP estipula a matéria relativa à responsabilidade fundada no risco. Assim, constituem exemplos de fonte de responsabilidade objetiva fundada no risco casos como, por exemplo, danos causados por manobras, exercícios ou treinos com armas de fogo por parte das Forças Armadas ou das forças de polícia; danos causados pela explosão de paióis militares ou de centrais nucleares; danos causados involuntariamente por agentes da polícia em operações de manutenção da ordem pública ou de captura de suspeitos da prática de algum crime.

Responsabilidade por ato lícito
            Quanto à responsabilidade por ato licito, também genericamente prevista em Portugal desde o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de novembro de 1967, o legislador do RCEEP adotou uma perspetiva consideravelmente ampla que vai muito para além da responsabilidade por ato lícito em sentido próprio – artigo 16.º do RCEEP.
            A indemnização pelo dano causado pode resultar de uma violação ou de um sacrifício de um direito ou interesse. No primeiro caso há responsabilidade civil fundada na justificação de um ato ilícito; isto é, há um ato danoso que seria, à partida, ilícito mas que, por haver uma causa justificativa, torna-se licito (como é o caso do estado de necessidade, por exemplo). Já no segundo caso, o que está em causa é um mero problema de compensação de um sacrifício. Assim, o legislador teve de delimitar a “especialidade” e a “anormalidade” dos danos ou encargos – artigo 2.º do RCEEP.
            Temos como exemplos de fonte de responsabilidade objetiva por ato licito, ou pelo sacrifício, casos como a expropriação por utilidade pública, a requisição por utilidade pública, as servidões administrativas, a ocupação temporária de terrenos adjacentes às estradas para execução de obras públicas, o exercício do podes de modificação unilateral do contrato administrativo, e, ainda, a existência de uma causa legitima de inexecução de sentença de um tribunal administrativo proferida contra a Administração.
            Todos estes casos e outros semelhantes são cobertos pela lei, obrigando a Administração a indemnizar os lesados. Portanto, a lei é suficientemente ampla para abranger as principais situações típicas que envolvam a Administração em responsabilidade civil objetiva perante os particulares.
            No entanto, há que haver certas restrições nesta amplitude pois, caso contrario, o Estado não teria capacidade financeira para cobrir o pagamento de todas as indemnizações a que fatalmente seria condenado. Neste seguimento, o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de dezembro de 1967 condiciona o dever de indemnizar à verificação da existência dos requisitos da “especialidade” e da “anormalidade” do prejuízo.

            Assim, portanto, só há obrigação de indemnizar os prejuízos especiais e anormais e não responsabilidade objetiva da Administração por danos que se possam considerar como “danos comuns” (os danos que recaiam genericamente sobre todos os cidadãos ou sobre categorias amplas e abstratas de pessoas – como, por exemplo, proibições temporárias de consumo de certos bens, como água, gás ou eletricidade) e “danos normais” (os que se possam considerar habituais e aceitáveis dentro do “mínimo de risco” que é próprio da vida em sociedade – como, por exemplo, os incómodos decorrentes da impossibilidade temporária de circular numa determinada rua devido às medidas de segurança impostas por ocasião da visita de Chefes de Estado).


Mariana Duarte Nemésio, n.º 28519
TB, ST14

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