Os poderes da Administração Pública: O poder vinculado
e poder discricionário
Antes de mais, segundo o
Professor Marcelo Rebelo de Sousa e o Professor André de Sousa, a
discricionariedade é “ liberdade
conferida por lei à administração para que esta escolha entre várias
alternativas de atuação juridicamente admissíveis”
A distinção entre poder
vinculado e poder discricionário insere-se numa lógica do entendimento do poder
de legalidade, tendo também uma dimensão histórica. Fazendo referência à
infância difícil do Direito Administrativo, encontramos num dos seus pontos a
equiparação dos poderes vinculados e poderes discricionários aos atos
administrativos (considerando por isso que esses atos poderiam ser de natureza
discricionária ou vinculada). E, nessa lógica de pensamento, aos poderes discricionários
corresponderia uma realidade onde tudo o que não fosse regulado pela legalidade
seria um ato livre de Administração.
Este entendimento liberal
dos poderes discricionários levou a que o Professor Marcello Caetano falasse em
exceções ao principio da legalidade, referindo-se por isso aos poderes
discricionários como “poderes livres do Direito”. Por seu turno, o Professor
Vasco Pereira da Silva afirma que este entendimento não faz jus àquilo que é o
verdadeiro poder discricionário, na medida em que, estando perante um ou outro
poder da Administração, “aquilo que a Administração faz é concretizar a vontade
do legislador, a vontade da ordem jurídica, a vontade do Direito no seu
conjunto” e, portanto, também o poder discricionário está sob a aba do Direito.
Como já se reparou temos
aqui diferentes perspetivas doutrinárias sobre esta questã, sendo que as
principais: a perspetiva dos poderes da Administração ou a perspetiva dos atos
da Administração.
No que toca à primeira
conceção, que de certo é uma conceção tradicional, já referida supra, foi
defendida pelo Marcello Caetano em que este afirma que : “ o
poder é vinculado na medida em que o seu exercício está regulado por lei; o
poder será discricionário quando o seu exercício fica entregue ao critério do
respetivo titular, deixando-lhe liberdade de escolha do procedimento a adotar
em cada caso como mais ajustado à realização do interesse público protegido
pela norma que o confere”
Na segunda perspetiva,
defendida pelo Professor Freitas do Amaral que contribuiu, dando o primeiro,
para o entendimento de que também o poder discricionário estaria integrado no
âmbito do Direito, temos aqui uma ótica de que realmente o poder discricionário
não é uma exceção ao poder de legalidade e que não se poderia também falar em
atos discricionários e atos vinculados. Nessa medida, existiriam em qualquer
ato administrativo aspetos de natureza vinculativa e aspetos de natureza
discricionária. Assim quase todos os atos seriam simultaneamente vinculados e
discricionários.
Há aqui uma mudança de
paradigma, na medida em que sendo o universo do poder discricionário um
universo que era livre principalmente por não estar sujeito ao controlo
jurisdicional, com esta conceção passa a ser esse possível esse controlo, na
medida em que tendo a Administração tem de cumprir o Direito, o tribunal tem de
controlar o modo com esta atua. Isto quer dizer que todos os poderes são
suscetíveis de controlo e de apreciação jurisdicional, sendo que a apreciação
do poder discricionário é menos intensa do que na do poder vinculado.
Contudo, o Professor
Vasco Pereira da Silva concorde em alguns aspetos desta segunda tese do
Professor Freitas de Amaral – até porque foi este último um dos impulsionadores
desta nova conceção de controlo do poder discricionário, critica o facto deste
ainda falar em liberdade de decidir na medida em que não podemos falar em
vontades livres da Administração, mas sim em vontades normativas que
correspondem à realização do Direito. Portanto, o Professor Vasco Pereira da
Silva afirma não existir qualquer liberdade da Administração pois esta atua de
acordo com as regras de competência e a sua atuação tem como base o quadro das
diferentes leis.
Para alem das outras duas
perspetivas, surge uma outra, derivada do Direito Alemão, defendida por Sérvulo
Correia. Esta nova conceção faz distinção entre duas modalidades que este diz
fazer parte do poder discricionário: a margem de livre decisão e margem de
livre apreciação. Quanto a esta perspetiva, o Professor Vasco Pereira da Silva,
concorda apesar de depreciar o termo “livre” devidos aos motivos referidos
supra.
