Da Delegação de Poderes
Esta exposição tem como objectivo abordar o
instituto da delegação de poderes. Como se vislumbram as noções de delegação no
direito público é um dos objectivos, bem como demarcar as alterações relevantes que surgiram com
entrada de CPA de 2015 em comparação com CPA de 1991. Faremos uma breve análise
às várias perspectivas sobre o dever de delegação presente no artigo 55º, nº2
do CPA de 2015, e como ponto final, atentar a sua natureza jurídica.
Breve panorama de delegação de poderes em direito
público
Como já
sabemos o termo delegação pode ser empregado em vários sentidos, segundo o
professor André Gonçalves Pereira, no direito público podemos apreender três
sentidos da delegação. Primeiro a chamada «teoria de delegação de poderes» que
em direito constitucional explica origem do poder politico. Em segundo lugar,
fala-se em delegação de poderes na função legislativa ou na terminologia da
doutrina portuguesa autorização legislativa, esta delegação consiste na
possibilidade da função legislativa ser exercida por um órgão não representativo
(governo) no plano interno. Por fim a delegação que nos cabe aqui estudar, é a
delegação administrativa ou delegação de competências que deve ser estudada na
teoria geral direito (ato) administrativo, quando a lei atribui competências
para a pratica de certo ou certos atos a dois órgãos de uma pessoa coletiva ou
de outras pessoas coletivas diferentes, porém a delegação de poderes depende de
um ato permissivo do delegante para com o delegado.
Noção legal de delegação de poderes
“Os órgãos administrativos normalmente competentes
para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam
habilitados por lei, permitir, através de um ato de delegação de poderes, que
outro órgão ou agente da mesma pessoa coletiva ou outro órgão de diferente
pessoa coletiva pratique atos administrativos sobre a mesma matéria ”
Antes no CPA de 1991 no seu artigo 35nº1 disponha o
seguinte:
“Os órgãos administrativos normalmente competentes
para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam
habilitados por lei, permitir, através de um acto de delegação de poderes, que
outro órgão ou agente pratique atos administrativos sobre a mesma matéria.”
Repare-se que não houve grande evolução entre os
artigos, mas o CPA mais recente, na sua noção permite abranger delegação
intersubjetiva, art.44 nº1 in fine, ou outro órgão de diferente pessoa coletiva
pratique actos administrativos sobre mesma matéria. Este instituto delegação de
poder na sua formulação clássica foi desenhado para a situação de delegação
entre órgãos da mesma pessoa coletiva. Esta pequena alteração que agora se nota
entre os dois artigos vem no sentido de acolher aquilo que a doutrina entendia
que podia acontecer sem estupefação, que é a delegação de poderes
intersubjetiva que não é nada mais de que delegação de poderes entre órgãos de
pessoas coletivas diferentes. Exemplo de delegação de podes entre órgãos de
pessoas coletivas diferente, são os casos em que os membros do governo da tutela, nos conselhos diretivos dos institutos
público ou nos seus presidentes cf. Art.º 21 nº1, 38 nº2 LQIP.
