O princípio da boa fé no Direito
Administrativo
É
inegável que o princípio da boa fé está presente em todo o ordenamento
jurídico. Prova disso é o facto de ter sido introduzido na Constituição, entre
os princípios vinculativos da Administração Pública (artigo 266º nº2 CRP), por
força da revisão constitucional de 1997, e expressamente consagrado no CPA
(artigo 10º nº1 CPA) através do D.L nº6/96.
O
artigo supracitado prevê que “no
exercício da atividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a
Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar – se segundo as
regras da boa fé”, sendo que o respeito pela mesma realiza – se através da
ponderação de “valores fundamentais de
Direito” e dando – se importância à “confiança suscitada na contraparte (…) e
ao objetivo a alcançar com a atuação empreendida” – artigo 10º nº2 CPA.
Desta forma, podemos dizer que a boa fé é um principio fundamental ao qual
estão subordinados os órgãos e agentes administrativas no exercício das suas
funções e que a sua positivação constitucional está relacionada com a
concretização da tutela da confiança decorrente do princípio do Estado de
Direito, consagrado no artigo 2º da CRP, que postula a ideia de proteção da
confiança dos cidadãos face às atuações do Estado, implicando um mínimo de
certeza e de segurança na vida jurídica do Estado. Isto determina que, para
além da Administração Pública agir de boa fé com os particulares, a mesma deve
dar – lhes o exemplo na observância da boa fé como núcleo essencial do seu
comportamento ético, sendo que sem isso, nas palavras do Professor Freitas do
Amaral, “nunca se poderia afirmar que o
Estado é uma pessoa de bem”.
No
que diz respeito à concretização deste princípio podemos dizer que apesar do
seu elevado grau de abstração, não é, de todo, um conceito vazio ou despido de
conteúdo e a sua concretização é possível através de dois princípios: o da tutela da confiança legítima e o da materialidade subjacente.
Começando
pela tutela da confiança legítima.
Esta encontra variadas concretizações jus administrativas, dizendo – se, a
título de exemplo, os limites fixados no artigo 167º CPA à revogação dos atos
administrativos constitutivos de direitos ou de interesses legalmente
protegidos. No entanto, é em sede de formação de contratos administrativos que
adquire especial força e relevância, determinando que entre as atitudes no
início de um procedimento administrativo e as posições finais assumidas, a
Administração não pode alterar injustificadamente o seu critério, negar o
prometido, formular novas exigências que não apresentou em tempo oportuno, entre
outras.
Contudo,
a tutela da confiança não é absoluta, ocorrendo apenas em situações
justificativas, sendo que a aplicação deste subprincípio está sujeita à existência
de quatro pressupostos, semelhantes aos do Direito Civil: existência de uma
situação de confiança; existência de uma justificação para essa confiança;
existência de um investimento de confiança e, por fim, frustração da confiança
por parte de quem a gerou. É, ainda, importante referir que estes pressupostos
constituem um sistema móvel, podendo a falta de um deles ser suprida pela
intensidade com que outro se verifique, assim como não há uma hierarquia entre
eles.
Passando
ao princípio da materialidade subjacente.
Este resulta da batalha contra o formalismo, ou seja, a subordinação às
disposições legais tidas por aplicáveis, defendendo que o exercício dos poderes
jurídicos deve ter em conta não só o apuramento da conformidade formal da
conduta com a ordem jurídica, mas também a ponderação dos valores. Segundo o
Professor Freitas do Amaral este subprincípio “(…) vem cobrir todas as situações em que as exigências formais desrespeitadas
não devem implicar uma decisão negativa, nomeadamente, se as finalidades que a
forma protege chegaram a atingir – se.”
Em
suma, a boa fé constitui um princípio de elevada importância não só para o Direito Administrativo, mas também para todo o ordenamento jurídico, sendo,
todavia, um princípio de último recurso e uma “válvula de escape” do sistema, cuja função consiste em corrigir injustiças que devem ser repudiadas.
Bibliografia
Freitas do
Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo Volume II, 3ª edição, Almedina,
2016
Sousa, Marcelo
Rebelo, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3ª edição, Publicações Dom
Quixote, 2010
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