I) Ao longo da Constituição da Republica
Portuguesa, em consequência dos movimentos pós-liberais dos finais dos séculos
XVIII e inícios do século XIX, podemos observar variadas referências e
afloramentos a vários princípios com relevo no âmbito do Direito
Administrativo, nomeadamente, o princípio da proporcionalidade. De um modo
genérico, este princípio traduz-se na limitação generalizada de bens e
interesses privados por parte de um sujeito investido com poderes públicos,
observando as máximas da idoneidade, necessidade e do equilíbrio, dado que, sem
estas a actuação pública deixaria de atender a um balanceamento entre interesses
e fins privados e públicos, tornando a actuação administrativa intolerável.
Apesar de
algumas diferenças terminológicas de autor para autor, este princípio avoca em
si três subprincípios, que posteriormente serão explicitados concretamente,
todavia já foram apresentados acima, que são: a idoneidade, a necessidade e a
proporcionalidade strictu sensu.
Em
jeito de síntese, é evidente que o princípio da proporcionalidade corresponde a
um dos parâmetros mais assinaláveis de controlo da actuação administrativa, para
corroborar esta tese, posteriormente o seu âmbito foi alargado para os ramos do
Direito constitucional e comunitário. Na nossa Constituição e CPA, as
disposições que se referem a este são bastantes, como por exemplo: o art.
266º/2 da CRP - “Os órgãos e agentes
administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no
exercício das suas funções, com respeito pelos princípios (…) da
proporcionalidade (…) – ou o art. 7º/1 e 2 do CPA – “ (…) a
Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins
prosseguidos” e “As decisões da Administração (…) só podem afetar essas
posições na medida do necessário e em termos proporcionais aos objetivos a
realizar”. Aliás, como o Professor FREITAS DO AMARAL assinala, este princípio
está intrinsecamente conectado ao supra-princípio do Estado de Direito (art.2º
CRP) afirmando-se como uma das concretizações deste que mais destaque tem no
nosso ordenamento jurídico e concomitantemente no Direito Administrativo
português[1],
facto que é revelador da tremenda importância deste contrapeso decisório na
realidade nacional.
II) Após esta breve introdução à teoria geral
do princípio da proporcionalidade, importa nesta sede analisar detalhadamente o
conceito, o relevo jurídico e o alcance que este princípio acolhe na nossa
ordem jurídica. Começaremos por abordar brevemente a evolução
histórico-conceptual do mesmo, dado que o alcance e destaque não é semelhante
em todos os países. Neste sentido, como aliás já foi referido, a origem desta
máxima situa-se temporalmente no período pós-liberal[2]-
caracterizamos este período pelo protagonismo que foi atribuído ao Estado, e,
especificamente pelo Direito de Polícia praticado, especialmente na região da
Prússia. Efectivamente é com estes pressupostos, de maneira a contrariar e
limitar a intervenção estatal, que nesta zona da actual Alemanha o princípio da
proporcionalidade floresce - inicialmente apenas na sua vertente da necessidade, que foi defendida por
juristas como Otto Mayer ou Robert Von Mohl, acolhendo posteriormente o apoio
do Tribunal Administrativo Supremo da Prússia[3] - como verdadeira cláusula-barreira da
actuação do Estado, e consequentemente da função administrativa
(concomitantemente expandia-se a Ideia de Estado de Direito). Neste seguimento,
Gottlieb regista nos seus estudos avanços neste campo, sendo que a ideia de necessidade também está na origem da
interpretação dúbia da Constituição Americana de 1789. Neste período foram
lançadas as bases para o que se avizinhava, a indubitável efectivação deste
principio como um princípio geral de direto ocorre após a II Grande de Guerra,
nomeadamente com vinculação directa à noção de “directiva de optimização” (Optimerungsgebot) proposta por Alexy[4].
A ideia
de considerar o princípio da proporcionalidade como princípio geral de direito
radica-se simultaneamente no ensinamento, seguindo o ensinamento do Professor
VITALINO DE CANAS e da restante doutrina nacional, nas seguintes presunções: em
primeiro lugar, a relação entre a ideia de dignidade e autonomia da pessoa
humana; no relacionamento intimo com o supra-conceito do Estado de Direito; na
estrutura dos direitos fundamentais; na proibição do arbítrio; e em ultimo
lugar, no binómio material essencial do Direito/Justiça[5].
