sexta-feira, 7 de abril de 2017

Princípio da boa administração
“Afortunadamente para a reputação do senhor de Rênal, o passeio público (…) precisava de uma imensa parede de apoio. (…) Todas as primaveras, as águas das chuvas sulcavam o passeio, abriam lá ravinas e tornavam-no impraticável. Esse inconveniente, sentido por todos, colocou o senhor de Rênal na feliz necessidade de imortalizar a sua administração com uma parede de vinte pés de altura e trinta ou quarenta toesas de comprimento.
O parapeito dessa parede que custou ao senhor de Rênal três viagens a Paris – porque o penúltimo ministro do Interior se declarara inimigo do passeio de Verrières – o parapeito dessa parede eleva-se agora quatro pés acima do solo. E, como para afrontar todos os ministros presentes e passados, estão a guarnecê-la agora com lajes de pedra de cantaria” (O Vermelho e o Negro, Stendhal).

Ao contrário do que aconteceria na cidadezinha de Verrières em que o acolhimento de qualquer inovação proveniente dos pedreiros italianos valeria ao “imprudente construtor uma eterna reputação de estouvado”, o princípio da boa administração tem tido acolhimento favorável na doutrina portuguesa. Trata-se de uma criação tributária do Direito Administrativo italiano que ficou conhecida pela designação de “bom andamento da Administração”. Quanto a nós, a consagração da boa administração no artigo 5.º do CPA de 2015, constitui uma das "inovações significativas" em matéria de princípios que visa acompanhar a evolução verificada no Direito comparado e, acima de tudo, atuar sobre os princípios estruturantes do Direito Administrativo, dado que se tratam de normas-pórtico deste ramo do Direito.
Todavia, e como não podia deixar de ser, a natureza e o valor do princípio da boa administração têm suscitado dúvidas na doutrina. Será um princípio geral de Direito Administrativo? Haverá um dever de boa administração por parte da Administração Pública? Em caso afirmativo, tratar-se-á de um corolário do dever da Administração de prosseguir o interesse público?
Decorre da jurisprudência do TJUE, em virtude do disposto no artigo 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o tratamento deste princípio como direito fundamental dos cidadãos europeus. Por outro lado, resulta do artigo 266.º/1 da Constituição portuguesa, a exigência de prossecução do interesse público por parte da Administração, o que implica que a Administração está incumbida de prosseguir o melhor possível esse interesse, o que corresponde, nada mais nada menos, que uma boa administração.
A solução vertida no novo artigo 5.º do CPA traduz o entendimento da Comissão de revisão de encarar a boa administração como princípio geral, deixando à jurisprudência o encargo de apurar qual é o valor jurídico preciso deste princípio e, especialmente, se haverá ou não, no Direito português, um direito fundamental à boa administração, não deixando, no entanto, de atribuir plena vigência ao conteúdo incluído na nova redação do artigo.
Apesar da curta vigência do atual código, são inúmeras as dúvidas que se colocam a respeito do artigo 5.º, nomeadamente a questão do diálogo com o Direito da União Europeia, a relação entre boa administração e eficiência, bem como a relação entre boa administração e o controlo jurisdicional. Não havendo lugar nesta sede a esclarecer estas questões com o devido rigor, cumpre primeiramente esclarecer o que se deve entender pelos critérios de eficiência, economicidade e celeridade referidos no número 1 do artigo 5.º.
Brevemente, por eficiência deve entender-se que todos os trâmites, medidas e decisões administrativas que se revelem inadequados, desrazoáveis ou impertinentes para prosseguir eficazmente o interesse público devem ser afastados da tomada de decisão em virtude do princípio da boa administração. Veja-se, por exemplo, o disposto nos artigos 59.º e 60.º relativamente ao dever de celeridade e correspondente dever de colaboração por parte dos particulares visados.
Por economicidade deve entender-se que a Administração Pública está incumbida da tarefa da boa gestão dos dinheiros públicos, o que implica que não pode gastar mais do que tem e dever procurar aproveitar o melhor possível, de forma mais produtiva, os recursos de que dispõe, com vista à prossecução do interesse público em causa no caso concreto. Daqui decorre, em especial o dever de fundamentação económica, mormente no que respeita à aprovação de regulamentos que devem ser acompanhados pela demonstração de custos e benefícios da execução do projeto. Para este efeito veja-se o disposto nos artigos 99.º e 60.º/2.
No que toca ao critério da celeridade, este encontra-se visível em diversas disposições do Código, em especial no que se refere ao dever de celeridade na condução do procedimento constante do artigo 59.º, à fixação dos prazos para decisão dos procedimentos (artigo 128.º), cujo incumprimento gera responsabilidade civil nos termos da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, e não só.
Naturalmente que da ponderação casuística podem advir dificuldades em conseguir-se uma observância simultânea dos três critérios em conjunto. Todavia, a maior ou menor dificuldade não obsta a que a Administração faça tudo ao seu alcance para que da ponderação global dos três critérios resulte o respeito pelo princípio da boa administração na aplicação da medida administrativa.
Em jeito de conclusão desta breve exposição, e em consequência direta dela, não será descabido fazer notar a inobservância do disposto no artigo 5.º pelo Presidente da Câmara de Verrières, senhor de Rênal, cuja vontade despótica (nas palavras do autor) e amor exacerbado por muros, conduzem-no a não olhar a meios para atingir os fins - o rendimento e a glória pessoal.

Bibliografia
QUADROS, Fausto de, et alliud, Comentários à revisão do Código do Procedimento Administrativo, Almedina, 2016, pp. 23-30
RAIMUNDO, Miguel Assis, "Os princípios no novo CPA e o princípio da boa administração, em particular", in Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo (coord. Carla Amado Gomes, Fernanda Neves e Tiago Serrão), Lisboa, 2015, pp. 169-206

Natalina Hermano, 28124, Subturma 14



Sem comentários:

Enviar um comentário