sábado, 8 de abril de 2017

O Princípio da Imparcialidade


Art.º 9.º CPA – “A Administração Pública deve tratar de forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação, designadamente, considerando com objetividade todos e apenas os interesses relevantes no contexto decisório e adotando as soluções organizatórias e procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção”.


Art.º 266.º/2 CRP – “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”.


 A imparcialidade (prevista nos artigos 266.º/2 CRP e 9.º CPA) pretende assegurar que a Administração Pública considere e pondere objetivamente todos os interesses públicos e privados relevantes. Assim, a Administração Pública, exercendo uma função administrativa, tem a obrigação de exercer os poderes que lhe foram conferidos com total objetividade.

 Para tal, é necessário que a sua decisão não se deixe influenciar por considerações de caráter subjetivo, pelo que se impõe o afastamento dos titulares dos órgãos e agentes da Administração Pública da resolução de situações suscetíveis de beneficiarem ou prejudicarem os seus interesses privados enquanto cidadãos. Por outras palavras, a objetividade administrativa não só pressupõe como impõe a superação de uma perspetiva subjetivista e parcial do interesse público, devendo a Administração valorar comparativamente os interesses públicos e privados afetados com a sua atuação, mas também avaliar todas as consequências que podem advir do seu comportamento e da realização de um interesse público específico.

 De acordo com os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, o princípio da imparcialidade tem duas dimensões: a dimensão negativa, proíbe que a administração considere e pondere interesses que sejam irrelevantes para a decisão do caso concreto; já a dimensão positiva impõe que, antes da tomada de decisão, a administração considere e pondere todos os interesses que sejam relevantes para o caso concreto. Destas duas dimensões, decorre que, no exercício da sua margem de livre decisão, a administração tem a obrigação de ponderar e considerar apenas os interesses públicos e privados importantes para a decisão.

 A ordem jurídica preocupa-se em instituir mecanismos que asseverem que os titulares de órgãos e agentes administrativos não terão qualquer tipo de influência (de caráter não imparcial) sobre a tomada de decisão administrativa. Estes mecanismos são, portanto, garantias preventivas de imparcialidade, consagradas nos artigos 69.º e ss. CPA (impedimentos, escusas e suspeições).

 O Professor Diogo Freitas do Amaral refere duas vertentes do princípio em análise:

• Vertente negativa – a imparcialidade consiste na ideia dos agentes e titulares de órgãos administrativos estarem impedidos de intervir em determinadas situações que digam respeito a interesses pessoais, de forma a evitar a suspeita da existência de parcialidade de uma conduta.

 Os impedimentos (situações mais graves) consubstanciam situações de proibição de intervenção (art.º 69.º e ss CPA). Caso se verifiquem os impedimentos previstos na lei, o agente ou órgão administrativo deve declarar-se impedido de se pronunciar relativamente à mesma, sendo obrigatoriamente substituído por uma pessoa imparcial (art.º 72.º/1 CPA). Se, numa decisão administrativa, participarem agentes ou órgãos administrativos impedidos de o fazer, a decisão será anulável (art.º 163.º CPA).

 As escusas e as suspeições (art.º 73.º e ss CPA) são situações em que não existe proibição absoluta de intervenção e não se verificam substituições automaticamente obrigatórias. A escusa consubstancia uma situação em que é o próprio titular do órgão a abster-se de intervir, mediante formulação de pedido de dispensa dessa intervenção (art.º 73.º/1 CPA).  A suspeição é uma situação em que a abstenção de intervir é promovida pelo cidadão interessado nessa não intervenção do órgão, o qual invoca o facto do titular do órgão não ter condições para ser imparcial (art.º 73.º/2 CPA). Em ambas as situações, o órgão competente decidirá se há fundamentos justificativos da suspeição.

Vertente positiva – a imparcialidade consiste na obrigação da Administração, tanto no processo como na tomada de decisão, ponderar todos os interesses públicos secundários e interesses privados relevantes para a tomada de decisão. A inexistência desta reflexão constitui um vício da decisão.


 Terminada a análise deste princípio constitucional, a imparcialidade consiste, portanto, num meio para a realização de uma existência de objetividade final da atividade administrativa.


E não é por acaso que a estátua que costuma representar a justiça é uma figura humana que tem na mão uma balança com dois pratos e uma venda nos olhos. Ora, se a balança procura naturalmente representar a ideia de igualdade, a venda nos olhos procura representar a ideia de que a justiça deve ser cega, isto é, não deve determinar-se em função da amizade ou da inimizade para com qualquer das partes”. – Professor Diogo Freitas do Amaral


Bibliografia: 

- AMARAL, Diogo Freitas do. «Curso de Direito Administrativo», Volume II (3ª edição). Almedina, 2013.

- CAUPERS, João. «Introdução ao Direito Administrativo” (10ª edição). Âncora editora, 2009.

- SOUSA, Marcelo Rebelo e MATOS, André Salgado. «Direito Administrativo Geral - Introdução e Princípios Fundamentais», Tomo I (3ª edição). Dom Quixote, 2008.

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