terça-feira, 4 de abril de 2017

O princípio da proporcionalidade como cláusula-barreira da actuação administrativa

I)         Ao longo da Constituição da Republica Portuguesa, em consequência dos movimentos pós-liberais dos finais dos séculos XVIII e inícios do século XIX, podemos observar variadas referências e afloramentos a vários princípios com relevo no âmbito do Direito Administrativo, nomeadamente, o princípio da proporcionalidade. De um modo genérico, este princípio traduz-se na limitação generalizada de bens e interesses privados por parte de um sujeito investido com poderes públicos, observando as máximas da idoneidade, necessidade e do equilíbrio, dado que, sem estas a actuação pública deixaria de atender a um balanceamento entre interesses e fins privados e públicos, tornando a actuação administrativa intolerável.
Apesar de algumas diferenças terminológicas de autor para autor, este princípio avoca em si três subprincípios, que posteriormente serão explicitados concretamente, todavia já foram apresentados acima, que são: a idoneidade, a necessidade e a proporcionalidade strictu sensu.
Em jeito de síntese, é evidente que o princípio da proporcionalidade corresponde a um dos parâmetros mais assinaláveis de controlo da actuação administrativa, para corroborar esta tese, posteriormente o seu âmbito foi alargado para os ramos do Direito constitucional e comunitário. Na nossa Constituição e CPA, as disposições que se referem a este são bastantes, como por exemplo: o art. 266º/2 da CRP - “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios (…) da proporcionalidade (…) – ou o art. 7º/1 e 2 do CPA – “ (…) a Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos”  e “As decisões da Administração (…) só podem afetar essas posições na medida do necessário e em termos proporcionais aos objetivos a realizar”. Aliás, como o Professor FREITAS DO AMARAL assinala, este princípio está intrinsecamente conectado ao supra-princípio do Estado de Direito (art.2º CRP) afirmando-se como uma das concretizações deste que mais destaque tem no nosso ordenamento jurídico e concomitantemente no Direito Administrativo português[1], facto que é revelador da tremenda importância deste contrapeso decisório na realidade nacional.

II)        Após esta breve introdução à teoria geral do princípio da proporcionalidade, importa nesta sede analisar detalhadamente o conceito, o relevo jurídico e o alcance que este princípio acolhe na nossa ordem jurídica. Começaremos por abordar brevemente a evolução histórico-conceptual do mesmo, dado que o alcance e destaque não é semelhante em todos os países. Neste sentido, como aliás já foi referido, a origem desta máxima situa-se temporalmente no período pós-liberal[2]- caracterizamos este período pelo protagonismo que foi atribuído ao Estado, e, especificamente pelo Direito de Polícia praticado, especialmente na região da Prússia. Efectivamente é com estes pressupostos, de maneira a contrariar e limitar a intervenção estatal, que nesta zona da actual Alemanha o princípio da proporcionalidade floresce - inicialmente apenas na sua vertente da necessidade, que foi defendida por juristas como Otto Mayer ou Robert Von Mohl, acolhendo posteriormente o apoio do Tribunal Administrativo Supremo da Prússia[3] - como verdadeira cláusula-barreira da actuação do Estado, e consequentemente da função administrativa (concomitantemente expandia-se a Ideia de Estado de Direito). Neste seguimento, Gottlieb regista nos seus estudos avanços neste campo, sendo que a ideia de necessidade também está na origem da interpretação dúbia da Constituição Americana de 1789. Neste período foram lançadas as bases para o que se avizinhava, a indubitável efectivação deste principio como um princípio geral de direto ocorre após a II Grande de Guerra, nomeadamente com vinculação directa à noção de “directiva de optimização” (Optimerungsgebot) proposta por Alexy[4].
A ideia de considerar o princípio da proporcionalidade como princípio geral de direito radica-se simultaneamente no ensinamento, seguindo o ensinamento do Professor VITALINO DE CANAS e da restante doutrina nacional, nas seguintes presunções: em primeiro lugar, a relação entre a ideia de dignidade e autonomia da pessoa humana; no relacionamento intimo com o supra-conceito do Estado de Direito; na estrutura dos direitos fundamentais; na proibição do arbítrio; e em ultimo lugar, no binómio material essencial do Direito/Justiça[5].
É observável ao longo da nossa Constituição (as referências textuais explícitas ultrapassam por larga margem os restantes países onde o princípio tem acolhimento, nomeadamente na Alemanha, a sua “terra natal”) e à luz dos argumentos apresentados a sindicabilidade e importância do princípio na defesa dos interesses dos particulares no nosso ordenamento jurídico – e não só, dado que, como assinala RUI MEDEIROS, esta noção de limitação e controlo por parte do princípio em questão teve uma prosperidade sem paralelo no Direito Comparado, sendo acolhido por várias ordens jurídicas estrangeiras, chegando ao TEDH e ao Tribunal Administrativo da Organização do Trabalho, e podemos afirmar que este constitui um dos domínios do denominado ius commune europaeum[6].

