quinta-feira, 6 de abril de 2017

Os poderes da Administração Pública: O poder vinculado e poder discricionário

Antes de mais, segundo o Professor Marcelo Rebelo de Sousa e o Professor André de Sousa, a discricionariedade é “ liberdade conferida por lei à administração para que esta escolha entre várias alternativas de atuação juridicamente admissíveis”
A distinção entre poder vinculado e poder discricionário insere-se numa lógica do entendimento do poder de legalidade, tendo também uma dimensão histórica. Fazendo referência à infância difícil do Direito Administrativo, encontramos num dos seus pontos a equiparação dos poderes vinculados e poderes discricionários aos atos administrativos (considerando por isso que esses atos poderiam ser de natureza discricionária ou vinculada). E, nessa lógica de pensamento, aos poderes discricionários corresponderia uma realidade onde tudo o que não fosse regulado pela legalidade seria um ato livre de Administração.
Este entendimento liberal dos poderes discricionários levou a que o Professor Marcello Caetano falasse em exceções ao principio da legalidade, referindo-se por isso aos poderes discricionários como “poderes livres do Direito”. Por seu turno, o Professor Vasco Pereira da Silva afirma que este entendimento não faz jus àquilo que é o verdadeiro poder discricionário, na medida em que, estando perante um ou outro poder da Administração, “aquilo que a Administração faz é concretizar a vontade do legislador, a vontade da ordem jurídica, a vontade do Direito no seu conjunto” e, portanto, também o poder discricionário está sob a aba do Direito.
Como já se reparou temos aqui diferentes perspetivas doutrinárias sobre esta questã, sendo que as principais: a perspetiva dos poderes da Administração ou a perspetiva dos atos da Administração.
No que toca à primeira conceção, que de certo é uma conceção tradicional, já referida supra, foi defendida pelo Marcello Caetano em que este afirma que :  “ o poder é vinculado na medida em que o seu exercício está regulado por lei; o poder será discricionário quando o seu exercício fica entregue ao critério do respetivo titular, deixando-lhe liberdade de escolha do procedimento a adotar em cada caso como mais ajustado à realização do interesse público protegido pela norma que o confere”
Na segunda perspetiva, defendida pelo Professor Freitas do Amaral que contribuiu, dando o primeiro, para o entendimento de que também o poder discricionário estaria integrado no âmbito do Direito, temos aqui uma ótica de que realmente o poder discricionário não é uma exceção ao poder de legalidade e que não se poderia também falar em atos discricionários e atos vinculados. Nessa medida, existiriam em qualquer ato administrativo aspetos de natureza vinculativa e aspetos de natureza discricionária. Assim quase todos os atos seriam simultaneamente vinculados e discricionários.
Há aqui uma mudança de paradigma, na medida em que sendo o universo do poder discricionário um universo que era livre principalmente por não estar sujeito ao controlo jurisdicional, com esta conceção passa a ser esse possível esse controlo, na medida em que tendo a Administração tem de cumprir o Direito, o tribunal tem de controlar o modo com esta atua. Isto quer dizer que todos os poderes são suscetíveis de controlo e de apreciação jurisdicional, sendo que a apreciação do poder discricionário é menos intensa do que na do poder vinculado.
Contudo, o Professor Vasco Pereira da Silva concorde em alguns aspetos desta segunda tese do Professor Freitas de Amaral – até porque foi este último um dos impulsionadores desta nova conceção de controlo do poder discricionário, critica o facto deste ainda falar em liberdade de decidir na medida em que não podemos falar em vontades livres da Administração, mas sim em vontades normativas que correspondem à realização do Direito. Portanto, o Professor Vasco Pereira da Silva afirma não existir qualquer liberdade da Administração pois esta atua de acordo com as regras de competência e a sua atuação tem como base o quadro das diferentes leis.
Para alem das outras duas perspetivas, surge uma outra, derivada do Direito Alemão, defendida por Sérvulo Correia. Esta nova conceção faz distinção entre duas modalidades que este diz fazer parte do poder discricionário: a margem de livre decisão e margem de livre apreciação. Quanto a esta perspetiva, o Professor Vasco Pereira da Silva, concorda apesar de depreciar o termo “livre” devidos aos motivos referidos supra.
