domingo, 16 de abril de 2017

Das relações entre Administração e administrados: Os acordos endoprocedimentais

Com a reforma do CPA, visou-se uma melhoria na forma como a Administração e os particulares se interrelacionam. Uma das figuras que veio a ser consagrada no CPA de 2015 foi a figura dos acordos endoprocedimentais. Previstas no artigo 57º do CPA, estas são as convenções escritas celebradas no interior do procedimento (daí o seu nome) entre a Administração e os interessados, no sentido de acordar termos do procedimento. A finalidade destes acordos traduz-se na consensualização total ou parcial dos termos do procedimento a observar ou a determinação do conteúdo da decisão final. Posto isto, podemos afirmar que o novo código aceita amplamente a intervenção constitutiva dos interessados na delineação do procedimento.
Há, no entanto, que questionarmo-nos acerca da razão pela qual os particulares, assim como a Administração, por vezes se socorrem desta figura. Encontramos assim as seguintes vantagens:
                i) Flexibilização do procedimento: gera um reforço do princípio do contraditório ao criar um vínculo obrigacional entre Administração e particular;
                ii) Aplicação da melhor solução ao caso concreto: ao chegar-se a um consenso entre Administração e particulares, é possível traduzir-mos o mesmo na melhor decisão possível, o qual podemos remeter ao princípio da eficiência;
                iii) Diminuição da litigiosidade: é a consequência directa da negociação do conteúdo do acto ou da definição consensual dos termos do procedimento;

Efeitos do acordo endoprocedimental
Os acordos em cima enunciados têm efeito vinculativo, pelo que a administração fica vinculada a uma decisão correspondente ao conteúdo negociado. Isto não significa que a administração perca, no entanto, a sua competência para praticar o acto unilateral, pelo que a decisão final (da Administração) continua a ser unilateral mas fica vinculada ao conteúdo do acordo. Encontramos aqui uma ponte com o conceito de discricionariedade, pelo que vem a limitar a mesma, como se reconhece no nº 1 do artigo 57º do CPA. Há que ter em conta que o acordo endoprocedimental não substitui o acto administrativo, apenas vem a obrigar a Administração à observação de determinado procedimento, ou a dar ao acto administrativo final determinado conteúdo.

Natureza e regime jurídico
A este propósito questiona-se se o acordo endoprocedimental configura ou não um contrato administrativo. Não é unânime mas a grande maioria dos autores aderem à posição contratual da figura (Miguel Assis Raimundo, Joana Loureiro, Luiz Cabral de Moncada, entre outros) uma vez que a negociação vai determinar a decisão, não sendo um verdadeiro acto unilateral da Administração. Um outro argumento de ordem sistemática pode ser apontado: o facto dos acordos endoprocedimentais estarem presentes no CCP. Não parece haver grande discussão quanto à conformação consensual do exercício dos poderes de direcção do procedimento. Já em matéria de tribunais, o regime do acordo é da competência dos Tribunais Administrativos. A natureza destes acordos em articulação com o artigo 310º do CCP é semelhante aos acordos endocontratuais na medida em que podem incidir sobre o conteúdo do acto administrativo a praticar. Pode ainda dizer-se que mesmo sendo um conteúdo pré-contratual, existem ainda implicações no próprio conteúdo da decisão final. Posto isto não parece haver grandes dúvidas acerca da natureza contratual desta figura em apreço, trata-se de um exercício de poderes de ordem pública, reforçado pelo princípio do contraditório, na medida em que os interessados condicionam a competência dos entes públicos com quem negoceiam.
Não se aplica a Parte II tendo em conta a natureza nominativa do procedimento e do acto administrativo subsequente, ficando no entanto sujeita à Parte III do CCP, independentemente da vinculatividade do acordo, a Administração deve exercer os seus poderes de conformação da relação contratual administrativa em causa, embora isto esteja para lá do CPA.
Assim sendo, a alínea b) do nº 6 do artigo 1º do CCP possibilita qualificar como contratos administrativos os referidos acordos endoprocedimentais pois que incidem sobre o exercício de poderes de ordem publica mas também se lá chegava através da alínea d) da mesma norma, pois que mediante eles os interessados condicionam o exercício das competências dos entes públicos. Não obstante, deparamo-nos com 2 limites de natureza a estes “contratos enxertados no procedimento administrativo”:

                i) Legal: o objecto do acordo tem que ser admissível pela lei;
                ii) Material: o acordo tem que ser compatível com a natureza das relações a estabelecer;
Estes limites acima enunciados resultam do princípio da autonomia pública contratual, o qual se encontra consagrado no artigo 278º do CCP, nos termos do qual “a prossecução das suas atribuições, e sempre que esteja em causa o exercício da função administrativa, os contraentes públicos podem celebrar quaisquer contratos administrativos, salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer”.

Conclusão

Tem-se vindo a verificar uma constante revolução administrativa, cada vez mais existe um maior diálogo entre Administração e administrados, esta figura é prova disso. Como disse anteriormente, existe uma verdadeira concretização de princípios como os da eficiência, contraditório, e até se pode dizer, em certos casos, de celeridade. Os acordos endoprocedimentais geram em consequência uma maior facilidade de consolidação no ordenamento jurídico dos actos e regulamentos praticados pela Administração, podendo também estes vir a ser úteis como precedente, visto que já houve em primeiro plano uma verdadeira relação de paridade entre Administração e cidadãos que permitiu alcançar a melhor solução possível, ainda que esta se remeta a um caso concreto.

Bibliografia:

- CABRAL DE MONCADA, Luiz, Código do Procedimento Administrativo anotado, Coimbra Editora;
- Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo, AAFDL Editora.

                                                                                                                         Ricardo Serra nº 26122

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