III) Neste momento do nosso estudo importa fazer uma breve referência aos pressupostos de aplicação do princípio, que é essencialmente subjectivo por via do artigo 7º/2 do CPA. No exercício interpretativo de uma norma é relevante observar as diversas problemáticas que esta pode levantar, de modo a que o fim proposto pelo princípio seja explanado na plenitude. Neste sentido, em primeiro lugar deve-se registar um conflito de bens ou interesses, ou seja deve existir um conflito entre um bem ou interesses que pela actuação em causa se veem restringidos ou prejudicados. É fundamental a existência de uma tensão efectiva, sendo que esta deve ser objecto de subjectivação, na qual seja evidente o benefício oferecido aos membros da comunidade, colectivamente ou individualmente considerados[7]- o artigo 7º do CPA confirma esta tese. O conflito normalmente deve ser resolvido através de uma ponderação em relação aos bens sacrificados e o fim visado pela acção, é através deste exercício que devem ser ponderadas as opções a serem tomadas de modo a atingir o objectivo visado pelo legislador e pelo aplicador. Neste ponto, a margem de escolha deve ser limitada em princípio às soluções que cumpram de maneira mais eficiente os elementos da idoneidade, necessidade e da proporcionalidade strictu sensu. Sempre tendo em vista, a harmonização dos pressupostos anteriores com a congruência finalística, legitimando a finalidade a prosseguir[8].
IV) Como já foi referido anteriormente, o princípio da proporcionalidade dimensiona-se em três subprincípios que necessitam para a aplicação total de ser objecto de uma avaliação quantitativa, qualitativa e valorativa, mas já lá iremos. As máximas componentes, salvo diferenças terminológicas, são: a necessidade, a idoneidade e a proporcionalidade strictu sensu. Sendo que se parte do pressuposto que os meios devem atingir um certo fim, todavia o controlo da proporcionalidade deve colocar em causa esses meios.
Procederemos à análise de cada uma destas máximas, mas destaca-se que a aplicação do princípio na sua globalidade é objecto de uma verdadeira metodologia. Além de que, para ser verosímil e eficaz, não se pode preterir qualquer uma das suas dimensões, sob pena de não se registar a utilização deste princípio limitador, ou seja todas as dimensões da proporcionalidade são de natureza relacional[9].

V) A idoneidade ou adequação, nas Lições do Professor FREITAS DO AMARAL, significa que “a medida tomada deve ser causalmente ajustada ao fim que se propõe atingir[10]”.
De acordo com a metodologia de aplicação do princípio a ser utilizada, a idoneidade deve ser sempre o primeiro subprincípio a ser aferido. A razão de ser desta solução deriva do facto de como se considerou na RFA: esta máxima não tem de atender a amplitude completa que a prática do acto irá desenvolver, o que se pretende não é um resultado óptimo, mas sim evitar um excesso[11]. Para descortinar qual deve ser o caminho a percorrer é preciso recorrer aos outros subprincípios, porque com base numa mera avaliação da idoneidade é parco o resultado em avaliar a proporcionalidade lato sensu, porque a decisão sobre o meio a utilizar apenas tendo por referencia esta máxima não é suficiente – por exemplo, a instalação de uma ponte sobre um ribeiro, tanto pode ser considerada uma solução idónea construir num determinado local como 50 metros mais à frente – neste sentido, percebe-se que são necessários mais dados e avaliações para aferir uma decisão na sua generalidade.
A idoneidade baseia-se numa avaliação empírica baseada numa apreciação qualitativa, desprovida de valoração, na medida em que existe uma relação de causa-efeito derivada da actuação que deve ser calculada com base na finalidade a prosseguir, evidentemente estamos perante uma avaliação meramente objectiva no caso de uma “decisão que não necessite de poder controlo (particularmente judicial) sobre a aplicação do princípio” - o meio idóneo para atingir o objectivo da norma deve ter por pressuposto a informação presente ao tempo da actuação. Já no caso de se requerer uma apreciação por parte de outro órgão, deve-se ter em conta da legitimidade e adequação que o meio processual exija, interessa acima de tudo o cumprimento do princípio da legalidade da competência, e esta varia de caso para caso[12]. Chega-se à importante conclusão que para a classificação de uma medida com idónea ou não, depende da operatividade da mesma[13], porque como já foi afirmado, o objectivo não passa pela obtenção de um resultado óptimo, incontestavelmente é preciso é que o meio seja condição para a obtenção do resultado proposto pela norma.

