sexta-feira, 7 de abril de 2017

Particularidades do Regulamento Administrativo


Noção e aspectos gerais

O regulamento, nas palavras dos Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, é a decisão de um órgão da administração pública que, ao abrigo de norma de direito público, visa produzir efeitos jurídicos em situações gerais e abstractas. Apesar da anterior definição se reporar ao CPA de 1991, à luz do CPA de 2015 a norma jurídica (art. 135.º) não sofreu modificações de sentido – “(...) consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstractas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos”.

Retiramos de ambas os aspectos integrantes d’O Regulamento:
a) Decisão: trata-se de um acto positivo, imaterial e unilateral;
b) Órgão da Administração Pública: trata-se de um acto da Administração Pública;
c) Normas de direito público: trata-se de um acto de gestão pública;
d) Efeitos jurídicos: trata-se de um acto jurídico;
e) Gerais e abstractas: trata-se de um acto normativo;

Regulamento vs Lei e Regulamento vs Acto administrativo

Substancialmente, o que distingue, com exactidão, o regulamento da lei é o facto da primeira pertencer à função administrativa (de carácter secundário), subordinada ao princípio da legalidade, que está internamente ligado à segunda, uma vez que esta pertence à função legislativa (de carácter primário).

Em aproximação ao disposto pelo Professor Diogo Freitas do Amaral, a utilidade prática da distinção entre lei e regulamento revela-se essencialmente em três pontos distintos:

O fundamento jurídico
Enquanto que a lei se baseia unicamente na “norma de todas as normas” – a Constituição da República Portuguesa -, o regulamento necessita impreterivelmente de uma lei habilitante que lhe atribua competência, de acordo com o art. 112.º/7 da CRP;

Ilegalidade

A lei posterior revoga lei anterior ou, não a revogando, coexistem em diversos domínios aplicativos da ordem jurídica. Ao contrário, o regulamento, tendo o seu fundamento jurídico em lei habilitante, sem a mesma sofre de ilegalidade;

·   Impugnação
Ao passo que a lei só pode ser directamente impugnada sob o fundamento em inconstitucionalidade ou, excepcionalmente, em ilegalidade no Tribunal Constitucional, o regulamento, que sofre de ilegalidade, é impugnável administrativa e contenciosamente. Pode, a regime de excepção, ser impugnado, de forma directa, junto do Tribunal Constitucional.

Note-se, então, que a importância apenas releva em aspectos orgânicos e formais.

Quanto à distinção entre regulamento e acto administrativo, o mesmo Professor se seguirá.

Ora atentemos que, por via de regra, a distinção é simples e parte da distinção subjacente à norma e acto jurídico. Estamos perante dois tipos de comandos jurídicos unilaterias emitidos por um órgão competente no exercício de um poder político de autoridade (DFA). No entanto, sendo o acto administrativo, de acordo com o art. 148.º do CPA, uma decisão individual e concreta, o regulamento, dado o art. 135.º do CPA, repercute-se a uma norma geral e abstracta. A norma jurídica e, por consequência, o regulamento definem os seus destinatários através de categorias universais (generalização) e tem como objectivo aplicar-se a situações da vida de forma igualmente categorial (abstracção). O acto jurídico e, assim, o acto administrativo reconduzem-se a determinado indivíduo ou conjunto específico de indivíduos (individualização), tendo por base a regulamentação de uma situação devidamente definida e, possivelmente, exclusiva (concretização).

Tal diferença expressa-se de forma mais acentuada nos âmbitos seguintes:

·   Interpretação e integração

Ao passo que o regulamento tem de ser necessariamente interpretado e as suas lacunas integradas, à luz das regras próprias de interpretação e integração de normas jurídicas, o acto administrativo tem regras próprias;

·    Invalidade e vícios

O regime seguido para o regulamento é o das leis, enquanto que o seguido pelo acto administrativo é o do negócio jurídico;

·    Impugnação contenciosa

Os regulamentos podem ser declarados ilegais em qualquer tribunal, ao contrário dos actos administrativos que, saldo os casos de nulidade, apenas podem ser contestados pelos tribunais administrativos e órgãos competentes para a anulação. Há ainda relevantes diferenças quanto às regras processuais, legitimidade e prazos.