É observável
ao longo da nossa Constituição (as referências textuais explícitas ultrapassam
por larga margem os restantes países onde o princípio tem acolhimento,
nomeadamente na Alemanha, a sua “terra natal”) e à luz dos argumentos
apresentados a sindicabilidade
e importância do princípio na defesa dos interesses dos particulares no nosso
ordenamento jurídico – e não só, dado que, como assinala RUI MEDEIROS, esta
noção de limitação e controlo por parte do princípio em questão teve uma
prosperidade sem paralelo no Direito Comparado, sendo acolhido por várias
ordens jurídicas estrangeiras, chegando ao TEDH e ao Tribunal Administrativo da
Organização do Trabalho, e podemos afirmar que este constitui um dos domínios
do denominado ius commune europaeum[6].
III)
Neste momento do
nosso estudo importa fazer uma breve referência aos pressupostos de aplicação
do princípio, que é essencialmente subjectivo por via do artigo 7º/2 do CPA. No exercício interpretativo de uma norma é relevante
observar as diversas problemáticas que esta pode levantar, de modo a que o fim
proposto pelo princípio seja explanado na plenitude. Neste sentido, em primeiro
lugar deve-se registar um conflito de bens ou interesses, ou seja deve existir
um conflito entre um bem ou interesses que pela actuação em causa se veem
restringidos ou prejudicados. É fundamental a existência de uma tensão
efectiva, sendo que esta deve ser objecto de subjectivação, na qual seja
evidente o benefício oferecido aos membros da comunidade, colectivamente ou
individualmente considerados[7]- o artigo 7º do CPA confirma esta tese. O conflito
normalmente deve ser resolvido através de uma ponderação em relação aos bens
sacrificados e o fim visado pela acção, é através deste exercício que devem ser
ponderadas as opções a serem tomadas de modo a atingir o objectivo visado pelo
legislador e pelo aplicador. Neste ponto, a margem de escolha deve ser limitada
em princípio às soluções que cumpram de maneira mais eficiente os elementos da
idoneidade, necessidade e da proporcionalidade strictu sensu. Sempre tendo em vista, a harmonização dos
pressupostos anteriores com a congruência finalística, legitimando a finalidade
a prosseguir[8].
IV) Como
já foi referido anteriormente, o princípio da proporcionalidade dimensiona-se
em três subprincípios que necessitam para a aplicação total de ser objecto de
uma avaliação quantitativa, qualitativa e valorativa, mas já lá iremos. As
máximas componentes, salvo diferenças terminológicas, são: a necessidade, a
idoneidade e a proporcionalidade strictu
sensu. Sendo que se parte do pressuposto que os meios devem atingir um
certo fim, todavia o controlo da proporcionalidade deve colocar em causa esses
meios.
Procederemos à análise de cada
uma destas máximas, mas destaca-se que a aplicação do princípio na sua
globalidade é objecto de uma verdadeira metodologia. Além de que, para ser
verosímil e eficaz, não se pode preterir qualquer uma das suas dimensões, sob
pena de não se registar a utilização deste princípio limitador, ou seja todas
as dimensões da proporcionalidade são de natureza relacional[9].
V) A idoneidade ou adequação, nas Lições do Professor
FREITAS DO AMARAL, significa que “a medida tomada deve ser causalmente ajustada
ao fim que se propõe atingir[10]”.
De acordo com a metodologia de
aplicação do princípio a ser utilizada, a idoneidade deve ser sempre o primeiro
subprincípio a ser aferido. A razão de ser desta solução deriva do facto de
como se considerou na RFA: esta máxima não tem de atender a amplitude completa
que a prática do acto irá desenvolver, o que se pretende não é um resultado
óptimo, mas sim evitar um excesso[11]. Para descortinar qual deve ser o caminho a
percorrer é preciso recorrer aos outros subprincípios, porque com base numa
mera avaliação da idoneidade é parco o resultado em avaliar a proporcionalidade
lato sensu, porque a decisão sobre o
meio a utilizar apenas tendo por referencia esta máxima não é suficiente – por
exemplo, a instalação de uma ponte sobre um ribeiro, tanto pode ser considerada
uma solução idónea construir num determinado local como 50 metros mais à frente
– neste sentido, percebe-se que são necessários mais dados e avaliações para
aferir uma decisão na sua generalidade.