Requisitos de delegação de poder
I. É
preciso que o órgão seja competente para delegar poderes noutro (ou seja, terá
que ser titular da competência para delegar); O órgão delegante tem que ser
competente;
II. É
necessária uma lei de habilitação (por respeito ao princípio da legalidade da
competência) que permita ao delegante delegar; A lei tem de permitir essa
delegação de poderes num outro órgão. Se se permitisse sem mais nem menos a um
órgão delegar haveria uma violação do princípio da legalidade da competência
uma vez que era permitido ao órgão delegante a todo o tempo, renunciar as suas
próprias competências (pelo menos na prática o artigo 36nº1 do C.P.A não
permite tal situação: deve-se entender a competência como algo irrenunciável e
inalienável; É necessária a lei de habilitação que vem permitir uma
desconcentração que não é originária mas sim voluntária (derivada) de
competências;
III. - Têm
de existir dois órgãos nomeadamente: um delegante (competência originária) e
outro delegado (competência derivada)
Requisitos de ato de delegação de poderes (art.47
CPA)
O ato de delegação ou de subdelegação de poderes
deverá:
a) Mencionar
os poderes que são delegados ou subdelegados ou atos que o delegado ou
subdelegado pode praticar cfr. 47 nº1 CPA;
b) Mencionar
a norma atributiva do poder delegado e aquela que habilita o órgão a delegar,
cfr 47 nº1 CPA;
c) Mencionar
as directivas ou instruções vinculativas para o delegado ou subdelegado, sobre
o modo como devem ser exercidos os poderes delegados ou subdelegados cfr. 49
nº1 CPA;
d) Por
fim, ser publicado no Dário da república ou na publicação oficial da entidade
pública, e na internet, no sítio institucional da entidade em causa.
Análise de artigo 55º,nº2 CPA de 2015, dever ou
faculdade de delegação?
“O órgão
competente para a decisão final delega em inferior hierárquico seu, o poder de
direção do procedimento, salvo disposição legal, regulamentar ou estatutária em
contrário ou quando a isso obviarem as condições de serviço ou outras razões
ponderosas, invocadas fundamentadamente no procedimento concreto ou em diretiva
interna respeitante a certos procedimentos”.
No regime anterior, no CPA de 1991, no seu artigo 86º,nº2
dizia o seguinte:
“O órgão competente para a decisão pode delegar a
competência para a direcção da instrução em subordinado seu, excepto nos casos
em que a lei imponha a sua direcção pessoal”.
Sem questionar a benevolência da solução, sob a
nossa perspectiva não estamos perante um dever de delegação, mas antes breve
nota de posição do legislador neste assunto, o pretendido com esta regra é
separação entre o poder de decidir e o poder de conduzir o procedimento, é uma
influência clara do direito Norte-americano. A delegação de poderes é
universalmente concebida como expoente máximo do ato discricionário,
determinada por puras considerações subjetivas de confianças do delegante no
delegado (intuitu personae) que não carecem de qualquer fundamentação ou
substituição para efeito da sua constituição, modificação ou extinção. A
aparente imposição de um dever de delegar a direção do procedimento, assumida
no preâmbulo enquanto tal, parece abrir uma brecha significativa na concepção
geral da delegação de poderes, ao reduzir da forma drástica a disponibilidade
pelo delegante da sua própria competência e o ênfase na sua confiança no
delegado como concausa da delegação – e de forma desnecessária, uma vez que
haveria outros modos de assegurar a pretendida dissociação entre competência
decisiva e competência instrutória.
Denota-se na verdade que aquilo que se afirma no
artigo 55º,nº2 CPA e no preâmbulo, a nosso ver não é uma verdadeira vinculação
legal, mas antes aquilo que a doutrina alemã apelida de discricionariedade dirigida,
em que a lei prescreve uma especificação da atuação administrativa para os
casos padrão e confere uma discricionariedade para atuação administrativa para
casos fora do padrão, cuja determinação fica ela própria dependente de livre
apreciação administrativa. Ora, o problema da utilização da técnica de
discricionariedade dirigida no artigo 55 nº2 CPA reside nas dificuldades,
inerentes à natureza nuclearmente discricionária da delegação de poderes.
Caso o órgão competente para decidir resolver não
delegar o poder a inferior hierárquico para conduzir o procedimento, não
resulta numa incompetência instrutória, porque originariamente aquele órgão é
competente para conduzir instrução procedimental e podem alegar, devido à
discricionariedade, «condições de serviço ou outra razões ponderosas»,
acrescendo o artigo 55º,nº 2 CPA de 2015, que qualifica o ato do procedimento
como sendo interno e sendo assim é insuscetível de constituir requisito de
legalidade da decisão final que venha a ser proferida. Em suma, artigo 55 nº 2
CPA não vai ter a operatividade deseja pelo legislador, a sua violação não tem
consequência, logicamente, sob a nossa perspectiva tudo se passa como se tivesse
na prática a vigência do artigo 86º,nº2 CPA de 1991.