Hierarquia dos regulamentos

Os regulamentos são, ao contrário das leis, hierarquicamente diferenciados entre si, precisamente porque o objectivo é graduar a preferência de lei.

Há três critérios subjacentes:

·   A posição do órgão emissor

Os regulamentos emitidos por órgãos supraordenados (e.g.: Governo enquanto órgão de soberania e superior da Administração Pública) são superiores aos emitidos por órgãos infraordenados (e.g: Autarquias Locais enquanto órgãos subalternos, superintendidos ou tutelados);



·   O âmbito territorial das atribuições prosseguidas pela PC a que pertence

Os regulamentos emitidos por órgãos inseridos em pessoas colectivas, cujas atribuições sejam de âmbito territorial mais amplo (e.g.: Autarquias Locais de grau superior), são hierarquicamente superiores aos emitidos por órgãos inseridos em pessoas colectivas cujas atribuições sejam de âmbito territorial mais restrito (e.g.: Autarquias Locais de grau inferior);

·   A forma

Os regulamentos de forma mais solene são hierarquicamente superiores aos de forma menos solene.

Será de extrema importância apontar que os critérios apontados não são absolutos. Desta forma, regulamentos de órgãos infraordenados, ou que visem a prossecução de atribuições geográficamente menos amplas, emitidos ao abrigo de reservas sectoriais de Administração sobrepõem-se, sem mais, aos critérios da posição do órgão emissor e do âmbito geográfico das atribuições (e.g.: os regulamentos das Regiões Autónomas, habilitados por decretos legislativos regionais, não estão automaticamente subordinados aos regulamentos estaduais; por seu lado, o regulamento mais solene emitido pelo secretário de Estado não prevalece, todavia, sobre o regulamento menos solene emitido por um Ministro.).


Fundamentos

·   Prisma sociopolítico

Fundamentam-se nos limites naturais da função legislativa: a lei, em virtude da sua natureza e a natureza dos processos de actuação própria dos órgãos legislativos, não deve aspirar disciplinar aspectos da vida social. Logo, o campo de operatividade do regulamento começa onde acaba a capacidade de previsão do legislador.

·   Prisma jurídico

Aqui, o fundamento é o princípio da legalidade (reserva de lei): a precedência de lei faz com que qualquer regulamento, independente da esfera onde pretenda incidir, tenha de estar habilitado por uma norma jurídica hierarquicamente superior legitimada e densificada.

·   Prisma jurídico-constitucional do Estado

Fundamentam-se no princípio da separação de poderes. Quando está em causa o exercício de competências regulamentares de reserva da administração – ex.: reserva sectoriais de administração autónoma -, há obrigatoriamente uma subtracção da mesma ao poder legislativo, pelo que são poderes regulamentares.


 Funções

·   Execução das leis

É prática frequente que a própria lei determine que não tem exequibilidade própria, fazendo com que sejam os regulamentos a possibilitar a aplicação do seu regime legal, postulando a disciplina normativa;

·   Complementação das leis

Tem como objectivo a regulamentação de aspectos acessórios de determinado regime legal, por parte da Administração, por ser, não só conveniente, como impreterível a proximidade da Administração às situações que carecem de regulamentação;

·   Dinamização global da ordem jurídica

Introdução de disciplinas normativas materialmente inovadoras, por não corresponderem a execução ou complementação de leis.
E.g.: regulamentos que operam em circunscrições de densidade mínima da lei habilitante (decretos regulamentares do Governo e os regulamentos autónomos em matérias de reserva sectorial de administração).


