domingo, 16 de abril de 2017

AS GARANTIAS DOS PARTICULARES – Garantias Administrativas

 As Garantias constituem os meios jurídicos de defesa dos particulares contra a Administração Pública. A sua finalidade consiste na prevenção ou na sanção da violação de direitos ou de interesses legalmente protegidos dos administrados, provocada por ação ou por omissão da Administração Pública.
 Dentro das garantias dos particulares, destacam-se as Garantias Administrativas, que se efetivam através da atuação e da decisão dos órgãos da Administração Pública, aproveitando as próprias estruturas administrativas e os controlos de mérito e de legalidade nelas usados.
 A classificação tradicional distingue as garantias administrativas em Petitórias e em Impugnatórias:

 Entende-se por Garantias Petitórias, as garantias que têm por base a existência de um pedido, por parte do particular, dirigido à Administração Pública e que não pressupõem a prévia prática de um ato administrativo. 
Existem cinco tipos de garantias de índole petitório:

O direito de petição consiste na faculdade de solicitar à Administração Pública providências que se consideram necessárias, como a tomada de decisões, prestação de informações ou permissão de acesso a arquivos seus ou a processos pendentes. Ora, com este direito, requer-se à Administração algo que se pretende obter. Exemplo: art.º 48.º/2 CRP.

O direito de representação consiste na faculdade de pedir a um órgão da Administração Pública, responsável por uma certa decisão administrativa, a reponderação ou confirmação desta, tendo em conta as possíveis consequências negativas que possam advir da sua execução.

Os funcionários podem exercer este direito quando estejam perante ordens ilícitas dos seus superiores hierárquicos ou quando duvidem da autenticidade de tais ordens.

O direito de denúncia consiste na faculdade de o particular alertar um órgão da Administração Pública para a ocorrência de um certo facto ou situação que este tenha a obrigação de averiguar. Exemplo: quando se tem conhecimento de um crime e se faz uma denúncia à Polícia Judiciária ou ao Ministério Público.

O direito de queixa consiste na faculdade de um particular denunciar o comportamento de um funcionário/agente da Administração Pública, abrindo-se um processo de apuramento da responsabilidade disciplinar deste. Este processo culminará na aplicação de sanções, pois a queixa desencadeia um poder sancionatório.

 De acordo com o Prof. Diogo Freitas do Amaral, “há uma relação particular entre a queixa e a denúncia: Toda a queixa é uma denúncia, pois em toda a queixa se faz a denúncia de certo comportamento de alguém. Mas, nem toda a denúncia é uma queixa: só há queixa quando ela tem por objeto o comportamento de uma certa entidade, ao passo que pode haver denúncias que tenham por objeto outras realidades que não o comportamento de pessoas singulares ou coletivas”.

O direito de oposição administrativa consiste na faculdade de contestar decisões que um órgão da Administração Pública projeta tomar, seja por sua iniciativa, seja dando satisfação a pedidos que lhe tenham sido dirigidos por outrem.


 As Garantias Impugnatórias, por sua vez, constituem os meios, criados pela ordem jurídica, de que o particular se pode socorrer para solicitar a revogação, anulação, substituição ou modificação de atos administrativos já praticados (arts.º 184.º/1 e 2 e 185.º/3 CPA), permitindo que eles sejam impugnados perante a própria Administração Pública, isto é, sem recorrer aos tribunais administrativos. Assim, são garantias que consubstanciam mecanismos de fiscalização da atividade administrativa do Estado, os quais podem ser usados sempre que sejam postos em causa direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos administrados (art.º 186.º/1 CPA). Contudo, não poderá reclamar ou recorrer administrativamente quem, sem reserva, tenha aceitado um ato administrativo depois de praticado (art.º 186.º/2 CPA).  
Existem quatro tipos de garantias de natureza impugnatória, consagradas nos artigos 191.º a 199.º CPA:

A reclamação consiste no direito do particular que se considere lesado por um certo ato administrativo de solicitar ao autor do mesmo a sua reapreciação (revogação ou modificação) (art.º 191.º/1 CPA). A reclamação do ato administrativo nunca é uma reclamação necessária, salvo lei especial. Tem, portanto, um caráter facultativo (art.º 185.º/2 CPA).

 Esta garantia encontra fundamento na possibilidade de os atos administrativos serem revogados ou anulados pelo órgão que os praticou, pelo que se pressupõe que não haverá uma recusa, por parte de quem praticou o ato administrativo, de rever e eventualmente proceder à sua revogação, modificação, anulação ou substituição.

 Regra geral, pode reclamar-se de qualquer ato administrativo, contudo não será possível reclamar de um ato que decida anterior reclamação ou recurso administrativo, exceto com fundamento em omissão de pronúncia (art.º 191.º/2 CPA).

 O prazo para apresentar a reclamação, salvo lei especial, é de 15 dias (art.º 191.º/3 CPA), enquanto que o prazo de decisão sobre a reclamação por parte do órgão competente é de 30 dias (art.º 192.º/2 CPA).

O recurso hierárquico (arts.º 193.º a 198.º CPA), para o Prof. Diogo Freitas do Amaral, é uma garantia administrativa dos particulares que consiste em requerer ao superior hierárquico de um órgão subalterno a revogação ou anulação de um ato administrativo ilegal por ele praticado ou a prática de um ato ilegalmente omitido pelo mesmo.
  
