Responsabilidade por
funcionamento anormal do serviço
No século XX verificou-se
uma evolução da responsabilidade civil na Administração pública no sentido de
uma maior responsabilização da Administração relativamente à proteção dos
lesados. Tanto a autonomização do princípio da responsabilidade da
Administração Pública, como o reconhecimento de uma das consequências mais
significativas dessa mesma autonomização foram imprescindíveis para tal
evolução.
O
princípio fundamental no que toca à responsabilidade por facto ilícito é que só
haverá obrigação de indemnizar se houver culpa, sendo esta uma noção subjetiva
uma vez que “só agem com culpa os indivíduos”. Ora, de modo a que possamos
considerar que uma pessoa coletiva agiu com culpa é necessário imputar essa
culpa a um ou mais indivíduos que tenham atuado, no exercício das suas funções,
ao serviço dessa pessoa coletiva.
A grande questão e
dificuldade é, portanto, apurar quem especificamente agiu com culpa. Assim,
emprega-se a expressão “culpa do serviço” – um facto “anónimo e coletivo de uma
administração em geral mal gerida, de tal modo que é difícil descobrir os seus
verdadeiros autores”. Graças a este problema, é cada vez mais frequente que não
seja possível imputar o facto ilícito a um ou vários autores determinados,
sendo antes imputado ao serviço público globalmente considerado.
O artigo 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro (RCEEP), estipula
a responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função
administrativa e, mais concretamente, a responsabilidade por facto ilícito. Por
sua vez, a ilicitude da “culpa do serviço” é estabelecida no artigo 9.º, n.º 2 do mesmo diploma – a
responsabilidade é objetiva porque existe ilicitude, mas não culpa.
Responsabilidade pelo
risco
Ao
contrário da responsabilidade por factos ilícitos, há casos em que a
Administração era obrigada a indemnizar certos danos sofridos pelos
particulares, sem culpa; e, assim, a responsabilidade objetiva era excecional,
uma vez que só existia nos casos expressamente previstos pela lei. O artigo
483.º, n,º 2 do Código Civil de 1966 estipula que “só existe obrigação de
indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.
A
grande inovação do Decreto-Lei n.º 48 051
foi o facto de a lei ter estabelecido em termos genéricos o âmbito da
responsabilidade objetiva de modo a que este tipo de responsabilidade exista em
todos os casos que integrem a previsão abstrata da lei, já não carecendo de um
preceito específico para cada caso ou situação típica.
O
artigo 11.º do RCEEP estipula a
matéria relativa à responsabilidade fundada no risco. Assim, constituem
exemplos de fonte de responsabilidade objetiva fundada no risco casos como, por
exemplo, danos causados por manobras, exercícios ou treinos com armas de fogo
por parte das Forças Armadas ou das forças de polícia; danos causados pela
explosão de paióis militares ou de centrais nucleares; danos causados
involuntariamente por agentes da polícia em operações de manutenção da ordem
pública ou de captura de suspeitos da prática de algum crime.
Responsabilidade por
ato lícito
Quanto à responsabilidade por ato licito, também
genericamente prevista em Portugal desde o Decreto-Lei
n.º 48 051, de 21 de novembro de 1967, o legislador do RCEEP adotou uma perspetiva
consideravelmente ampla que vai muito para além da responsabilidade por ato
lícito em sentido próprio – artigo 16.º
do RCEEP.
A
indemnização pelo dano causado pode resultar de uma violação ou de um
sacrifício de um direito ou interesse. No primeiro caso há responsabilidade
civil fundada na justificação de um ato ilícito; isto é, há um ato danoso que
seria, à partida, ilícito mas que, por haver uma causa justificativa, torna-se
licito (como é o caso do estado de necessidade, por exemplo). Já no segundo caso,
o que está em causa é um mero problema de compensação de um sacrifício. Assim,
o legislador teve de delimitar a “especialidade” e a “anormalidade” dos danos
ou encargos – artigo 2.º do RCEEP.
Temos
como exemplos de fonte de responsabilidade objetiva por ato licito, ou pelo
sacrifício, casos como a expropriação por utilidade pública, a requisição por
utilidade pública, as servidões administrativas, a ocupação temporária de
terrenos adjacentes às estradas para execução de obras públicas, o exercício do
podes de modificação unilateral do contrato administrativo, e, ainda, a
existência de uma causa legitima de inexecução de sentença de um tribunal
administrativo proferida contra a Administração.
Todos
estes casos e outros semelhantes são cobertos pela lei, obrigando a
Administração a indemnizar os lesados. Portanto, a lei é suficientemente ampla
para abranger as principais situações típicas que envolvam a Administração em
responsabilidade civil objetiva perante os particulares.
No
entanto, há que haver certas restrições nesta amplitude pois, caso contrario, o
Estado não teria capacidade financeira para cobrir o pagamento de todas as
indemnizações a que fatalmente seria condenado. Neste seguimento, o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de
dezembro de 1967 condiciona o dever de indemnizar à verificação da
existência dos requisitos da “especialidade” e da “anormalidade” do prejuízo.
Assim,
portanto, só há obrigação de indemnizar os prejuízos especiais e anormais e não
responsabilidade objetiva da Administração por danos que se possam considerar
como “danos comuns” (os danos que recaiam genericamente sobre todos os cidadãos
ou sobre categorias amplas e abstratas de pessoas – como, por exemplo,
proibições temporárias de consumo de certos bens, como água, gás ou
eletricidade) e “danos normais” (os que se possam considerar habituais e
aceitáveis dentro do “mínimo de risco” que é próprio da vida em sociedade –
como, por exemplo, os incómodos decorrentes da impossibilidade temporária de
circular numa determinada rua devido às medidas de segurança impostas por
ocasião da visita de Chefes de Estado).
Mariana Duarte Nemésio, n.º 28519
TB, ST14
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