VI) Procederemos agora à descrição do que em que consiste a máxima da necessidade. Segundo o Professor MARCELO REBELO DE SOUSA, esta traduz-se na proibição ”de adopção de condutas administrativas que não sejam indispensáveis para a prossecução do fim que concretamente visam atingir”[14].
Prosseguindo o exercício metodológico iniciado anteriormente, após verificada uma medida como sendo idónea, procede-se à verificação da sua necessidade, o que implica uma comparação e uma selecção entre as várias alternativas consideradas idóneas. Para este exercício comparativo é necessário fazer dois tipos de julgamentos, um ético-prático e outro causal-objectivo (concorrente ao já realizado quando foi verificada a idoneidade)[15]. O objectivo desta comparação visa um julgamento paralelo com o realizado para averiguar idoneidade, de maneira a que seja encontrada a alternativa valorativamente, qualitativamente e em termos de quantidade é a menos lesiva e menos limitativa entre as alternativas em questão. Através desta ponderação bastante complexa chega-se à conclusão de qual é a opção que reflete de maneira mais eficiente a optimização da realização dos bens e interesses conflituantes[16]- “a medida desnecessária é a que não resiste à comparação com as outras, revelando-se mais lesiva”[17]. Utilizando o exemplo anteriormente apresentado, a construção da ponte de entre as duas soluções julgadas idóneas, seguindo a metodologia retratada teria de se averiguar qual a medida que fosse menos lesiva dos bens e interesses conflituantes. Imaginando que a ponte no local A interferiria com actividade piscatória desportiva, enquanto no local B, 50 metros depois, por via de não existir local estável para realizar essa actividade, esse problema já não se coloca. Considera-se portanto que o local B deveria ser selecionado para a construção da ponte, atendendo apenas às máximas da idoneidade e da necessidade.

VII) Em último lugar falta-nos abordar o subprincípio que nos falta falar, a proporcionalidade strictu sensu, ou o equilíbrio nas Lições do Professor FREITAS DO AMARAL, com esta vertente pretende-se que uma determinada medida administrativa que cumpra os desígnios da necessidade e da idoneidade suplantem “à luz de certos parâmetros materiais, os custos que ela por certo acarretará “ (vide o artigo 7º/2 do CPA)[18].
Apesar de se considerar uma medida, como por exemplo a construção da ponte no local B, respeitadora das máximas da idoneidade e da necessidade, esta pode não se identificar como tolerável, ou seja, não respeita o subprincípio da proporcionalidade strictu sensu. Esta situação acontece porque a aferição da idoneidade se cinge a apreciação de uma relação de causa-efeito entre o acto e o objectivo, e a aferição da necessidade põe em destaque uma comparação entre as várias alternativas possíveis de modo a compreender qual a que causa uma menor agressão aos interesses e bens em contraposição. Ao invés, a avaliação da proporcionalidade strictu sensu põe em confronto os bens e os interesses pretendidos com o acto que pretende limitar os interesses e valores a sacrificar pelo acto em questão, isto é, se à luz dos parâmetros axiológicos e materiais seguidos, o custo da operação a realizar é proporcional ao benefício retirado desta[19] – alguns autores trata-se de uma avaliação puramente económica, o que em nossa opinião não foge muito à verdade. É uma avaliação essencialmente concreta, utilizando novamente o nosso exemplo de base, após aferida que a construção da ponte no local B respeitava os subprincípios da idoneidade e da necessidade, constata-se que criação da ponte não seria rentável, na medida em que a sua utilização seria escassa devido à existência de muitas pontes na região. Esta medida seria desequilibrada e desrazoável, porque apesar de a sua construção visar um fim legítimo (facilitar a circulação no local), ser a menos lesiva de entre as soluções idóneas em questão (pelo que vimos anteriormente), acaba por economicamente, dentro das limitações materiais e procedimentais não ser proporcional.
Logo, conclui-se a apresentação da metodologia de utilização do princípio da proporcionalidade na sua globalidade. Embora esta não seja rigorosa devido à natureza relacional das máximas, consideramos que se deve partir da lógica apresentada é a mais correcta e mais facilmente apreensível. Conquanto nada invalida que se parta de uma perpectiva em que se avalia em primeiro lugar a proporcionalidade strictu sensu, depois a necessidade e posteriormente a idoneidade, o que interessa é que todas as vertentes estejam presentes, porque sem uma delas, o princípio não é aplicável[20].

