Noção e aspectos gerais
O regulamento, nas
palavras dos Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, é a decisão de um órgão da administração pública
que, ao abrigo de norma de direito público, visa produzir efeitos jurídicos em
situações gerais e abstractas. Apesar da anterior definição se reporar ao
CPA de 1991, à luz do CPA de 2015 a norma jurídica (art. 135.º) não sofreu
modificações de sentido – “(...) consideram-se regulamentos administrativos as
normas jurídicas gerais e abstractas que, no exercício de poderes
jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos”.
Retiramos de ambas os
aspectos integrantes d’O Regulamento:
a) Decisão: trata-se de um acto positivo, imaterial e
unilateral;
b) Órgão da Administração Pública: trata-se de um acto
da Administração Pública;
c) Normas de direito público: trata-se de um
acto de gestão pública;
d) Efeitos jurídicos: trata-se de um acto
jurídico;
e) Gerais e abstractas: trata-se de um acto
normativo;
Regulamento vs Lei e Regulamento vs Acto
administrativo
Substancialmente, o
que distingue, com exactidão, o regulamento da lei é o facto da primeira
pertencer à função administrativa (de carácter secundário), subordinada ao
princípio da legalidade, que está internamente ligado à segunda, uma vez que
esta pertence à função legislativa (de carácter primário).
Em aproximação ao disposto pelo Professor
Diogo Freitas do Amaral, a utilidade prática da distinção entre lei e
regulamento revela-se essencialmente em três pontos distintos:
O fundamento jurídico
Enquanto que a lei se
baseia unicamente na “norma de todas as normas” – a Constituição da República
Portuguesa -, o regulamento necessita impreterivelmente de uma lei habilitante
que lhe atribua competência, de acordo com o art. 112.º/7 da CRP;
Ilegalidade
A lei posterior
revoga lei anterior ou, não a revogando, coexistem em diversos domínios
aplicativos da ordem jurídica. Ao contrário, o regulamento, tendo o seu
fundamento jurídico em lei habilitante, sem a mesma sofre de ilegalidade;
· Impugnação
Ao passo que a lei só
pode ser directamente impugnada sob o fundamento em inconstitucionalidade ou,
excepcionalmente, em ilegalidade no Tribunal Constitucional, o regulamento, que
sofre de ilegalidade, é impugnável administrativa e contenciosamente. Pode, a
regime de excepção, ser impugnado, de forma directa, junto do Tribunal
Constitucional.
Note-se, então, que a
importância apenas releva em aspectos orgânicos e formais.
Quanto à distinção
entre regulamento e acto administrativo, o mesmo Professor se seguirá.
Ora atentemos que,
por via de regra, a distinção é simples e parte da distinção subjacente à norma
e acto jurídico. Estamos perante dois
tipos de comandos jurídicos unilaterias emitidos por um órgão competente no
exercício de um poder político de autoridade (DFA). No entanto, sendo o
acto administrativo, de acordo com o art. 148.º do CPA, uma decisão individual
e concreta, o regulamento, dado o art. 135.º do CPA, repercute-se a uma norma
geral e abstracta. A norma jurídica e, por consequência, o regulamento definem
os seus destinatários através de categorias universais (generalização) e tem
como objectivo aplicar-se a situações da vida de forma igualmente categorial
(abstracção). O acto jurídico e, assim, o acto administrativo reconduzem-se a
determinado indivíduo ou conjunto específico de indivíduos (individualização),
tendo por base a regulamentação de uma situação devidamente definida e,
possivelmente, exclusiva (concretização).
Tal diferença expressa-se de forma mais acentuada nos âmbitos seguintes:
· Interpretação e
integração
Ao passo que o
regulamento tem de ser necessariamente interpretado e as suas lacunas
integradas, à luz das regras próprias de interpretação e integração de normas
jurídicas, o acto administrativo tem regras próprias;
· Invalidade e vícios
O regime seguido para
o regulamento é o das leis, enquanto que o seguido pelo acto administrativo é o
do negócio jurídico;
· Impugnação
contenciosa
Os regulamentos podem
ser declarados ilegais em qualquer tribunal, ao contrário dos actos
administrativos que, saldo os casos de nulidade, apenas podem ser contestados
pelos tribunais administrativos e órgãos competentes para a anulação. Há ainda
relevantes diferenças quanto às regras processuais, legitimidade e prazos.
