O dever de
fundamentação do acto administrativo consiste, essencialmente, numa imposição
da obrigação de justificar o porquê de determinada decisão ou deliberação como
requisito de validade da expressão do órgão em causa.
Este dever,
consoante o ordenamento jurídico em que se insere, pode ou não dizer respeito a
todos os actos administrativos, como seria o caso dos Estados Unidos da
América, ou apenas a determinados tipos de actos, como é o caso no ordenamento jurídico português.
Em Portugal,
vigorou durante anos um sistema onde, na ausência de uma regra geral sobre o
assunto, era considerado não existir dever de fundamentação dos actos na
generalidade dos casos. Estando, contudo, previstas várias excepções a esta
regra, nomeadamente, em legislação avulsa que regulava as matérias que
requeressem essa mesma obrigação.
Após o 25 de
Abril de 1974, e com o objectivo de reforçar as garantias dos particulares face
à Administração Pública, foi estabelecida uma regra geral onde o dever de
fundamentação era previsto para a maioria dos actos administrativos. Desde
então os princípios subjacentes a essa regra geral continuaram a ser tidos em
conta, e esta foi apenas alterada para conferir ainda maior protecção aos
particulares.
Este dever
ainda que concretizado com maior detalhe nos arts. 152º a 154º do Código de
Procedimento Administrativo, encontra-se também previsto no art. 268º/3 da
Constituição da República Portuguesa, o que demonstra a sua importância para o
legislador.
No artigo 152º/1
é feita uma enumeração onde são referidos os casos para os quais se encontra
previsto o referido dever. Já no número 2 do mesmo artigo, são estabelecidas as
situações dispensadas do mesmo, como os actos de homologação de deliberações
tomadas por júri, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos
seus subalternos.
Já
no art. 153º são estabelecidas as regras a que deve obedecer a fundamentação,
nomeadamente:
(1)
– ser expressa – entenda-se, ser enunciada de
modo explícito no contexto do próprio acto;
(2)
– deve
ser de facto e de direito – ou seja, não tem apenas que indicar qual o quadro
jurídico que impõe ou permite a tomada de decisão, mas também deve demonstrar
de que modo a situação factual a que diz respeito se subsume às previsões
jurídicas do respectivo quadro jurídico aplicável;
(3)
– a fundamentação deve ainda ser: (i) clara, e
portanto, compreensível, caso contrário será obscura; (ii) coerente, quando da
fundamentação claramente decorre a decisão, o que quando não ocorra se
designará como sendo contraditória; (iii) completa, contendo informação
bastante para permitir a tomada de decisão, sob pena de ser insuficiente.
Para
determinados casos, como os actos orais, as declarações de concordância e o das
deliberações sujeitas ao dever de fundamentação tomadas por escrutínio secreto,
são previstas regras especiais, respectivamente: o art. 154º; o art. 153º/1
(segunda parte), e o art.31º/3.
Caso se verifique a ausência de
fundamentação num acto que carecia dela, ou se esta existir mas não preencher
os requisitos referidos, o acto administrativo em causa será ilegal por vício
de forma, e consequentemente anulável de acordo com o art. 163º/1 C.P.A. .
Como
argumentos a favor da existência do dever de fundamentação são apontados por
Rui Machete:
(a)
Uma melhor possibilidade de defesa do
particular, que apenas consegue responder ao acto administrativo de forma
estruturada e eficaz se souber quais os motivos que se encontram por detrás do
mesmo levando a Administração a decidir em determinado sentido e em detrimento
de outros;
(b)
Uma maior facilidade no controlo à
Administração, na medida em que este dever constitui uma obrigação formal que
deve levar a Administração a ponderar e demonstrar que ponderou todos os
elementos essenciais à tomada de determinada decisão, facilitando assim também
o controlo e procedimento dos órgãos dotados de poderes de supervisão, que
poderam assim mais facilmente realizar a sua função;
(c)
Uma maior harmonia entre os particulares e a
Administração, já que estes tendencialmente aceitarão de melhor grado decisões
fundamentadas e que possam compreender em
vez de serem confrontados com uma decisão que tanto quanto sabem poderia muito
bem ter sido tomada de forma arbitrária;
(d)
Uma maior transparência, tendo em conta que são
tornados claros quais os factos precisos sobre os quais assenta a actuação da
Administração;
Este
dever é importante não só nos actos discricionários, revelando as razões que
levaram o orgão a escolher uma solução em vez de outra, mas também nos próprios
actos vinculados onde mostra comos os factos provados justificam a aplicação de
determinada norma.
Bibliografia
Diogo Freitas do AMARAL, Curso de
Direito Administrativo, vol. II, 3ª edição 2016
João CAUPERS, Introdução ao Direito
Administrativo, 10ª Edição, 2009
Marcello CAETANO, Manual de Direito
Administrativo, vol. I
Miguel Romano, nº 28159
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