Do
“Princípio da Boa Administração”
O presente trabalho tem
por objectivo último, demonstrar a dinâmica do Princípio da boa administração,
iniciando a sua travessia por uma inicial explanação do seu conteúdo
valorativo, bem como da sua origem, continuando a rota pela passibilidade de
sindicância jurisdicional da actuação administrativa sob a luz do agora patente
princípio da boa administração, aportando concomitantemente em considerações
gerais acerca da sua concretização, considerando os vícios de desvio de poder e
usurpação de poderes como possível vislumbre da violação do nomenclado
princípio no âmbito nacional, não olvidando outra alusão ao conceito
principialista de boa administração provindo do Direito da União Europeia.
O art.5º do Código do
Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº4/2015, de 7 de
Janeiro (doravante, CPA), dispõe o seguinte:
Nº1, “A Administração
Pública deve pautar-se por critérios de eficiência, economicidade e
celeridade.”
Nº2, “Para efeitos do
disposto no número anterior, a Administração Pública deve ser organizada de
modo a aproximar os serviços das populações e de forma não burocratizada.”
Este princípio, é parte
integrante de um conjunto de normas-princípio de direito administrativo
português, enquanto bloco normativo que visa regular a actividade
administrativa. Este conceito principialista de boa administração, decorre da
doutrina italiana, e do seu conceito de “bom andamento do procedimento”. Como o
próprio conceito originário indica, a sua génese é de cariz procedimental, mas
foi adaptada pelo legislador nacional à actividade administrativa de forma
geral, o que também permite que se retire, pela simples existência de
Administração Pública, de Estado Democrático de Direito, com forte inclinação
Social, que esta existe para bem administrar a coisa pública.
Analisando o evoluir do
preceito, que tem no Nº2, do art.5º do CPA, o antigo art.10º do CPA, de 1991,
com a nomenclatura de “Princípio da desburocratização e eficiência”, denota-se
que o intuito normativo no inicial CPA era de cariz organizatório e
procedimental, mutando para um comando normativo de sujeição da actividade
administrativa. Como se denota, a desburocratização passa para um segundo
plano, já a proximidade desejada face às populações (de evolução tendencial)
gera-se hoje, através de mais possibilidades, tal é o caso da administração
electrónica. Deve ser tido como corolário da actuação administrativa, à luz do
princípio da boa administração, a desburocratização e aproximação aos agregados
populacionais, tal como consagrado pela Constituição da República Portuguesa
(de ora em diante, CRP), art. 267º. O nº1, tipifica os valores que servem de
critério para a aferição da prossecução da boa administração, “eficiência,
economicidade e celeridade”, que encontram respaldo no texto constitucional,
para além de todos os direitos sociais, conferem-se direitos liberdades e
garantias, bem como interesses legalmente protegidos, art.266º da CRP,
corolários dos princípios aí dispostos, mormente o de Justiça e de boa-fé.
Procederei a uma breve
análise dos elementos valorativos que o comportam (eficiência, economicidade, e
celeridade), designadamente, o nº1, do art. 5º:
-Eficiência, enquanto
valor, pretende padronizar uma actuação de sucesso, mas não excluindo a
qualidade dos seus resultados. A eficiência só o é, na medida em que a sua actuação
tenha um nível de razoabilidade mínima quanto ao fim que pretende alcançar e
quanto aos meios utilizados para tal.
-tratando agora de
Economicidade (economia)- este não menos relevante que o primeiro, até porque
existe uma linha ténue entre os mesmos,
pois á ideia de eficiência do agir administrativo, surge inerentemente a
questão da gestão de recursos (cambiais, humanos, etc) afectados à prossecução
do bem comum, o interesse público. Esta afectação não deve ultrapassar um
padrão razoável de proporcionalidade entre o bem realizado ou que se pretende
realizar, e os danos ou custos que desse agir possam resultar, sejam danos
patrimoniais ou lesões sobre interesse dos particulares, tais como a
indiferença face a direitos de terceiros. Este valor, engloba certas regras, ou
princípios, tais como o princípio de proibição de onerar excessivamente as
gerações futuras.
-Celeridade- o qual,
não deixa em parte, e no todo, de ser corolário da economicidade (economia), se
atentarmos o tempo como um recurso, não propriamente esgotável per si, mas
abarcando inevitável finitude para quem dele “usufrui”, esta visão, na
perspectiva de “Razão do Estado”, os administrados, (pois o Estado enquanto
“pessoa moral” é como que imortal), comporta a visão de que devem os contribuintes
usufruir daquilo para que contribuíram (não de forma estática, pois isso seria
uma não mundividência, uma visão demasiado redutora, excluindo a título
exemplificativo o Fundo de Pensões). Concretizando, não deverá a função
administrativa alocada a prosseguir determinado fim, ocupar ou gastar recursos
por um período temporal excessivo, face ao fim que pretende alcançar, sob pena
de que tal actuação, mais concretamente, tal resultado, frustrar o princípio da
boa administração, demonstrando-se improporcional face à relação entre meios e
fim, entre recursos e resultado, de modo a que a actuação administrativa se
torne anacrónica.
