quinta-feira, 1 de junho de 2017

Do Princípio da Boa Administrativo

Do “Princípio da Boa Administração”
O presente trabalho tem por objectivo último, demonstrar a dinâmica do Princípio da boa administração, iniciando a sua travessia por uma inicial explanação do seu conteúdo valorativo, bem como da sua origem, continuando a rota pela passibilidade de sindicância jurisdicional da actuação administrativa sob a luz do agora patente princípio da boa administração, aportando concomitantemente em considerações gerais acerca da sua concretização, considerando os vícios de desvio de poder e usurpação de poderes como possível vislumbre da violação do nomenclado princípio no âmbito nacional, não olvidando outra alusão ao conceito principialista de boa administração provindo do Direito da União Europeia.

O art.5º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº4/2015, de 7 de Janeiro (doravante, CPA), dispõe o seguinte: 
Nº1, “A Administração Pública deve pautar-se por critérios de eficiência, economicidade e celeridade.”
Nº2, “Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração Pública deve ser organizada de modo a aproximar os serviços das populações e de forma não burocratizada.”
Este princípio, é parte integrante de um conjunto de normas-princípio de direito administrativo português, enquanto bloco normativo que visa regular a actividade administrativa. Este conceito principialista de boa administração, decorre da doutrina italiana, e do seu conceito de “bom andamento do procedimento”. Como o próprio conceito originário indica, a sua génese é de cariz procedimental, mas foi adaptada pelo legislador nacional à actividade administrativa de forma geral, o que também permite que se retire, pela simples existência de Administração Pública, de Estado Democrático de Direito, com forte inclinação Social, que esta existe para bem administrar a coisa pública.
Analisando o evoluir do preceito, que tem no Nº2, do art.5º do CPA, o antigo art.10º do CPA, de 1991, com a nomenclatura de “Princípio da desburocratização e eficiência”, denota-se que o intuito normativo no inicial CPA era de cariz organizatório e procedimental, mutando para um comando normativo de sujeição da actividade administrativa. Como se denota, a desburocratização passa para um segundo plano, já a proximidade desejada face às populações (de evolução tendencial) gera-se hoje, através de mais possibilidades, tal é o caso da administração electrónica. Deve ser tido como corolário da actuação administrativa, à luz do princípio da boa administração, a desburocratização e aproximação aos agregados populacionais, tal como consagrado pela Constituição da República Portuguesa (de ora em diante, CRP), art. 267º. O nº1, tipifica os valores que servem de critério para a aferição da prossecução da boa administração, “eficiência, economicidade e celeridade”, que encontram respaldo no texto constitucional, para além de todos os direitos sociais, conferem-se direitos liberdades e garantias, bem como interesses legalmente protegidos, art.266º da CRP, corolários dos princípios aí dispostos, mormente o de Justiça e de boa-fé.
Procederei a uma breve análise dos elementos valorativos que o comportam (eficiência, economicidade, e celeridade), designadamente, o nº1, do art. 5º:
-Eficiência, enquanto valor, pretende padronizar uma actuação de sucesso, mas não excluindo a qualidade dos seus resultados. A eficiência só o é, na medida em que a sua actuação tenha um nível de razoabilidade mínima quanto ao fim que pretende alcançar e quanto aos meios utilizados para tal.
-tratando agora de Economicidade (economia)- este não menos relevante que o primeiro, até porque existe uma linha ténue entre os mesmos,  pois á ideia de eficiência do agir administrativo, surge inerentemente a questão da gestão de recursos (cambiais, humanos, etc) afectados à prossecução do bem comum, o interesse público. Esta afectação não deve ultrapassar um padrão razoável de proporcionalidade entre o bem realizado ou que se pretende realizar, e os danos ou custos que desse agir possam resultar, sejam danos patrimoniais ou lesões sobre interesse dos particulares, tais como a indiferença face a direitos de terceiros. Este valor, engloba certas regras, ou princípios, tais como o princípio de proibição de onerar excessivamente as gerações futuras.
-Celeridade- o qual, não deixa em parte, e no todo, de ser corolário da economicidade (economia), se atentarmos o tempo como um recurso, não propriamente esgotável per si, mas abarcando inevitável finitude para quem dele “usufrui”, esta visão, na perspectiva de “Razão do Estado”, os administrados, (pois o Estado enquanto “pessoa moral” é como que imortal), comporta a visão de que devem os contribuintes usufruir daquilo para que contribuíram (não de forma estática, pois isso seria uma não mundividência, uma visão demasiado redutora, excluindo a título exemplificativo o Fundo de Pensões). Concretizando, não deverá a função administrativa alocada a prosseguir determinado fim, ocupar ou gastar recursos por um período temporal excessivo, face ao fim que pretende alcançar, sob pena de que tal actuação, mais concretamente, tal resultado, frustrar o princípio da boa administração, demonstrando-se improporcional face à relação entre meios e fim, entre recursos e resultado, de modo a que a actuação administrativa se torne anacrónica.
Pequena incursão do princípio de boa administração, art. 41º CDFUE em comparação ao que foi exposto:
Enquanto que um princípio tem um âmbito procedimental (DUE), o outro revela-se incisivo face ao agir administrativo (controlo intra-administrativo, âmbito nacional). Mas esta disposição normativa, é de origem escandinava, que vê este princípio para além disso mesmo, vê-o também como direito subjectivo a um tratamento segundo parâmetros de legalidade, em que se demarca da perspectiva tida face à visão romano-britânica. Face aos particulares existem duas perspectivas distintas, uma firmada pela Professora Klara Kanska, que o nega derivado da letra da lei, bem como pela falta de “standards procedimentais”; sob a óptica de outra perspectiva, apoiada pelos Professores Denys Simon, Luca Perfetti, Loïc Azoulai, em que defendem a interpretação sistemática dos artigos 41º e 51º/nº1, afirmando que afectam as instituições de âmbito interno aquando da aplicação de Direito da União Europeia no foro nacional.

