quinta-feira, 13 de abril de 2017

O regulamento administrativo


Para começar importa situar os regulamentos administrativos no âmbito das várias fontes do Direito Administrativo. Hierarquicamente, os regulamentos são como que uma fonte secundária deste ramo do direito, no sentido em que os níveis superiores estão ocupados pelas normas e princípios de direito internacional e de direito da União Europeia, pelas normas e princípios constitucionais, bem como pela lei ordinária. São estas as fontes “primárias” do Direito Administrativo, verificando-se por isso uma subordinação dos regulamentos, como fonte secundária, às mesmas.
Importa agora esclarecer em que consistem os regulamentos administrativos: “ são as normas jurídicas emanadas no exercício do poder administrativo por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou para tal habilitada por lei.”.
Os regulamentos são um produto da atividade da Administração, fundamental a todo o funcionamento do Estado, enquanto Estado social e prestador; detendo, pois, grande relevância, apesar de se encontrarem ao nível de fontes secundárias do Direito Administrativo. Essa relevância prende-se com o facto de permitirem ao Parlamento, por razões de tempo e por razões materiais, desonerar-se de tarefas paras as quais não se encontra preparado para legislar. Possibilitam também uma adaptação rápida do tecido normativo a múltiplas situações específicas da vida, que se encontram em constante mutação. Ainda quanto aos regulamentos dos entes autónomos ou das entidades administrativas independentes, estes viabilizam a tomada em consideração das diferentes especificidades regionais, locais, corporativas ou setoriais.
Quanto à noção de regulamento fornecida, bem como a consagrada no artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, podem identificar-se três elementos importantes, referentes à natureza material, orgânico-formal e funcional. Do ponto de vista material os regulamentos consistem em normas jurídicas, pois consistem em regras de conduta da vida social, dotados da generalidade e da abstração. Sendo gerais e abstratos, significa que os regulamentos se aplicam não só a uma pluralidade de destinatários, definidos através de conceitos ou categorias universais, mas também a várias situações definidas também pelo mesmo tipo de conceitos. Já assim não sucede quanto ao ato administrativo, aplicável a sujeitos determinados e a situações concretas.
Do ponto de vista orgânico-formal, o regulamento pode ser emanado quer por um órgão de uma pessoa coletiva pública integrante da Administração, quer por pessoas coletivas que não integrem a Administração e por entidades de direito privado, na medida em que estas realizem a função administrativa. Portanto, todas as entidades incumbidas de função administrativa poderão deter poderes regulamentares, sendo apenas necessária uma lei que as habilite; isto é, tem que existir uma lei que habilite estas entidades para determinado efeito. Quanto ao último elemento, de natureza funcional, esta prende-se com o facto de o regulamento ser emanado no exercício do poder administrativo. Por exemplo, no caso do Governo, órgão de soberania que apresenta competências legislativas e administrativas, só se poderia tratar de regulamento administrativo quando o Governo tivesse atuado no desempenho das suas atribuições administrativas.
Os regulamentos, encontrando-se incluídos na função administrativa vão estar submetidos à função política e à função legislativa. Pode dizer-se, então que o regulamento tem o seu fundamento e parâmetro de validade na constituição e na lei.
Quanto às espécies de regulamentos existentes, são normalmente apresentados quatro critérios. O primeiro atende à relação dos regulamentos face à lei, podendo distinguir os regulamentos complementares ou de execução e os regulamentos independentes ou autónomos. Os regulamentos de execução são “aqueles que desenvolvem ou aprofundam a disciplina jurídica constante de uma lei”, viabilizando, deste modo, a sua aplicação aos casos concretos da vida real. Verifica-se, pois, a tarefa de pormenorização, de detalhe do comando legislativo. Os regulamentos de execução podem, por sua vez, dividir-se em espontâneos ou devidos. Serão espontâneos quando nada é dito na lei a cerca da necessidade da sua “complementarização”; e devidos quando a adoção do regulamento é necessária para dar exequibilidade à própria lei.
Os regulamentos independentes são “aqueles regulamentos administrativos que os órgãos administrativos elaboram no exercício da sua competência, para assegurar a realização das suas atribuições específicas, sem cuidar de desenvolver ou completar nenhuma lei em especial”; neste sentido também o artigo 136.º, número 3 do CPA. Estes regulamentos não vêm complementar qualquer lei anterior, eles visam antes, estabelecer autonomamente a disciplina jurídica que há de pautar a realização das atribuições específicas cometidas pelo legislador às entidades consideradas. Portanto, a lei limita-se a definir a competência subjetiva – quem ou qual é o órgão competente- e a competência objetiva – matéria ou objeto do regulamento. Para concluir o primeiro critério, consideramos importante referir o disposto no número 2, do artigo 136.º do CPA. De acordo com o preceito: para que um regulamento complementar seja válido é necessário que ele indique expressamente a lei que visa regulamentar; ao mesmo tempo, para que um regulamento independente seja válido, exige-se que ele indique expressamente a lei ou leis que atribuem especificamente competência para a emissão do regulamento.