Pequena
incursão do princípio de boa administração, art. 41º CDFUE em comparação ao que
foi exposto:
Enquanto que um
princípio tem um âmbito procedimental (DUE), o outro revela-se incisivo face ao
agir administrativo (controlo intra-administrativo, âmbito nacional). Mas esta
disposição normativa, é de origem escandinava, que vê este princípio para além
disso mesmo, vê-o também como direito subjectivo a um tratamento segundo
parâmetros de legalidade, em que se demarca da perspectiva tida face à visão
romano-britânica. Face aos particulares existem duas perspectivas distintas,
uma firmada pela Professora Klara Kanska, que o nega derivado da letra da lei,
bem como pela falta de “standards procedimentais”; sob a óptica de outra
perspectiva, apoiada pelos Professores Denys Simon, Luca Perfetti, Loïc
Azoulai, em que defendem a interpretação sistemática dos artigos 41º e 51º/nº1,
afirmando que afectam as instituições de âmbito interno aquando da aplicação de
Direito da União Europeia no foro nacional.
A administração pública
portuguesa, como ponto culminante do agir administrativo, contém um complexo
normativo de princípios que abarcam, pelo seu cariz abstrato, uma panóplia de
hipotéticas realidades jurídicas incomensuráveis, podendo mesmo existir
fronteiras deveras ténues, caso de tal situação é a existência do princípio da
proporcionalidade e o princípio da boa administração.
Em razão dos interesses
prosseguidos pela administração pública, existem vários conflitos entre
administração e particulares, pois, inevitavelmente têm interesses distintos.
Consequentemente, pergunta-se perante uma situação concreta, se tem o
particular possibilidade de sindicar o dito princípio junto dos tribunais
administrativos?
Esta pergunta, comporta
em si várias questões. Em segundo lugar questiona-se se o próprio tribunal pode
conhecer ou averiguar desta violação, tendo em conta o princípio da separação
de poderes que serve de critério de distribuição racional das funções do Estado
pelos seus órgãos, e se se trata de uma questão de mérito e não de legalidade?
Numa primeira
perspectiva, suportada pela maioria da doutrina, nos quais se englobam os
Professores Freitas do Amaral, Marcelo Rebelo de Sousa e Mário Aroso de Almeida
o “dever” de boa administração têm apenas relevância intra-administrativa,
sendo o seu cumprimento ou incumprimento insidicável pelos tribunais por se
situar na esfera do mérito da actuação administrativa.
Numa segunda
perspectiva, defendida pelo Professor Miguel Assis Raimundo, o princípio da boa
administração num sentido de eficiência, é passível de ser sindicado
jurisdicionalmente. Pois atende o valor da eficiência como algo que não se inclui
no âmbito nuclear do mérito, mas trata-o como se estivesse, pelo que torna a
posição um tanto ou quanto incongruente, salvo as devidas vénias.
Sob a minha
perspectiva, concordo que o âmbito do valor eficiência seja considerado
relativo ao núcleo do mérito, e quase que dele indissociável. Todavia,
considero que o Direito não tem capacidade tão limitada, pelo que torna-lo
redutor é um erro para o qual não comparticipo.
Considerando pela via
hipotética, que existe em determinado órgão que actua com vício de desvio ou
usurpação de poderes, como dois vícios dependentes de uma errada ou deturpada
cognoscibilidade dos ditos e coarctados poderes, e relevando também a posição
de quem exerce funções hierárquicas superiores que englobem controlo sob os já
citados inferiores hierárquicos, e caso exista uma falha desse controlo
intra-administrativo considero que a falha desse controlo é passível de ser
sindicada jurisdicionalmente, pelo que não vejo porque não existirá aí, também
a possibilidade de arguição com base no princípio da boa-administração. A uma
primeira vista é clarividente que tal violação é parte integrante do núcleo da
legalidade, mas atendendo ao seu âmbito geral, se se demonstrar que o dito
superior hierárquico poderia ter ministrado melhor o dito controlo,
comparativamente a precedentes do agir administrativo, considero que não existe
oposição alguma a que seja invocável.
Notais finais:
O legislador português
não inovou propriamente tendo em conta que este princípio tem a sua origem em
Itália, mas contudo este princípio a nosso ver já fazia parte da administração
de forma implícita, porque administração pública tem que administrar os
recursos da melhor forma possível, só assim pensamos nós que se prossegue da
melhor forma o interesse público.
Concretizando,
considero que existe margem para a sua invocação jurisdicional, se bem, que
arguir tal norma principialista é trabalho de elevada minúcia, mas não
impossível. É de relativa facilidade que se depreende que o seu “habitat
natural” é no seio da administração, esse é o seu principal objectivo
conformador enquanto norma jurídica, moldar a actuação intra-administrativa.
Mas em último caso e perante uma violação escandalosa, pensamos que pode ser
invocado a violação do princípio-norma em caso.
Referências
Bibliográficas:
OTERO, Paulo, Direito do Procedimento
Administrativo, Coimbra, 3ª, editora Almedina,2016, pp.106-110;
ALMEIDA, Mário Aroso De, Teoria Geral do Direito Administrativo, o novo regime do código do
procedimento administrativo, Coimbra,3ª, Editora Almedina, 2015,pp.55-75;
RAIMUNDO, Miguel Assis,
os princípios no novo CPA e o princípio
da boa administração, em particular, «in comentário ao novo código do procedimento Administrativo, Coord.
Carla Amado & Ana Fernanda Neves& Tiago Serrão» Lisboa, 2ª, editora
AAFDL,2015, pp.169-206;
BASTOS, Filipe Brito, Autonomia Institucional e Anticomunitariedade
de Actos Administrativos Nacionais: uma perspetiva portuguesa num contexto
pós-Lisboa, Rev, Direito & Política, Diário Bordo Editores- Loures, 2013,pp.22-55;
Artur Montargil, nº26296
Artur Montargil, nº26296
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