domingo, 16 de abril de 2017

Contratos Administrativos

Contratos Administrativos


Comprometemo-nos a abordar um dos problemas mais complexos e discutidos no direito administrativo moderno, de forma leve e sucinta.

O contrato administrativo é o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa. A celebração de negócios jurídicos, nomeadamente contratos, é um instrumento fulcral para o bom funcionamento da Administração Pública; a complexidade do próprio “corpo” administrativo impõe formas de coordenação interadministrativa (e.g.: A Administração celebra contratos de fornecimento com privados, de onde obtém medicamentos para hospitais ou - outro exemplo - material escolar para estabelecimentos de ensino público). 
Sem uma margem de autossuficiência, esta última não conseguiria dar exequibilidade aos seus objectivos, decorrentes, nomeadamente, do princípio sumo do Direito Administrativo:  a prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos (art. 4.º do CPA). Mas nem sempre assim foi; nem sempre se admitiu a possibilidade de a Administração se vincular através de contratos, pois o costume, influenciado pela ideia de autoridade proveniente da tenra idade do Direito Admnistrativo e subsequentes traumas[1], ditava a unilateralidade como sendo uma forma típica de actuação. 
Mais tarde, reconhece-se à Administração Pública, não só capacidade de outorgar contratos administrativos (de espécie meramente pública), mas a de se vincular a contratos de natureza jurídico-privada, onde subjazem as regras de Direito Comercial, Civil e do Trabalho. Assim, no fim do séc. XX, ocorre uma paulatina ocupação das áreas do Direito Privado de âmbito contratual por parte do Direito Administrativo, de onde nasce a incerteza entre contratos administrativos e contratos da administração concretizados ao abrigo do Direito Privado. Face a esta incerteza de conceitos, surge a questão da eventual dissolução das duas figuras em epígrafe numa só, tal como contratos públicos ou contratos da administração.

Passaremos de forma breve pelos critérios de suma relevância histórica ou actual, que segundo a apresentação feita pelos Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, são:

Þ    A taxatividade legal

Consideram-se contratos administrativos aqueles que sejam expressamente designados por lei e de direito privado os restantes.

A sua grande vantagem reside na segurança jurídica, pois proporciona a redução, ao mínimo possível, das dúvidas acerca da qualificação jurídica dos contratos da administração, nomeadamente quanto aos efeitos de apuramento da jurisdição competente. Com o art. 9.º/1 do ETAF e art. 178.º/1 do CPA – hoje revogados -, estes contratos passam a ser delimitados por recurso a uma cláusula geral, que se encontra implícita na noção de contrato administrativo presente no CCP. De acordo, o elenco legal de contratos administrativos passou a ter carácter meramente exemplificativo.


Þ    Natureza dos sujeitos

Os contratos administrativos concernem-se àqueles em que a administração seja sujeito e de direito privado os restantes.

Note-se que, à data de formulação deste critério, não era aceite a integração de privados, em sentido orgânico, na administração pública - questão hoje ultrapassada como sucesso.

Aos olhos dos Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, este é imprestável, pois a consequência da sua aplicação prática seria que todos os contratos da administração fossem contratos administrativos.


Þ    Cláusulas de sujeição

Os contratos cujo conteúdo atribui poderes de supremacia ao contratante administrativo sobre o contratante particular são contratos administrativos;
Serão contratos de direito privado aqueles em que a administração se relaciona com os contraentes privados em condições de igualdade.

À luz dos autores em epígrafe, este revela-se criticável: a partir de uma caracterização anacrónica do direito administrativo como ordem jurídica da supraordenação do Estado em relação à sociedade, assumindo, sem demonstrar, que a existência de uma situação de paridade é incompatível com o carácter jurídico-administrativo de uma relação jurídica.

Þ    Regime de sujeição

Consideram-se contratos administrativos aqueles que em virtude dos quais, por força do seu regime jurídico, o contratante administrativo fica colocado numa posição de supremacia em relação ao co-contratante particular.

Þ    Direito Estatuário

Tratam-se por contratos administrativos aqueles aos quais se aplique o direito administrativo como direito comum – estatuto jurídico – da função administrativa ou pública; os contratos de direito privado da Administração são aqueles aos quais se aplique o direito privado.

Þ    Objecto do contratos

Os contratos que incidam sobre relações jurídicas administrativas são, naturalmente, contratos administrativos; e serão contratos de direito privado aqueles que incidam sobre relações jurídicas de direito privado. A formulação é aparentemente simples, mas limita-se a distinguir o contrato administrativo das relações jurídicas administrativas. A referência ao objecto pode ser útil para efeitos de descrição conceptual do contrato administrativo, mas não enquanto critério da sua identificação.

Þ    Fim do contrato

São contratos administrativos os que visem a prossecução de fins de imediata utilidade pública (funcional); e de direito privado aqueles que visem a prossecução de fins que só mediatamente prossigam tal utilidade.

Þ    Grau de intensidade do interesse público prosseguido

São contratos administrativos aqueles que visem a prossecuão do interesse público, de forma tal que este tem necessariamente que prevalecer sobre os interesses privados contrastantes e conflituantes (direito público); e de direito privado aqueles cujo interesse público é prosseguido de acordo com um regime de paridade com os interesses privados contrastantes e conflituantes (direito privado).

Þ    Ambiente de Direito Administrativo

São administrativos aqueles cujo contexto factual e normativo permita concluir pela aplicação do direito administrativo, sendo de direito privado os restantes contratos da administração.

