Para
começar importa situar os regulamentos administrativos no âmbito das várias
fontes do Direito Administrativo. Hierarquicamente, os regulamentos são como
que uma fonte secundária deste ramo do direito, no sentido em que os níveis
superiores estão ocupados pelas normas e princípios de direito internacional e
de direito da União Europeia, pelas normas e princípios constitucionais, bem
como pela lei ordinária. São estas as fontes “primárias” do Direito
Administrativo, verificando-se por isso uma subordinação dos regulamentos, como
fonte secundária, às mesmas.
Importa
agora esclarecer em que consistem os regulamentos administrativos: “ são as
normas jurídicas emanadas no exercício do poder administrativo por um órgão da
Administração ou por outra entidade pública ou para tal habilitada por lei.”.
Os
regulamentos são um produto da atividade da Administração, fundamental a todo o
funcionamento do Estado, enquanto Estado social e prestador; detendo, pois,
grande relevância, apesar de se encontrarem ao nível de fontes secundárias do
Direito Administrativo. Essa relevância prende-se com o facto de permitirem ao
Parlamento, por razões de tempo e por razões materiais, desonerar-se de tarefas
paras as quais não se encontra preparado para legislar. Possibilitam também uma
adaptação rápida do tecido normativo a múltiplas situações específicas da vida,
que se encontram em constante mutação. Ainda quanto aos regulamentos dos entes
autónomos ou das entidades administrativas independentes, estes viabilizam a
tomada em consideração das diferentes especificidades regionais, locais,
corporativas ou setoriais.
Quanto
à noção de regulamento fornecida, bem como a consagrada no artigo 135.º do
Código do Procedimento Administrativo, podem identificar-se três elementos
importantes, referentes à natureza material, orgânico-formal e funcional. Do
ponto de vista material os regulamentos consistem em normas jurídicas, pois
consistem em regras de conduta da vida social, dotados da generalidade e da
abstração. Sendo gerais e abstratos, significa que os regulamentos se aplicam
não só a uma pluralidade de destinatários, definidos através de conceitos ou
categorias universais, mas também a várias situações definidas também pelo
mesmo tipo de conceitos. Já assim não sucede quanto ao ato administrativo,
aplicável a sujeitos determinados e a situações concretas.
Do
ponto de vista orgânico-formal, o regulamento pode ser emanado quer por um
órgão de uma pessoa coletiva pública integrante da Administração, quer por
pessoas coletivas que não integrem a Administração e por entidades de direito
privado, na medida em que estas realizem a função administrativa. Portanto,
todas as entidades incumbidas de função administrativa poderão deter poderes
regulamentares, sendo apenas necessária uma lei que as habilite; isto é, tem
que existir uma lei que habilite estas entidades para determinado efeito.
Quanto ao último elemento, de natureza funcional, esta prende-se com o facto de
o regulamento ser emanado no exercício do poder administrativo. Por exemplo, no
caso do Governo, órgão de soberania que apresenta competências legislativas e
administrativas, só se poderia tratar de regulamento administrativo quando o
Governo tivesse atuado no desempenho das suas atribuições administrativas.
Os
regulamentos, encontrando-se incluídos na função administrativa vão estar
submetidos à função política e à função legislativa. Pode dizer-se, então que o
regulamento tem o seu fundamento e parâmetro de validade na constituição e na
lei.
Quanto
às espécies de regulamentos existentes, são normalmente apresentados quatro
critérios. O primeiro atende à relação dos regulamentos face à lei, podendo
distinguir os regulamentos complementares ou de execução e os regulamentos
independentes ou autónomos. Os regulamentos de execução são “aqueles que
desenvolvem ou aprofundam a disciplina jurídica constante de uma lei”,
viabilizando, deste modo, a sua aplicação aos casos concretos da vida real.
Verifica-se, pois, a tarefa de pormenorização, de detalhe do comando legislativo.
Os regulamentos de execução podem, por sua vez, dividir-se em espontâneos ou
devidos. Serão espontâneos quando nada é dito na lei a cerca da necessidade da
sua “complementarização”; e devidos quando a adoção do regulamento é necessária
para dar exequibilidade à própria lei.
Os
regulamentos independentes são “aqueles regulamentos administrativos que os
órgãos administrativos elaboram no exercício da sua competência, para assegurar
a realização das suas atribuições específicas, sem cuidar de desenvolver ou
completar nenhuma lei em especial”; neste sentido também o artigo 136.º, número
3 do CPA. Estes regulamentos não vêm complementar qualquer lei anterior, eles
visam antes, estabelecer autonomamente a disciplina jurídica que há de pautar a
realização das atribuições específicas cometidas pelo legislador às entidades
consideradas. Portanto, a lei limita-se a definir a competência subjetiva –
quem ou qual é o órgão competente- e a competência objetiva – matéria ou objeto
do regulamento. Para concluir o primeiro critério, consideramos importante
referir o disposto no número 2, do artigo 136.º do CPA. De acordo com o
preceito: para que um regulamento complementar seja válido é necessário que ele
indique expressamente a lei que visa regulamentar; ao mesmo tempo, para que um
regulamento independente seja válido, exige-se que ele indique expressamente a
lei ou leis que atribuem especificamente competência para a emissão do
regulamento.
O
segundo critério tem que ver com o objeto, sendo possível identificar os regulamentos
de organização, os regulamentos de funcionamento e os regulamentos de polícia.
