domingo, 9 de abril de 2017

O Acto Tácito

No Código de Procedimento Administrativo, vem consagrado, lado a lado com os restantes princípios, no art. 13º, o princípio da decisão. Este princípio diz-nos que a Administração se encontra vinculada de forma permanente, salvo as excepções previstas na lei, ao dever de decisão, estando obrigada a dar resposta a todos os assuntos que lhe forem apresentados e lhe disserem directamente respeito.
Infelizmente, com o campo teórico e deontológico do direito positivo verifica-se frequentemente um choque frontal com o plano prático e ontológico da realidade efectiva. O que, neste caso particular, significa que nem sempre a Administração Pública de facto responde a todos os assuntos que lhe dizem respeito e lhe são submetidos.
Surge então a necessidade de solucionar esta questão. Para tal, e decorrendo do princípio da prossecução do interesse público (previsto no art. 4º C.P.A.) segundo João Caupers, surgiu a noção de omissão juridicamente relevante. Para Marcello Caetano dá-se nestes casos uma presunção legal que constitui um acto, mandando a lei interpretar para a produção de certos efeitos jurídicos a passividade ou silêncio de um órgão administrativo como deferimento ou indeferimento do pedido sobre o qual recaia a obrigação de se pronunciar.
Como pressupostos de que esta passividade ou silêncio dêm origem a um acto tácito administrativo são identificados:
- a solicitação de pronunciação por parte de um interessado à Administração num caso concreto;
- o órgão possuir competência para decidir sobre a matéria em causa;
- o decurso do prazo legal (estabelecido no art. 128º C.P.A.) sem que haja sido tomada uma decisão expressa;
- a lei ou um regulamento atribuam ao silêncio um significado jurídico.


Verificando-se esta necessidade de atribuir à passividade da Administração um significado que pudesse produzir efeitos jurídicos, tornam-se concebíveis dois sistemas.
O primeiro consistiria na atribuição ao acto tácito um valor positivo, equivalendo ao deferimento do pedido do interessado, sendo, portanto um sistema de deferimento tácito. Neste sistema as vantagens são essencialmente aproveitados pelo interessado, já que verá a sua pretensão satisfeita em virtude de simples omissão da Administração. No entanto, verificam-se alguns inconvenientes no que à Administração diz respeito, já que é um sistema indiferente às razões que geram a omissão, nem todas elas fundadas em mera negligência, mas podendo antes tratar-se da falta de titular do órgão com competência para decidir sobre as matérias em causa.
O segundo sistema, que se apelida de sistema de indeferimento tácito, consiste na vertente que se encontra nos antípodas da primeira, onde à omissão da Administração corresponde a atribuição de um valor jurídico negativo equivalendo a um indeferimento do pedido em causa. Este sistema já é, tendencialmente, mais favorável à Administração pois nunca atribui à sua passividade ou silêncio consequências que lhe possam ser desfavoráveis. Já no que aos interessados diz respeito, ainda que o acto tácito venha permitir o uso de mecanismos de garantia contenciosos (que seriam impossíveis de lançar mão sobre não havendo essa atribuição de significado jurídico ao silêncio), acabam por se encontrar numa posição apesar de tudo mais desfavorável face ao primeiro sistema referido.
Nesta breve descrição dos sistemas, cada um corresponde contudo a uma vertente absoluta de ambos, podendo, contudo, estes serem temperados com determinadas disposições e claúsulas que abram excepções ao princípio subjacente ao sistema seu oposto. Como aliás sempre foi o caso em Portugal.
No ordenamento jurídico português previamente à entrada em vigor do primeiro Código de Procedimento Administrativo vigorava o sistema do indeferimento tácito, pontuado por escassas excepções.
Aquando a elaboração do projecto para o primeiro C.P.A. pretendeu-se consagrar os dois sistemas em função da matéria em causa. Contudo, essa opção acabou por não ser a escolhida pelo legislador que preferiu optar por manter como regra geral o indeferimento tácito, apesar de sujeito a um maior número de excepções às quais se aplicaria o deferimento tácito.
Com o Novo Código de Procedimento Administrativo foram trazidas novas alterações acerca desta matéria. Assim, a regra geral presente agora no art. 130º passou a ser efectivamente a do deferimento tácito, mas podendo este verificar-se somente nos casos em que a lei ou regulamento assim o determine, constituindo esta uma limitação a um sistema de deferimento tácito puro.
Quando confrontados com a questão da qualificação do acto tácito de indeferimento em função da sua natureza jurídica, há na doutrina diversas correntes. Para o Professor Marcello Caetano o acto tácito seria um verdadeiro acto administrativo, graças à possibilidade de nele se poder encontrar uma manifestação implicíta da vontade da Administração, que tendo conhecimento da lei, estaria a par da produção de efeitos jurídicos que resultariam da sua omissão. Já para o Professor André Gonçalves Pereira o acto tácito de indeferimento consistiria num simples pressuposto processual da impugnação contenciosa. O Professor Diogo Freitas do Amaral opta por uma posição intermédia considerando o acto tácito menos do que um verdadeiro acto administrativo, mas mais do que um mero pressuposto processual.



Bibliografia
Diogo Freitas do AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 3ª edição 2016
João CAUPERS, Introdução ao Direito Administrativo, 10ª Edição, 2009

Marcello CAETANO, Manual de Direito Administrativo, vol. I


Miguel Romano, nº 28159

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