A administração pública portuguesa, como ponto culminante do agir administrativo, contém um complexo normativo de princípios que abarcam, pelo seu cariz abstrato, uma panóplia de hipotéticas realidades jurídicas incomensuráveis, podendo mesmo existir fronteiras deveras ténues, caso de tal situação é a existência do princípio da proporcionalidade e o princípio da boa administração. 
Em razão dos interesses prosseguidos pela administração pública, existem vários conflitos entre administração e particulares, pois, inevitavelmente têm interesses distintos. Consequentemente, pergunta-se perante uma situação concreta, se tem o particular possibilidade de sindicar o dito princípio junto dos tribunais administrativos?
Esta pergunta, comporta em si várias questões. Em segundo lugar questiona-se se o próprio tribunal pode conhecer ou averiguar desta violação, tendo em conta o princípio da separação de poderes que serve de critério de distribuição racional das funções do Estado pelos seus órgãos, e se se trata de uma questão de mérito e não de legalidade?

Numa primeira perspectiva, suportada pela maioria da doutrina, nos quais se englobam os Professores Freitas do Amaral, Marcelo Rebelo de Sousa e Mário Aroso de Almeida o “dever” de boa administração têm apenas relevância intra-administrativa, sendo o seu cumprimento ou incumprimento insidicável pelos tribunais por se situar na esfera do mérito da actuação administrativa.
Numa segunda perspectiva, defendida pelo Professor Miguel Assis Raimundo, o princípio da boa administração num sentido de eficiência, é passível de ser sindicado jurisdicionalmente. Pois atende o valor da eficiência como algo que não se inclui no âmbito nuclear do mérito, mas trata-o como se estivesse, pelo que torna a posição um tanto ou quanto incongruente, salvo as devidas vénias.
Sob a minha perspectiva, concordo que o âmbito do valor eficiência seja considerado relativo ao núcleo do mérito, e quase que dele indissociável. Todavia, considero que o Direito não tem capacidade tão limitada, pelo que torna-lo redutor é um erro para o qual não comparticipo.
Considerando pela via hipotética, que existe em determinado órgão que actua com vício de desvio ou usurpação de poderes, como dois vícios dependentes de uma errada ou deturpada cognoscibilidade dos ditos e coarctados poderes, e relevando também a posição de quem exerce funções hierárquicas superiores que englobem controlo sob os já citados inferiores hierárquicos, e caso exista uma falha desse controlo intra-administrativo considero que a falha desse controlo é passível de ser sindicada jurisdicionalmente, pelo que não vejo porque não existirá aí, também a possibilidade de arguição com base no princípio da boa-administração. A uma primeira vista é clarividente que tal violação é parte integrante do núcleo da legalidade, mas atendendo ao seu âmbito geral, se se demonstrar que o dito superior hierárquico poderia ter ministrado melhor o dito controlo, comparativamente a precedentes do agir administrativo, considero que não existe oposição alguma a que seja invocável.

Notais finais:
O legislador português não inovou propriamente tendo em conta que este princípio tem a sua origem em Itália, mas contudo este princípio a nosso ver já fazia parte da administração de forma implícita, porque administração pública tem que administrar os recursos da melhor forma possível, só assim pensamos nós que se prossegue da melhor forma o interesse público.

Concretizando, considero que existe margem para a sua invocação jurisdicional, se bem, que arguir tal norma principialista é trabalho de elevada minúcia, mas não impossível. É de relativa facilidade que se depreende que o seu “habitat natural” é no seio da administração, esse é o seu principal objectivo conformador enquanto norma jurídica, moldar a actuação intra-administrativa. Mas em último caso e perante uma violação escandalosa, pensamos que pode ser invocado a violação do princípio-norma em caso.

Referências Bibliográficas:
OTERO, Paulo, Direito do Procedimento Administrativo, Coimbra, 3ª, editora Almedina,2016, pp.106-110;
 ALMEIDA, Mário Aroso De, Teoria Geral do Direito Administrativo, o novo regime do código do procedimento administrativo, Coimbra,3ª, Editora Almedina, 2015,pp.55-75;
RAIMUNDO, Miguel Assis, os princípios no novo CPA e o princípio da boa administração, em particular, «in comentário ao novo código do procedimento Administrativo, Coord. Carla Amado & Ana Fernanda Neves& Tiago Serrão» Lisboa, 2ª, editora AAFDL,2015, pp.169-206;

BASTOS, Filipe Brito, Autonomia Institucional e Anticomunitariedade de Actos Administrativos Nacionais: uma perspetiva portuguesa num contexto pós-Lisboa, Rev, Direito & Política, Diário Bordo Editores- Loures, 2013,pp.22-55;

Artur Montargil, nº26296

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