Os regulamentos de organização procedem à distribuição das funções pelos vários
departamentos e unidades de uma pessoa coletiva pública, e ainda procedem à
repartição de tarefas pelos vários agentes. Têm, pois, que ver com a
organização da “máquina administrativa”. Os regulamentos de funcionamento já se
prendem com a disciplina da vida quotidiana dos serviços públicos. Os
regulamentos de polícia impõem limitações à liberdade individual com vista a
evitar, dada a conduta perigosa dos indivíduos, a produção de danos sociais. Um
exemplo serão os regulamentos sobre a instalação e funcionamento de indústrias
insalubres. Dentro deste tipo, e no âmbito da administração local é possível
distinguir entre posturas, que são regulamentos locais, de polícia,
independentes; e regulamentos policiais, que são também regulamentos locais e
de polícia, mas complementares ou de execução.
O
terceiro critério tem que ver com o âmbito da aplicação dos regulamentos,
existindo regulamentos gerais, locais e institucionais. Os regulamentos gerais
pretendem vigorar em todo o território continental; os locais aplicam-se a um
domínio limitado a uma dada circunscrição territorial. Este é o caso dos regulamentos
aplicáveis nas regiões autónomas – regulamentos regionais; ou nas autarquias
locais – regulamentos autárquicos. Já os regulamentos institucionais são os que
provêm de institutos públicos ou associações públicas, para terem aplicação
apenas às pessoas que se encontram sob a sua jurisdição.
O
quarto e último critério aponta para a projeção da eficácia dos regulamentos,
existindo regulamentos internos e externos. Os regulamentos internos, tal como
sugere o termo, são aqueles “que produzem os seus efeitos jurídicos unicamente
no interior da esfera jurídica da entidade de que emanam”: Serão regulamentos
externos aqueles que produzem efeitos jurídicos em relação a outros sujeitos de
direito diferentes, ou seja, em relação a outras pessoas coletivas públicas ou
em relação a particulares.
Para
concluir, importa apenas proceder a uma análise comparativa da distinção entre
regulamento e lei; e regulamento e ato administrativo. Começando pela primeira
distinção, podemos, desde já, referir que a Constituição não fornece qualquer
tipo de critério de definição da fronteira em termos materiais do domínio
legislativo e do domínio regulamentar. Portanto, apenas através de aspetos
orgânicos e formais é possível estabelecer esta distinção. Será lei “todo o ato
normativo que provenha de um órgão com competência legislativa e que assuma a
forma de lei”; e regulamento “todo o ato normativo dimanado de um órgão com
competência regulamentar e que revista a forma de regulamento, ainda que seja
independente ou autónomo (…)”.
Prosseguindo
para a análise comparativa, verifica-se quanto ao fundamento jurídico que a
lei, em regra, baseia-se apenas na Constituição, enquanto o regulamento
necessita, para ser válido, de uma lei de habilitação atribua competência para
a sua emissão. Quanto à ilegalidade, verifica-se que, em regra, uma lei
contrária a outra lei, revoga-a, ou então coexistem ambas na ordem jurídica com
diversos domínios de aplicação. Já o regulamento contrário a uma lei é ilegal.
Quanto à impugnação, verifica-se que a lei só pode ser impugnada diretamente
com fundamento em inconstitucionalidade junto do Tribunal Constitucional. O
regulamento ilegal é, em regra, impugnável administrativa e contenciosamente.
Apenas excecionalmente pode o regulamento ser impugnado diretamente perante o
Tribunal Constitucional.
Abordando
agora a distinção entre regulamento e ato administrativo pode dizer-se que
ambos consistem em “comandos jurídicos unilaterais emitidos por um órgão
competente no exercício de um poder público de autoridade”. No entanto, o
regulamento apresenta as características da generalidade e abstração, enquanto
que o ato administrativo consiste numa decisão individual e concreta. Parece
uma distinção simples, contudo, existem situações em que podem surgir dúvidas,
como por exemplo, quando estamos perante um comando geral dirigido a uma
pluralidade indeterminada de pessoas, mas para ter aplicação imediata numa
única situação concreta. Neste caso, parte da doutrina considera existir um ato
administrativo, enquanto outra parte considera haver norma, porque existe
generalidade, não sendo a abstração essencial ao conceito de norma jurídica.
Para
finalizar apresentamos uma análise comparativa entre regulamento e ato
administrativo quanto a três aspetos. Quanto à interpretação e integração,
verifica-se que o regulamento é interpretado e as suas lacunas integradas em
conformidade com as regras próprias da interpretação e integração das normas
jurídicas. Os atos administrativos, já devem ser interpretados e integrados de
acordo com as regras próprias e específicas previstas para tal. Quanto aos
vícios e formas de invalidade, o paradigma aplicável ao regulamento é o das
leis, já referentemente ao ato administrativo, o paradigma é o do negócio
jurídico, ainda que com um grande número de particularidades. Quanto ao último
aspeto, nomeadamente, quanto à impugnação contenciosa verifica-se que os termos
da impugnação contenciosa de regulamentos e de atos administrativos são
diferentes quanto à legitimidade, aos prazos, às regras processuais, entre
outros. Deste modo, verifica-se, por exemplo, que o regulamento pode ser
considerado ilegal em qualquer tribunal, enquanto que o ato administrativo
apenas pode ser declarado nulo ou anulado pelos tribunais administrativos ou
pelos órgãos competentes para a anulação administrativa.
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