Hierarquia dos regulamentos
Os regulamentos
são, ao contrário das leis, hierarquicamente diferenciados entre si,
precisamente porque o objectivo é graduar a preferência de lei.
Há três critérios subjacentes:
· A posição do órgão emissor
Os regulamentos emitidos por
órgãos supraordenados (e.g.: Governo enquanto órgão de soberania e superior da
Administração
Pública) são superiores
aos emitidos por órgãos infraordenados (e.g: Autarquias Locais enquanto órgãos
subalternos, superintendidos ou tutelados);
· O âmbito territorial das
atribuições prosseguidas pela PC a que pertence
Os regulamentos emitidos por
órgãos inseridos em pessoas colectivas, cujas atribuições sejam de âmbito
territorial mais amplo (e.g.: Autarquias Locais de grau superior), são
hierarquicamente superiores aos emitidos por órgãos inseridos em pessoas
colectivas cujas atribuições sejam de âmbito territorial mais restrito (e.g.:
Autarquias Locais de grau inferior);
· A forma
Os regulamentos de forma mais
solene são hierarquicamente superiores aos de forma menos solene.
Será de extrema
importância apontar que os critérios apontados não são absolutos. Desta forma,
regulamentos de órgãos infraordenados, ou que visem a prossecução de
atribuições geográficamente menos amplas, emitidos ao abrigo de reservas sectoriais de Administração sobrepõem-se,
sem mais, aos critérios da posição do órgão emissor e do âmbito geográfico das
atribuições (e.g.: os regulamentos das Regiões Autónomas, habilitados por
decretos legislativos regionais, não estão automaticamente subordinados aos regulamentos estaduais; por seu lado, o regulamento mais solene emitido pelo secretário de
Estado não prevalece, todavia,
sobre o regulamento menos solene emitido por um Ministro.).
Fundamentos
· Prisma sociopolítico
Fundamentam-se nos limites
naturais da função legislativa: a lei, em virtude da sua natureza e a natureza
dos processos de actuação própria dos órgãos legislativos, não deve aspirar
disciplinar aspectos da vida social. Logo, o campo de operatividade do regulamento
começa onde acaba a capacidade de previsão do legislador.
· Prisma jurídico
Aqui, o fundamento é o
princípio da legalidade (reserva de lei): a precedência de lei faz com que
qualquer regulamento, independente da esfera onde pretenda incidir, tenha de estar
habilitado por uma norma jurídica hierarquicamente superior legitimada e
densificada.
· Prisma jurídico-constitucional do Estado
Fundamentam-se no princípio
da separação de poderes. Quando está em causa o exercício de competências
regulamentares de reserva da administração – ex.: reserva sectoriais de
administração autónoma -, há obrigatoriamente uma subtracção da mesma ao poder
legislativo, pelo que são poderes regulamentares.
Funções
· Execução das leis
É prática
frequente que a própria lei determine que não tem exequibilidade própria,
fazendo com que sejam os regulamentos a possibilitar a aplicação do seu regime
legal, postulando a disciplina normativa;
· Complementação das leis
Tem como
objectivo a regulamentação de aspectos acessórios de determinado regime legal,
por parte da Administração, por ser, não só conveniente, como impreterível a
proximidade da Administração às situações que carecem de regulamentação;
· Dinamização global da ordem
jurídica
Introdução de
disciplinas normativas materialmente inovadoras, por não corresponderem a execução
ou complementação de leis.
E.g.:
regulamentos que operam em circunscrições de densidade mínima da lei
habilitante (decretos regulamentares do Governo e os regulamentos autónomos em
matérias de reserva sectorial de administração).
Tipos de regulamentos
Existem
4 géneros de regulamentos:
· Quanto
à eficácia
o Externos (os únicos com sede legal no art. 135.º do
CPA):
Produzem os seus efeitos jurídicos
fora da pessoa colectiva pública, criando direitos, deveres, sujeições e/ou
encargos para particulares.