O segundo critério tem que ver com o objeto, sendo possível identificar os regulamentos de organização, os regulamentos de funcionamento e os regulamentos de polícia. Os regulamentos de organização procedem à distribuição das funções pelos vários departamentos e unidades de uma pessoa coletiva pública, e ainda procedem à repartição de tarefas pelos vários agentes. Têm, pois, que ver com a organização da “máquina administrativa”. Os regulamentos de funcionamento já se prendem com a disciplina da vida quotidiana dos serviços públicos. Os regulamentos de polícia impõem limitações à liberdade individual com vista a evitar, dada a conduta perigosa dos indivíduos, a produção de danos sociais. Um exemplo serão os regulamentos sobre a instalação e funcionamento de indústrias insalubres. Dentro deste tipo, e no âmbito da administração local é possível distinguir entre posturas, que são regulamentos locais, de polícia, independentes; e regulamentos policiais, que são também regulamentos locais e de polícia, mas complementares ou de execução.
O terceiro critério tem que ver com o âmbito da aplicação dos regulamentos, existindo regulamentos gerais, locais e institucionais. Os regulamentos gerais pretendem vigorar em todo o território continental; os locais aplicam-se a um domínio limitado a uma dada circunscrição territorial. Este é o caso dos regulamentos aplicáveis nas regiões autónomas – regulamentos regionais; ou nas autarquias locais – regulamentos autárquicos. Já os regulamentos institucionais são os que provêm de institutos públicos ou associações públicas, para terem aplicação apenas às pessoas que se encontram sob a sua jurisdição.
O quarto e último critério aponta para a projeção da eficácia dos regulamentos, existindo regulamentos internos e externos. Os regulamentos internos, tal como sugere o termo, são aqueles “que produzem os seus efeitos jurídicos unicamente no interior da esfera jurídica da entidade de que emanam”: Serão regulamentos externos aqueles que produzem efeitos jurídicos em relação a outros sujeitos de direito diferentes, ou seja, em relação a outras pessoas coletivas públicas ou em relação a particulares.
Para concluir, importa apenas proceder a uma análise comparativa da distinção entre regulamento e lei; e regulamento e ato administrativo. Começando pela primeira distinção, podemos, desde já, referir que a Constituição não fornece qualquer tipo de critério de definição da fronteira em termos materiais do domínio legislativo e do domínio regulamentar. Portanto, apenas através de aspetos orgânicos e formais é possível estabelecer esta distinção. Será lei “todo o ato normativo que provenha de um órgão com competência legislativa e que assuma a forma de lei”; e regulamento “todo o ato normativo dimanado de um órgão com competência regulamentar e que revista a forma de regulamento, ainda que seja independente ou autónomo (…)”.
Prosseguindo para a análise comparativa, verifica-se quanto ao fundamento jurídico que a lei, em regra, baseia-se apenas na Constituição, enquanto o regulamento necessita, para ser válido, de uma lei de habilitação atribua competência para a sua emissão. Quanto à ilegalidade, verifica-se que, em regra, uma lei contrária a outra lei, revoga-a, ou então coexistem ambas na ordem jurídica com diversos domínios de aplicação. Já o regulamento contrário a uma lei é ilegal. Quanto à impugnação, verifica-se que a lei só pode ser impugnada diretamente com fundamento em inconstitucionalidade junto do Tribunal Constitucional. O regulamento ilegal é, em regra, impugnável administrativa e contenciosamente. Apenas excecionalmente pode o regulamento ser impugnado diretamente perante o Tribunal Constitucional.
Abordando agora a distinção entre regulamento e ato administrativo pode dizer-se que ambos consistem em “comandos jurídicos unilaterais emitidos por um órgão competente no exercício de um poder público de autoridade”. No entanto, o regulamento apresenta as características da generalidade e abstração, enquanto que o ato administrativo consiste numa decisão individual e concreta. Parece uma distinção simples, contudo, existem situações em que podem surgir dúvidas, como por exemplo, quando estamos perante um comando geral dirigido a uma pluralidade indeterminada de pessoas, mas para ter aplicação imediata numa única situação concreta. Neste caso, parte da doutrina considera existir um ato administrativo, enquanto outra parte considera haver norma, porque existe generalidade, não sendo a abstração essencial ao conceito de norma jurídica.

Para finalizar apresentamos uma análise comparativa entre regulamento e ato administrativo quanto a três aspetos. Quanto à interpretação e integração, verifica-se que o regulamento é interpretado e as suas lacunas integradas em conformidade com as regras próprias da interpretação e integração das normas jurídicas. Os atos administrativos, já devem ser interpretados e integrados de acordo com as regras próprias e específicas previstas para tal. Quanto aos vícios e formas de invalidade, o paradigma aplicável ao regulamento é o das leis, já referentemente ao ato administrativo, o paradigma é o do negócio jurídico, ainda que com um grande número de particularidades. Quanto ao último aspeto, nomeadamente, quanto à impugnação contenciosa verifica-se que os termos da impugnação contenciosa de regulamentos e de atos administrativos são diferentes quanto à legitimidade, aos prazos, às regras processuais, entre outros. Deste modo, verifica-se, por exemplo, que o regulamento pode ser considerado ilegal em qualquer tribunal, enquanto que o ato administrativo apenas pode ser declarado nulo ou anulado pelos tribunais administrativos ou pelos órgãos competentes para a anulação administrativa.

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