Muito sucintamente, estas
duas modalidades correspondem a dois momentos em que a Administração exerce o
poder discricionário, portanto estas dizem respeito à questão de ser saber se
se está perante um poder discricionário ou vinculado. No que diz respeito à
margem de decisão, esta corresponde à conceção clássica de discricionariedade-
em sentido normal-, identificando-se com o final do procedimento, em que a
Administração, no caso concreto, vai valorar a situação de acordo com os
critérios que correspondem ao exercício do poder discricionário, tendo também
uma margem de escolha que corresponde à margem de decisão que nunca é livre
pois esta será sempre submetida aos princípios constitucionais. A margem de
livre apreciação, por seu turno, é substanciada antes da decisão final, podendo
por isso ter uma margem para apreciar o caso no âmbito do exercício dos poderes
discricionários.
Finalmente temos a
conceção sufragada pelo Professor Vasco Pereira da Silva. Por um lado, este
concorda com facto d que não se pode falar em apelas poderes vinculados ou
discricionários, como se falava na primeira perspetiva, mas sim dentro de cada
um dos poderes distinguir partículas vinculadas e partículas discricionárias de
cada um deles, como suscita a posição do Professor Freitas do Amaral. Contudo,
numa nova visão um pouco contrária à divisão dos momentos da discricionariedade
em dois, vem afirmar que há três momentos que correspondem à ideia de
discricionariedade: num primeiro momento, a interpretação; num segundo momento,
a apreciação, e num último momento, a decisão. Isto quer dizer que em qualquer
situação em que a Administração tenha de atuar procede sempre de acordo com
esses momentos.
De forma muito sucinta a
interpretação corresponde ao momento em que a Administração faz escolhas pela
qual é responsável, sempre submetidas à ordem jurídica. A apreciação
corresponde ao momento em que a Administração aprecia as circunstâncias de
facto e as valoriza tendo em conta o quadro da aplicação da lei. Por fim, a
decisão que corresponde ao momento em que a Administração toma a decisão final
no caso concreto.
No entanto é necessário
ter-se em conta que em todos os poderes, a Administração tem uma maior ou menor
margem de escolha, correspondente à discricionariedade, e uma maior ou menor
margem de vinculação.
É necessário também
referir que, na lógica tradicional, o poder discricionário estaria balizado por
dois vínculos: o vinculo da competência e o vinculo do fim. Contudo, essa visão
é limitada pois teria de ter em conta também as vinculações autónomas e os
limites do exercício de poder estabelecidas pela própria ordem jurídica. Posto
isto, temos o entendimento que a Administração pode também ser controlada em
todos os elementos vinculados do poder discricionário- sendo este decorrente do
exercício do poder ou das vinculações autónomas decorrentes de uma lei ou dos
princípios gerais do Direito Administrativo.
Sumariando as formas
controle propriamente dito do poder discricionário, este está dividido em
quatro modalidade, na conceção do Professor Freitas do Amaral: controles de
legalidade, controle de mérito, controle jurisdicional e controle
administrativo
O primeiro verifica se a
administração respeitou a lei ou não. Este tanto pode ser feito pelos tribunais
como pela a Administração, mas em ultimo caso é feito pelos tribunais
O segundo é aquele que
visa avaliar o fundamento das decisões da Administração. Só pode ser feito pela
Administração. Neste tipo de controle deve-se ter em conta duas ideias: a ideia
de justiça e a ideia de conveniência.
A terceira é o controle
feito unicamente pelos tribunais
Por último, temos o
controle que compete unicamente aos órgãos administrativos.
Bibliografia:
DIOGO FREITAS DO AMARAL,” Curso de Direito Administrativo”, volume II, 3ª edição
MARCELO REBELO DE SOUSA, ANDRÉ SALGADO DE MATOS, “Direito Administrativo Geral, Tomo I, Dom Quixote, página 180
MARCELLO CAETANO, “Manual de Direito Administrativo , 1979, Tomo I
Ineida Furtado, nº 28175.
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