E.g.: Regulamento de propinas.
o Internos:
Produzem os seus efeitos jurídicos
apenas no interior da esfera da pessoa colectiva pública da qual emanam (nos
órgãos ou serviços da Administração Pública).
E.g.: Orçamento da Universidade do
Minho.
· Quanto
à sua relação com a Lei
o De execução/ Complementares:
Aprofundam aspectos pormonorizados e questões técnicas
da disciplina jurídica constante de Lei, possibilitando a sua apliação aos
casos concretos. São, assim, regulamentos (secundum
legem) que não podem contradizer a disciplina jurídica em lei fixada, sob
pena de sofrerem de ilegalidade.
E.g.: Regulamentos escolares
referentes a bolsas de estudo e acção social.
§
Espontâneos
Não está especificado na lei que determinado
regulmento necessite de complementarização, mas a entidade competente da
Administração Pública acha conveniente.
§
Devidos
(art. 137.º/1 do CPA)
A lei especifica, em concreto, que
necessita de um regulamento que lhe dê exequibilidade. Assim, coage a entidade
competente da Administração Pública a tal tarefa de desenvolvimento.
o Independentes/Autónomos (art. 112.º/6
e 7 da CRP):
Elaborados pelos órgãos
administrativos no exercício da sua competência (subjectiva ou objectiva) –
confiada por lei habilitante -, de forma a assegurar a realização das suas
atribuições, não necessitando de desenvolver nenhuma lei que visam executar.
Desta forma, criam a sua própria disciplina jurídica, havendo liberdade de
definição do conteúdo normativo. O Professor Diogo Freitas do Amaral diz,
ainda, que estes são, afinal de
contas, expressão da autonomia com que a
lei quer distinguir certas entidades públicas, confiando na sua capacidade de
autodeterminação e no melhor conhecimento de que normalmente desfrutam acerca
das realidades com que têm de lidar.
E.g.: Estatutos das Unidades
Orgânicas. (art. 241.º CRP)
· Quanto
ao objecto
o Organização:
Incidem sobre a estruturação orgânica
e institucional da Administração Pública.
E.g.: Regulamento de distribuição de
funções por vários departamentos e unidades da Pessoa Colectiva.
o De Polícia (expressão lato sensu):
Configuram a ponte entre a
Administração Pública e os particulares, ou destes últimos entre si. Impõem
limitações à liberdade individual com vista a evitar que, em consequência da
conduta perigosa ou negligente dos indivíduos, se produzam danos sociais.
E.g.: Regulamentos sobre a utilização
de material eléctrico.
Quanto à sua importância no âmbito da
administração local, cabe estabelecer uma segunda distinção:
§
Posturas:
Regulamentos locais, de polícia,
independentes ou autónomos;
§
Policiais:
Regulamentos locais, de polícia,
complementares ou de execução.
o Fiscais:
Estabelecem preços, taxas, tarifas a
pagar (pelos particulares) em contrapartida de prestações administrativas.
o Funcionamento:
Incidem sobre aspectos relativos à
actividade interna da Administração (seus serviços públicos). Autonomizam-se
destes últimos os regulamentos procedimentais, que estipulam regras de
expediente.
· Quanto
ao âmbito de aplicação
o Gerais:
Vigoram em todo o território
continental.
o Locais:
Vigoram numa dada circunscrição
territorial.
E.g.: Regulamentos regionais das Regiões
Autónomas e regulamentos locais das Autarquias Locais.
o Institucionais:
Vigoram apenas para e sobre as pessoas
que se encontram sob a sua jurisdição (institutos públicos ou associações
públicas).
Bibliografia
SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André
Salgado de, (2016) Direito Administrativo Geral: Introdução e Princípios
Fundamentais. Tomo III, Alfragide: D. Quixote;
CAUPERS, João, (2013) Introdução ao
Direito Administrativo. Lisboa: Âncora Editora;
AMARAL, Diogo Freitas do, (2016) Curso de
Direito Administrativo. Volume II, Coimbra: Almedina.
Maria Margarida Bento e Silva (n.º 28075)
Sem comentários:
Enviar um comentário