A idoneidade baseia-se numa
avaliação empírica baseada numa apreciação qualitativa, desprovida de valoração,
na medida em que existe uma relação de causa-efeito derivada da actuação que
deve ser calculada com base na finalidade a prosseguir, evidentemente estamos
perante uma avaliação meramente objectiva no caso de uma “decisão que não
necessite de poder controlo (particularmente judicial) sobre a aplicação do
princípio” - o meio idóneo para atingir o objectivo da norma deve ter por
pressuposto a informação presente ao tempo da actuação. Já no caso de se
requerer uma apreciação por parte de outro órgão, deve-se ter em conta da
legitimidade e adequação que o meio processual exija, interessa acima de tudo o
cumprimento do princípio da legalidade da competência, e esta varia de caso
para caso[12]. Chega-se à importante conclusão que para a
classificação de uma medida com idónea ou não, depende da operatividade da
mesma[13], porque como já foi afirmado, o objectivo não passa
pela obtenção de um resultado óptimo, incontestavelmente é preciso é que o meio
seja condição para a obtenção do resultado proposto pela norma.
VI)
Procederemos
agora à descrição do que em que consiste a máxima da necessidade. Segundo o
Professor MARCELO REBELO DE SOUSA, esta traduz-se na proibição ”de adopção de
condutas administrativas que não sejam indispensáveis para a prossecução do fim
que concretamente visam atingir”[14].
Prosseguindo o exercício
metodológico iniciado anteriormente, após verificada uma medida como sendo
idónea, procede-se à verificação da sua necessidade, o que implica uma
comparação e uma selecção entre as várias alternativas consideradas idóneas.
Para este exercício comparativo é necessário fazer dois tipos de julgamentos,
um ético-prático e outro causal-objectivo (concorrente ao já realizado quando
foi verificada a idoneidade)[15]. O objectivo desta comparação visa um julgamento
paralelo com o realizado para averiguar idoneidade, de maneira a que seja
encontrada a alternativa valorativamente, qualitativamente e em termos de
quantidade é a menos lesiva e menos limitativa entre as alternativas em
questão. Através desta ponderação bastante complexa chega-se à conclusão de
qual é a opção que reflete de maneira mais eficiente a optimização da
realização dos bens e interesses conflituantes[16]- “a medida desnecessária é a que não resiste à
comparação com as outras, revelando-se mais lesiva”[17]. Utilizando o exemplo anteriormente apresentado, a
construção da ponte de entre as duas soluções julgadas idóneas, seguindo a
metodologia retratada teria de se averiguar qual a medida que fosse menos
lesiva dos bens e interesses conflituantes. Imaginando que a ponte no local A
interferiria com actividade piscatória desportiva, enquanto no local B, 50
metros depois, por via de não existir local estável para realizar essa
actividade, esse problema já não se coloca. Considera-se portanto que o local B
deveria ser selecionado para a construção da ponte, atendendo apenas às máximas
da idoneidade e da necessidade.
VII)
Em último lugar
falta-nos abordar o subprincípio que nos falta falar, a proporcionalidade strictu sensu, ou o equilíbrio nas
Lições do Professor FREITAS DO AMARAL, com esta vertente pretende-se que uma
determinada medida administrativa que cumpra os desígnios da necessidade e da
idoneidade suplantem “à luz de certos
parâmetros materiais, os custos que ela por certo acarretará “ (vide o artigo 7º/2 do CPA)[18].
Apesar de se considerar uma
medida, como por exemplo a construção da ponte no local B, respeitadora das
máximas da idoneidade e da necessidade, esta pode não se identificar como
tolerável, ou seja, não respeita o subprincípio da proporcionalidade strictu sensu. Esta situação acontece
porque a aferição da idoneidade se cinge a apreciação de uma relação de
causa-efeito entre o acto e o objectivo, e a aferição da necessidade põe em
destaque uma comparação entre as várias alternativas possíveis de modo a
compreender qual a que causa uma menor agressão aos interesses e bens em
contraposição. Ao invés, a avaliação da proporcionalidade strictu sensu põe em confronto os bens e os interesses pretendidos
com o acto que pretende limitar os interesses e valores a sacrificar pelo acto
em questão, isto é, se à luz dos parâmetros axiológicos e materiais seguidos, o
custo da operação a realizar é proporcional ao benefício retirado desta[19] – alguns autores trata-se de uma avaliação
puramente económica, o que em nossa opinião não foge muito à verdade. É uma
avaliação essencialmente concreta, utilizando novamente o nosso exemplo de
base, após aferida que a construção da ponte no local B respeitava os
subprincípios da idoneidade e da necessidade, constata-se que criação da ponte
não seria rentável, na medida em que a sua utilização seria escassa devido à
existência de muitas pontes na região. Esta medida seria desequilibrada e
desrazoável, porque apesar de a sua construção visar um fim legítimo (facilitar
a circulação no local), ser a menos lesiva de entre as soluções idóneas em
questão (pelo que vimos anteriormente), acaba por economicamente, dentro das
limitações materiais e procedimentais não ser proporcional.