Muito sucintamente, estas duas modalidades correspondem a dois momentos em que a Administração exerce o poder discricionário, portanto estas dizem respeito à questão de ser saber se se está perante um poder discricionário ou vinculado. No que diz respeito à margem de decisão, esta corresponde à conceção clássica de discricionariedade- em sentido normal-, identificando-se com o final do procedimento, em que a Administração, no caso concreto, vai valorar a situação de acordo com os critérios que correspondem ao exercício do poder discricionário, tendo também uma margem de escolha que corresponde à margem de decisão que nunca é livre pois esta será sempre submetida aos princípios constitucionais. A margem de livre apreciação, por seu turno, é substanciada antes da decisão final, podendo por isso ter uma margem para apreciar o caso no âmbito do exercício dos poderes discricionários.
Finalmente temos a conceção sufragada pelo Professor Vasco Pereira da Silva. Por um lado, este concorda com facto d que não se pode falar em apelas poderes vinculados ou discricionários, como se falava na primeira perspetiva, mas sim dentro de cada um dos poderes distinguir partículas vinculadas e partículas discricionárias de cada um deles, como suscita a posição do Professor Freitas do Amaral. Contudo, numa nova visão um pouco contrária à divisão dos momentos da discricionariedade em dois, vem afirmar que há três momentos que correspondem à ideia de discricionariedade: num primeiro momento, a interpretação; num segundo momento, a apreciação, e num último momento, a decisão. Isto quer dizer que em qualquer situação em que a Administração tenha de atuar procede sempre de acordo com esses momentos.
De forma muito sucinta a interpretação corresponde ao momento em que a Administração faz escolhas pela qual é responsável, sempre submetidas à ordem jurídica. A apreciação corresponde ao momento em que a Administração aprecia as circunstâncias de facto e as valoriza tendo em conta o quadro da aplicação da lei. Por fim, a decisão que corresponde ao momento em que a Administração toma a decisão final no caso concreto.
No entanto é necessário ter-se em conta que em todos os poderes, a Administração tem uma maior ou menor margem de escolha, correspondente à discricionariedade, e uma maior ou menor margem de vinculação.
É necessário também referir que, na lógica tradicional, o poder discricionário estaria balizado por dois vínculos: o vinculo da competência e o vinculo do fim. Contudo, essa visão é limitada pois teria de ter em conta também as vinculações autónomas e os limites do exercício de poder estabelecidas pela própria ordem jurídica. Posto isto, temos o entendimento que a Administração pode também ser controlada em todos os elementos vinculados do poder discricionário- sendo este decorrente do exercício do poder ou das vinculações autónomas decorrentes de uma lei ou dos princípios gerais do Direito Administrativo.
Sumariando as formas controle propriamente dito do poder discricionário, este está dividido em quatro modalidade, na conceção do Professor Freitas do Amaral: controles de legalidade, controle de mérito, controle jurisdicional e controle administrativo
O primeiro verifica se a administração respeitou a lei ou não. Este tanto pode ser feito pelos tribunais como pela a Administração, mas em ultimo caso é feito pelos tribunais
O segundo é aquele que visa avaliar o fundamento das decisões da Administração. Só pode ser feito pela Administração. Neste tipo de controle deve-se ter em conta duas ideias: a ideia de justiça e a ideia de conveniência.
A terceira é o controle feito unicamente pelos tribunais
Por último, temos o controle que compete unicamente aos órgãos administrativos.


Bibliografia:


DIOGO FREITAS DO AMARAL,” Curso de Direito Administrativo”, volume II, 3ª edição
MARCELO REBELO DE SOUSA, ANDRÉ SALGADO DE MATOS, “Direito Administrativo  Geral, Tomo I, Dom Quixote, página 180
MARCELLO CAETANO, “Manual de Direito Administrativo , 1979,  Tomo I 


 Ineida Furtado, nº 28175.




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