 Pode ser de legalidade (particular pode alegar como fundamento a ilegalidade do ato administrativo impugnado ou a ilegalidade da omissão de um ato devido); de mérito (particular pode alegar como fundamento a inconveniência do ato impugnado ou da omissão de um ato requerido); ou misto (particular pode alegar a ilegalidade e a inconveniência do ato impugnado, ou optar por apenas uma destas, conforme o que for mais satisfatório para os seus direitos ou interesses legítimos). Regra geral, os recursos hierárquicos são de caráter misto (art.º 185.º/3 CPA), salvo quando a lei determine o contrário.

 Outra classificação distingue os recursos hierárquicos facultativos e os recursos hierárquicos necessários:

Art.º 185.º CPA - “(…) os recursos são necessários ou facultativos, conforme depende, ou não, da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contenciosos de impugnação ou condenação à prática de ato devido.”

 Seguindo a posição do Prof. Diogo Freitas do Amaral, o recurso hierárquico facultativo (art.º 185.º/2 CPA) “é o que respeita a um ato verticalmente definitivo, ou à omissão ilegal dele de que já cabe ação contenciosa”. Já o recurso hierárquico necessário (arts.º 189.º e 190.º CPA) “é aquele que é indispensável para se atingir um ato verticalmente definitivo que possa ser impugnado contenciosamente”.

 Relativamente à interposição do recurso, este é “dirigido ao mais elevado superior hierárquico do autor do ato ou da omissão, salvo se a competência para a decisão se encontrar delegada ou subdelegada.” (art.º 194.º/1 CPA). Os prazos do recurso hierárquico estão consagrados nos arts.º 188.º e 198.º/1 e 2 CPA.

O recurso hierárquico impróprio consiste num recurso administrativo mediante o qual se impugna um ato praticado por um órgão de uma pessoa coletiva pública perante outro órgão da mesma pessoa coletiva que, não sendo superior hierárquico do primeiro (isto é, sem que entre eles exista uma relação hierárquica), exerça sobre ele um poder de supervisão (art.º 199.º/1, alíneas a) e b) CPA).

 Este tipo de recurso apenas existe nos casos expressamente previstos por lei (art.º 199.º/1 CPA).

 São aplicáveis ao recurso hierárquico impróprio, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do recurso hierárquico (art.º 199.º/5 CPA).


O recurso tutelar (art.º 199.º/3, 4 e 5 CPA) consiste num recurso administrativo interposto de um ato ou omissão de uma pessoa coletiva autónoma, perante um órgão de outra pessoa coletiva pública que exerce sobre ela poderes de superintendência ou de tutela. Assim, para que haja recurso tutelar, este não só deve estar expressamente previsto na lei (caráter excecional - art.º 199.º/1 CPA), mas também deve existir uma relação jurídica de tutela administrativa ou de superintendência.

 A este recurso aplicam-se as regras relativas ao recurso hierárquico, na parte em que não contrariem a natureza própria deste e o respeito devido à autonomia da entidade que se encontra tutelada (art.º 199.º/5 CPA).


 Para terminar, a queixa ao “Provedor de Justiça” consiste também numa garantia administrativa, consagrada no art.º 23.º da CRP:

 “1. Os cidadãos podem apresentar queixas por ações ou omissões dos poderes públicos ao Provedor de Justiça, que as apreciará sem poder decisório, dirigindo aos órgãos competentes as recomendações necessárias para prevenir e reparar injustiças.
2. A atividade do Provedor de Justiça é independente dos meios graciosos e contenciosos previstos na Constituição e nas leis.
3. O Provedor de Justiça é um órgão independente, sendo o seu titular designado pela Assembleia da República, pelo tempo que a lei determinar.
4. Os órgãos e agentes da Administração Pública cooperam com o Provedor de Justiça na realização da sua missão.

 Esta figura não tem poder decisório, pois não dispõe de competência para revogar ou modificar atos administrativos. Contudo, tem poderes persuasórios, pelo que estuda o caso concreto e, se entender que o particular tem razão na queixa, dirige recomendações às autoridades competentes. 


"A «grande arma» do Provedor de Justiça é a persuasão". – Prof. João Caupers.

 Pode também, usando a teoria dos poderes implícitos, dialogar com as autoridades administrativas postas em causa e “pressioná-las” a cumprir a lei ou corrigir as suas omissões ou erros.

 De acordo com o Prof. Diogo Freitas do Amaral, o Provedor de Justiça é um órgão da administração central do Estado, com caráter de órgão independente. Funciona essencialmente como um órgão de controlo da legalidade administrativa, de caráter gratuito e mais rápido que os tribunais administrativos.

 Sendo uma autoridade independente e inamovível, goza de grande prestígio e independência que fazem com que, regra geral, a Administração Pública considere as suas recomendações e as aceite.

 A atuação do Provedor de Justiça rege-se por princípios fundamentais, nomeadamente o informalismo (deve procurar a verdade e o esclarecimento dos factos através de todos os meios que estejam ao seu alcance) e o contraditório (não pode censurar ou criticar algum órgão da Administração Pública, sem que lhe tenha assegurado anteriormente o direito de esclarecer e fundamentar a sua posição). 

Bibliografia:

- AMARAL, Diogo Freitas do. «Curso de Direito Administrativo», Volume II (3ª edição). Almedina, 2016.
- CAUPERS, João. «Introdução ao Direito Administrativo” (10ª edição). Âncora editora, 2009.

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