Logo, conclui-se a apresentação
da metodologia de utilização do princípio da proporcionalidade na sua
globalidade. Embora esta não seja rigorosa devido à natureza relacional das
máximas, consideramos que se deve partir da lógica apresentada é a mais
correcta e mais facilmente apreensível. Conquanto nada invalida que se parta de
uma perpectiva em que se avalia em primeiro lugar a proporcionalidade strictu sensu, depois a necessidade e
posteriormente a idoneidade, o que interessa é que todas as vertentes estejam
presentes, porque sem uma delas, o princípio não é aplicável[20].
VIII) Em
último lugar procederei a uma pequena reflexão sobre a importância da
proporcionalidade no ordenamento jurídico. Após toda a explanação da temática,
é mais que óbvio que este representa um dos pilares de toda a actividade
administrativa, se assim não fosse não se teria registado um aumento
exponencial das áreas abrangidas pelo menos (com destaque para o Direito
comunitário). Efectivamente, esta avaliação chama a si várias classificações
que neste âmbito permitem reforçar o papel do Direito e da Justiça no âmago da
actuação administrativa, porque a ponderação que se realiza para aferir se o
meio é predisposto a obter o fim desejado permite que valores, bens, interesses
e considerações materiais sejam postos em causa, de modo a que as posições e
interesses subjectivos sejam equacionados e protegidos. Por isso e pelo
demonstrado anteriormente, atrevemo-nos a afirmar que o princípio da
proporcionalidade concomitantemente com o princípio da separação de poderes são
indubitavelmente as “traves-mestras” do princípio do Estado de Estado Direito,
garantindo desta forma o equilíbrio de toda a ordem jurídica.
Pedro Fernandes
Nº 28230
Subturma 14
Bibliografia
AMARAL,
Diogo Freitas, Curso de Direito
Administrativo, vol. I, 2015, 4ª edição, Almedina
SOUSA, Marcelo Rebelo de, MATOS, André Salgado
de, Direito Administrativo Geral-
Introdução e princípios fundamentais, Tomo I, 3ª edição, D. Quixote, 2008
CANAS,
Vitalino, Proporcionalidade (Princípio
da). In Dicionário Jurídico da
Administração Pública, VI Volume, Oferta à Biblioteca da Faculdade de
Direito de Lisboa, 1994
[1] AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, vol. I,
2015, 4ª edição, Almedina. P. 111
[2] CANAS, Vitalino, Proporcionalidade (Princípio da). In Dicionário Jurídico da Administração Pública,
VI Volume, Oferta à Biblioteca da Faculdade de Direito de Lisboa, 1994. P.3
[3] Idem
[5] Idem
[6] Apud. AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, vol. I,
2015, 4ª edição, Almedina. P. 112
[7]CANAS, Vitalino, Proporcionalidade (Princípio da). In Dicionário Jurídico da Administração Pública,
VI Volume, Oferta à Biblioteca da Faculdade de Direito de Lisboa, 1994, p.22-30
[8] Idem
[9] SOUSA, Marcelo
Rebelo de, MATOS, André Salgado de,
Direito Administrativo Geral- Introdução e princípios fundamentais, Tomo I,
3ª edição, D. Quixote, 2008. P.215
[10] AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, vol. I,
2015, 4ª edição, Almedina. P. 113
[11] CANAS, Vitalino, Proporcionalidade (Princípio da). In Dicionário Jurídico da Administração Pública,
VI Volume, Oferta à Biblioteca da Faculdade de Direito de Lisboa, 1994. P.34
[12] Ibidem, p.35
[13] Idem
[14] SOUSA, Marcelo Rebelo de, MATOS,
André Salgado de, Direito Administrativo
Geral- Introdução e princípios fundamentais, Tomo I, 3ª edição, D. Quixote,
2008. P.214
[15] CANAS, Vitalino, Proporcionalidade (Princípio da). In Dicionário Jurídico da Administração Pública,
VI Volume, Oferta à Biblioteca da Faculdade de Direito de Lisboa, 1994. P.36
[16] Ibidem, p.38
[17] Idem
[18] AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, vol. I,
2015, 4ª edição, Almedina. P. 115
[19] CANAS, Vitalino, Proporcionalidade (Princípio da). In Dicionário Jurídico da Administração Pública,
VI Volume, Oferta à Biblioteca da Faculdade de Direito de Lisboa, 1994. P.40
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