Alguns dos critérios em epígrafe suscitaram, ao longo dos tempos, diferentes posições doutrinárias, tais como:

·       Os Professores Diogo Freitas do Amaral, Sérvulo Correia, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos defendiam a autonomia do contrato administrativo.
Diogo Freitas do Amaral definia contrato administrativo conforme o critério do objecto, de acordo com o qual a relação jurídica de direito administrativo será aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a mesma Administração;
Sérvulo Correia – pelo que percebemos - posicionou-se a meio caminho entre o critério do objecto e o critério estatutário, sendo que, este último, é que o define;
Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos dizem que o contrato administrativo é apenas uma espécie de contrato, pelo que a sua autonomia consubstancia-se na presença obrigatória do interesse público como objectivo intemporal da Administração Pública. Mais: não só se deve encontrar presente, como prevalecer sobre os interesses privados;
Outro argumento utilizado por outros doutrinadores é o facto do artigo 278º do CCP autonomizar o contrato administrativo, conferindo-lhe uma epígrafe e correspondente capítulo.

·       Maria João Estorninho – aderindo às teses negativistas - diz-nos que o contrato administrativo seria resultado de um acaso, fruto de uma especial interpretação do princípio da separação de poderes e do princípio da repartição jurisdicional de competências, verificando-se primeiro a autonomização processual de certos contratos da Administração e, só num segundo momento terá tido início a substantivação da figura do contrato administrativo.
Por fim, considera que o regime jurídico do contrato administrativo é, em si mesmo, compatível com o Direito contratual comum. Ou seja, há uma identidade fundamental de natureza da contratação administrativa sujeita (toda ela), em maior ou menor grau, a uma disciplina normativa de direito público.

%  A solução do problema passa pela prossecução do interesse público e exercício da função administrativa: o fenómeno da administrativização do regime dos contratos da administração tem esbatido fronteiras entre contratos administrativos e contratos de direito privado da administração.

Após a revisão de 2015, a Parte IV do CPA passou a incluir o capítulo III, no âmbito do qual, no art. 200.º/1, se retoma a clássica contraposição entre contratos administrativos e contratos de direito privado da Administração Pública.
Como já foi mencionado, o Direito Administrativo é o Direito comum da actividade administrativa. Assim sendo, a única conclusão plausível diz-nos que todos os contratos da Administração Pública estão confinados às normas do Direito comum da actividade. A par e passo destes, estão os contratos celebrados por entidades privadas em conjunto com a Administração que, desta forma, devem ser qualificados como contratos públicos, pois está subjacente um regime público administrativo.
Os contratos administrativos, a que fazem referência os artigos 1º, n.º 6, 3º, 8º e a Parte III do CCP, são contratos com um estatuto próprio de Direito Administrativo, que com este ramo do Direito estabelecem uma relação de maior intensidade;
Os contratos de direito privado da Administração Pública (e.g.: contrato de arrendamento de imóvel celebrado pela Administração Pública para instalação dum serviço público), com sede legal no art. 200.º do CPA, são contratos que, embora não deixem de estar sujeitos à aplicação de normas de Direito Administrativo, estão, em primeria ordem, submetidos a um regime de direito privado por contraposição aos contratos administrativos, que se caracterizam por encontrarem o seu regime primordial, de forma óbvia, no Direito Administrativo. Assim, apesar do regime introduzido pelo CCP sobre a matéria, faz sentido distinguir, no seio dos contratos que se encontram submetidos a regimes de contratação pública, entre contratos administrativos e contratos de direito privado da Administração Pública.
Os contratos submetidos à aplicação de regimes procedimentais de formação regulados por normas de Direito Administrativo (e.g. adjudicação do contrato) merecem a nossa atenção, uma vez que, em conformidade com a legislação Europeia da contratação pública (directivas da União Europeia), quando a Administração Pública se propõe celebrar contratos que têm por objeto a aquisição de prestações no mercado, deve observar as determinações impostas pelas normas de Direito Administrativo que, nesse domínio, disciplinam o modo de formação da vontade do contraente público e o modo de escolha do co-contratante (regimes procedimentais pré-contratuais públicos previstos em legislação especial ou na parte II do CCP), de acordo com o art. 201.º do CPA.

Concluindo:
Note-se que, concordando com o Professor Diogo Freitas do Amaral, o contrato administrativo não é sinónimo de qualquer contrato celebrado pela Administração Pública: só é contrato administrativo o contrato com um regime jurídico traçado pelo Direito Administrativo (arts. 1.º/6, 279.º e 280.º do CCP). Hoje, o contrato administrativo não necessita de habilitação legal específica. Segundo o art. 278.º do CCP e o art. 200.º/3 do CPA, estamos, pelo contrário, perante uma habilitação genérica que deixa ao abrigo da Administração uma margem de livre decisão para optar pela via contratual (que se mostrou, muitas das vezes, mais eficiente e eficaz do que o acto administrativo). Porém, na nossa ordem jurídica, o contrato administrativo continua a ser a opção subsidiária, alternativa, depois - tendo como base uma ordem decrescente -, do acto administrativo e do contrato de direito privado (“salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer.”- excerto do art. 278.º do CCP). Esta opção é confirmada pelo critério do regime jurídico pré-contratual e do fim da prestação do co-contratante em epígrafe, de Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos. Por outro lado, a subsidariedade da utilização do contrato não significa que estas duas figuras não possam ser cumulativas.


Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do; Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2ª edição - 2ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2012;
SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de; Direito Administrativo Geral: Atividade Administrativa, Tomo III, 1ª Edição, Lisboa, Publicações D. Quixote, 2007;
ALMEIDA, Mário Aroso de; Teoria Geral do Direito Administrativo – novo regime do código de procedimento administrativo, Coimbra, Almedina, 2015.


Maria Margarida Bento e Silva (nº 28075)



[1] Vasco Pereira da Silva.

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