Natureza jurídica da delegação do poder
-A Tese da Autorização (introduzida em Portugal pelo
Professor André Gonçalves Pereira e adoptado pelo Professor Marcello Caetano). Esta
tese defende que não é o ato de delegação que atribui a competência delegável
ao órgão no qual ela pode ocorrer; essa competência já existe, na esfera
jurídica daquele órgão, antes da prática do ato da delegação. Assim sendo,
estamos perante uma situação de competência comum do potencial delegante e do
potencial delegado, no que concerne à competência do potencial delegante é
opcional, pois este pode escolher entre exerce ou permitir que outro órgão a
exerça (potencial delegado), a competência do delegado é condicionada, só podendo
ser exercida mediante prévia emissão de um ato permissivo ao primeiro órgão
(potencial delegante).
-A Tese da Transferência de Competência, segundo
esta corrente doutrinária, a delegação de poder não autoriza o exercício de uma
competência preexistente; antes do ato de delegação, a competência delegável
pertence apenas ao potencial delegante.
A natureza da delegação de poder é, assim, a de um
ato pelo qual o órgão delegante transfere a competência delegável para o delgado.
Esta tese divide-se num binómio:
-A Tese da Transferência do Exercício da Competência,
(Professor Diogo Freitas do Amaral, entre outros), segundo a qual na
transferência do exercício da competência existe uma dissociação entre a
titularidade (ou o gozo) e o exercício da competência. O potencial delegante
detém a plenitude da competência do exercício e, através do ato de delegação,
procede à transferência do mero exercício da competência para o delegado. Por
isso, é que o delegante tem no âmbito de delegação de poder, diversos poderes,
como por exemplo, máxime, poder de extinguir aquela relação jurídica.
-A Tese da Transferência da Competência Plena (Professor
Marcelo Rebelo de Sousa), tem como seu pressuposto básico a rejeição da cisão
entre titularidade e exercício da competência, por lei, o potencial delegante
detém a titularidade e o exercício da competência delegável; pelo ato de
delegação, a competência, na sua plenitude, é transferida para o delegado.
-A Tese de Alargamento da Competência (Professor Paulo
Otero), defende que o acto de delegação tem, assim, o alcance de alargar a
competência do órgão delegado tornando-a plena. Não se trata de uma
autorização, na medida em que o potencial delegado não tem, antes da delegação,
a competência plena. Nem se trata de uma transferência da competência, na
medida em que, através da delegação, o delegante não perde a titularidade ou o
exercício da competência. A delegação é pois um ato permissivo constitutivo da
natureza ampliativa. Durante a vigência de delegação de poder, passa a existir
uma situação de competência alternativa entre delegante e o delegado, podendo
ambos praticar atos de exercício da competência delegada
Em tom conclusivo,
retiram-se vários pontos, como o facto de compreender em si, vários sentidos no
direito público. A noção que consta do artigo 44º,nº1 do CPA de 2015, é mais
abrangente do que do seu antecessor CPA de 1991. Os limites da delegação de
poder, decorrem na maioria das vezes da sua própria natureza. No que concerne
artigo 55º, nº2 do CPA 2015, tendemos a entender que se trata na verdade de uma
faculdade e não de um dever de delegação de procedimento instrutório face ao
inferior hierárquico. A natureza jurídica da delegação de poder é contravertido,
atendendo às distintas teses, a tese da autorização, da transferência, mas
consideramos pelos motivos supracitados que a tese que melhor explica esta
figura é a tese do alargamento ou da ampliação.
Referências
bibliográficas:
ANDRÉ GONÇALVES
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A Natureza Jurídica de Delegação de
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Doutor
SÉRVULO CORREIA, edição
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Artur Montargil, nº
26296