segunda-feira, 17 de abril de 2017

O dever de fundamentação do acto administrativo

O dever de fundamentação do acto administrativo consiste, essencialmente, numa imposição da obrigação de justificar o porquê de determinada decisão ou deliberação como requisito de validade da expressão do órgão em causa.
Este dever, consoante o ordenamento jurídico em que se insere, pode ou não dizer respeito a todos os actos administrativos, como seria o caso dos Estados Unidos da América, ou apenas a determinados tipos de actos, como é  o caso no ordenamento jurídico português.
Em Portugal, vigorou durante anos um sistema onde, na ausência de uma regra geral sobre o assunto, era considerado não existir dever de fundamentação dos actos na generalidade dos casos. Estando, contudo, previstas várias excepções a esta regra, nomeadamente, em legislação avulsa que regulava as matérias que requeressem essa mesma obrigação.
Após o 25 de Abril de 1974, e com o objectivo de reforçar as garantias dos particulares face à Administração Pública, foi estabelecida uma regra geral onde o dever de fundamentação era previsto para a maioria dos actos administrativos. Desde então os princípios subjacentes a essa regra geral continuaram a ser tidos em conta, e esta foi apenas alterada para conferir ainda maior protecção aos particulares.
Este dever ainda que concretizado com maior detalhe nos arts. 152º a 154º do Código de Procedimento Administrativo, encontra-se também previsto no art. 268º/3 da Constituição da República Portuguesa, o que demonstra a sua importância para o legislador.
No artigo 152º/1 é feita uma enumeração onde são referidos os casos para os quais se encontra previsto o referido dever. Já no número 2 do mesmo artigo, são estabelecidas as situações dispensadas do mesmo, como os actos de homologação de deliberações tomadas por júri, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos.
               Já no art. 153º são estabelecidas as regras a que deve obedecer a fundamentação, nomeadamente:
(1)    – ser expressa – entenda-se, ser enunciada de modo explícito no contexto do próprio acto;
(2)    –  deve ser de facto e de direito – ou seja, não tem apenas que indicar qual o quadro jurídico que impõe ou permite a tomada de decisão, mas também deve demonstrar de que modo a situação factual a que diz respeito se subsume às previsões jurídicas do respectivo quadro jurídico aplicável;
(3)    – a fundamentação deve ainda ser: (i) clara, e portanto, compreensível, caso contrário será obscura; (ii) coerente, quando da fundamentação claramente decorre a decisão, o que quando não ocorra se designará como sendo contraditória; (iii) completa, contendo informação bastante para permitir a tomada de decisão, sob pena de ser insuficiente.

Para determinados casos, como os actos orais, as declarações de concordância e o das deliberações sujeitas ao dever de fundamentação tomadas por escrutínio secreto, são previstas regras especiais, respectivamente: o art. 154º; o art. 153º/1 (segunda parte), e o art.31º/3.
Caso se verifique a ausência de fundamentação num acto que carecia dela, ou se esta existir mas não preencher os requisitos referidos, o acto administrativo em causa será ilegal por vício de forma, e consequentemente anulável de acordo com o art. 163º/1 C.P.A. .
Como argumentos a favor da existência do dever de fundamentação são apontados por Rui Machete:
(a)    Uma melhor possibilidade de defesa do particular, que apenas consegue responder ao acto administrativo de forma estruturada e eficaz se souber quais os motivos que se encontram por detrás do mesmo levando a Administração a decidir em determinado sentido e em detrimento de outros;
(b)    Uma maior facilidade no controlo à Administração, na medida em que este dever constitui uma obrigação formal que deve levar a Administração a ponderar e demonstrar que ponderou todos os elementos essenciais à tomada de determinada decisão, facilitando assim também o controlo e procedimento dos órgãos dotados de poderes de supervisão, que poderam assim mais facilmente realizar a sua função;
(c)    Uma maior harmonia entre os particulares e a Administração, já que estes tendencialmente aceitarão de melhor grado decisões fundamentadas e que possam compreender em vez de serem confrontados com uma decisão que tanto quanto sabem poderia muito bem ter sido tomada de forma arbitrária;
(d)    Uma maior transparência, tendo em conta que são tornados claros quais os factos precisos sobre os quais assenta a actuação da Administração;
Este dever é importante não só nos actos discricionários, revelando as razões que levaram o orgão a escolher uma solução em vez de outra, mas também nos próprios actos vinculados onde mostra comos os factos provados justificam a aplicação de determinada norma.


Bibliografia
Diogo Freitas do AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 3ª edição 2016
João CAUPERS, Introdução ao Direito Administrativo, 10ª Edição, 2009
Marcello CAETANO, Manual de Direito Administrativo, vol. I



Miguel Romano, nº 28159

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