VIII) Em último lugar procederei a uma pequena reflexão sobre a importância da proporcionalidade no ordenamento jurídico. Após toda a explanação da temática, é mais que óbvio que este representa um dos pilares de toda a actividade administrativa, se assim não fosse não se teria registado um aumento exponencial das áreas abrangidas pelo menos (com destaque para o Direito comunitário). Efectivamente, esta avaliação chama a si várias classificações que neste âmbito permitem reforçar o papel do Direito e da Justiça no âmago da actuação administrativa, porque a ponderação que se realiza para aferir se o meio é predisposto a obter o fim desejado permite que valores, bens, interesses e considerações materiais sejam postos em causa, de modo a que as posições e interesses subjectivos sejam equacionados e protegidos. Por isso e pelo demonstrado anteriormente, atrevemo-nos a afirmar que o princípio da proporcionalidade concomitantemente com o princípio da separação de poderes são indubitavelmente as “traves-mestras” do princípio do Estado de Estado Direito, garantindo desta forma o equilíbrio de toda a ordem jurídica.

Pedro Fernandes 
Nº 28230
Subturma 14

Bibliografia

AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 2015, 4ª edição, Almedina
 SOUSA, Marcelo Rebelo de, MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral- Introdução e princípios fundamentais, Tomo I, 3ª edição, D. Quixote, 2008
CANAS, Vitalino, Proporcionalidade (Princípio da). In Dicionário Jurídico da Administração Pública, VI Volume, Oferta à Biblioteca da Faculdade de Direito de Lisboa, 1994





[1] AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 2015, 4ª edição, Almedina. P. 111
[2] CANAS, Vitalino, Proporcionalidade (Princípio da). In Dicionário Jurídico da Administração Pública, VI Volume, Oferta à Biblioteca da Faculdade de Direito de Lisboa, 1994. P.3
[3] Idem
[4] Ibidem, p.6
[5] Idem
[6] Apud. AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 2015, 4ª edição, Almedina. P. 112
[7]CANAS, Vitalino, Proporcionalidade (Princípio da). In Dicionário Jurídico da Administração Pública, VI Volume, Oferta à Biblioteca da Faculdade de Direito de Lisboa, 1994, p.22-30
[8] Idem
[9] SOUSA, Marcelo Rebelo de, MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral- Introdução e princípios fundamentais, Tomo I, 3ª edição, D. Quixote, 2008. P.215
[10] AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 2015, 4ª edição, Almedina. P. 113
[11] CANAS, Vitalino, Proporcionalidade (Princípio da). In Dicionário Jurídico da Administração Pública, VI Volume, Oferta à Biblioteca da Faculdade de Direito de Lisboa, 1994. P.34
[12] Ibidem, p.35
[13] Idem
[14] SOUSA, Marcelo Rebelo de, MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral- Introdução e princípios fundamentais, Tomo I, 3ª edição, D. Quixote, 2008. P.214
[15] CANAS, Vitalino, Proporcionalidade (Princípio da). In Dicionário Jurídico da Administração Pública, VI Volume, Oferta à Biblioteca da Faculdade de Direito de Lisboa, 1994. P.36
[16] Ibidem, p.38
[17] Idem
[18] AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 2015, 4ª edição, Almedina. P. 115
[19] CANAS, Vitalino, Proporcionalidade (Princípio da). In Dicionário Jurídico da Administração Pública, VI Volume, Oferta à Biblioteca da Faculdade de Direito de Lisboa, 1994. P.40
[20] Ibidem, p.41

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