Tipos de regulamentos

Existem 4 géneros de regulamentos:
·   Quanto à eficácia
o   Externos  (os únicos com sede legal no art. 135.º do CPA):
Produzem os seus efeitos jurídicos fora da pessoa colectiva pública, criando direitos, deveres, sujeições e/ou encargos para particulares.
E.g.: Regulamento de propinas.
o   Internos:
Produzem os seus efeitos jurídicos apenas no interior da esfera da pessoa colectiva pública da qual emanam (nos órgãos ou serviços da Administração Pública).
E.g.: Orçamento da Universidade do Minho.

·   Quanto à sua relação com a Lei
o   De execução/ Complementares:
Aprofundam  aspectos pormonorizados e questões técnicas da disciplina jurídica constante de Lei, possibilitando a sua apliação aos casos concretos. São, assim, regulamentos (secundum legem) que não podem contradizer a disciplina jurídica em lei fixada, sob pena de sofrerem de ilegalidade.
E.g.: Regulamentos escolares referentes a bolsas de estudo e acção social.

§  Espontâneos
Não está especificado na lei que determinado regulmento necessite de complementarização, mas a entidade competente da Administração Pública acha conveniente.
§  Devidos (art. 137.º/1 do CPA)
A lei especifica, em concreto, que necessita de um regulamento que lhe dê exequibilidade. Assim, coage a entidade competente da Administração Pública a tal tarefa de desenvolvimento.

o   Independentes/Autónomos (art. 112.º/6 e 7 da CRP):
Elaborados pelos órgãos administrativos no exercício da sua competência (subjectiva ou objectiva) – confiada por lei habilitante -, de forma a assegurar a realização das suas atribuições, não necessitando de desenvolver nenhuma lei que visam executar. Desta forma, criam a sua própria disciplina jurídica, havendo liberdade de definição do conteúdo normativo. O Professor Diogo Freitas do Amaral diz, ainda, que estes são, afinal de contas,  expressão da autonomia com que a lei quer distinguir certas entidades públicas, confiando na sua capacidade de autodeterminação e no melhor conhecimento de que normalmente desfrutam acerca das realidades com que têm de lidar.
E.g.: Estatutos das Unidades Orgânicas. (art. 241.º CRP)


·   Quanto ao objecto
o   Organização:
Incidem sobre a estruturação orgânica e institucional da Administração Pública.
E.g.: Regulamento de distribuição de funções por vários departamentos e unidades da Pessoa Colectiva.
o   De Polícia (expressão lato sensu):
Configuram a ponte entre a Administração Pública e os particulares, ou destes últimos entre si. Impõem limitações à liberdade individual com vista a evitar que, em consequência da conduta perigosa ou negligente dos indivíduos, se produzam danos sociais.
E.g.: Regulamentos sobre a utilização de material eléctrico.

Quanto à sua importância no âmbito da administração local, cabe estabelecer uma segunda distinção:
§  Posturas:
Regulamentos locais, de polícia, independentes ou autónomos;
§  Policiais:
Regulamentos locais, de polícia, complementares ou de execução.

o   Fiscais:
Estabelecem preços, taxas, tarifas a pagar (pelos particulares) em contrapartida de prestações administrativas.

o   Funcionamento:
Incidem sobre aspectos relativos à actividade interna da Administração (seus serviços públicos). Autonomizam-se destes últimos os regulamentos procedimentais, que estipulam regras de expediente.

·   Quanto ao âmbito de aplicação
o   Gerais:
Vigoram em todo o território continental.
o   Locais:
Vigoram numa dada circunscrição territorial.
E.g.: Regulamentos regionais das Regiões Autónomas e regulamentos locais das Autarquias Locais.
o   Institucionais:
Vigoram apenas para e sobre as pessoas que se encontram sob a sua jurisdição (institutos públicos ou associações públicas).




Bibliografia
SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de, (2016) Direito Administrativo Geral: Introdução e Princípios Fundamentais. Tomo III, Alfragide: D. Quixote;
CAUPERS, João, (2013) Introdução ao Direito Administrativo. Lisboa: Âncora Editora;

AMARAL, Diogo Freitas do, (2016) Curso de Direito Administrativo. Volume II, Coimbra: Almedina.

Maria Margarida Bento e Silva (n.º 28075)

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