sábado, 3 de junho de 2017

Da Delegação De Poderes


Da Delegação de Poderes

Esta exposição tem como objectivo abordar o instituto da delegação de poderes. Como se vislumbram as noções de delegação no direito público é um dos objectivos, bem como demarcar as alterações relevantes que surgiram com entrada de CPA de 2015 em comparação com CPA de 1991. Faremos uma breve análise às várias perspectivas sobre o dever de delegação presente no artigo 55º, nº2 do CPA de 2015, e como ponto final, atentar a sua natureza jurídica.

Breve panorama de delegação de poderes em direito público

Como já sabemos o termo delegação pode ser empregado em vários sentidos, segundo o professor André Gonçalves Pereira, no direito público podemos apreender três sentidos da delegação. Primeiro a chamada «teoria de delegação de poderes» que em direito constitucional explica origem do poder politico. Em segundo lugar, fala-se em delegação de poderes na função legislativa ou na terminologia da doutrina portuguesa autorização legislativa, esta delegação consiste na possibilidade da função legislativa ser exercida por um órgão não representativo (governo) no plano interno. Por fim a delegação que nos cabe aqui estudar, é a delegação administrativa ou delegação de competências que deve ser estudada na teoria geral direito (ato) administrativo, quando a lei atribui competências para a pratica de certo ou certos atos a dois órgãos de uma pessoa coletiva ou de outras pessoas coletivas diferentes, porém a delegação de poderes depende de um ato permissivo do delegante para com o delegado.

Noção legal de delegação de poderes

“Os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um ato de delegação de poderes, que outro órgão ou agente da mesma pessoa coletiva ou outro órgão de diferente pessoa coletiva pratique atos administrativos sobre a mesma matéria ”

Antes no CPA de 1991 no seu artigo 35nº1 disponha o seguinte:

“Os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um acto de delegação de poderes, que outro órgão ou agente pratique atos administrativos sobre a mesma matéria.”
Repare-se que não houve grande evolução entre os artigos, mas o CPA mais recente, na sua noção permite abranger delegação intersubjetiva, art.44 nº1 in fine, ou outro órgão de diferente pessoa coletiva pratique actos administrativos sobre mesma matéria. Este instituto delegação de poder na sua formulação clássica foi desenhado para a situação de delegação entre órgãos da mesma pessoa coletiva. Esta pequena alteração que agora se nota entre os dois artigos vem no sentido de acolher aquilo que a doutrina entendia que podia acontecer sem estupefação, que é a delegação de poderes intersubjetiva que não é nada mais de que delegação de poderes entre órgãos de pessoas coletivas diferentes. Exemplo de delegação de podes entre órgãos de pessoas coletivas diferente, são os casos em que os membros do governo da  tutela, nos conselhos diretivos dos institutos público ou nos seus presidentes cf. Art.º 21 nº1, 38 nº2  LQIP.

Requisitos de delegação de poder

I.         É preciso que o órgão seja competente para delegar poderes noutro (ou seja, terá que ser titular da competência para delegar); O órgão delegante tem que ser competente;
II.        É necessária uma lei de habilitação (por respeito ao princípio da legalidade da competência) que permita ao delegante delegar; A lei tem de permitir essa delegação de poderes num outro órgão. Se se permitisse sem mais nem menos a um órgão delegar haveria uma violação do princípio da legalidade da competência uma vez que era permitido ao órgão delegante a todo o tempo, renunciar as suas próprias competências (pelo menos na prática o artigo 36nº1 do C.P.A não permite tal situação: deve-se entender a competência como algo irrenunciável e inalienável; É necessária a lei de habilitação que vem permitir uma desconcentração que não é originária mas sim voluntária (derivada) de competências;
III.      - Têm de existir dois órgãos nomeadamente: um delegante (competência originária) e outro delegado (competência derivada)

Requisitos de ato de delegação de poderes (art.47 CPA)

O ato de delegação ou de subdelegação de poderes deverá:
a)         Mencionar os poderes que são delegados ou subdelegados ou atos que o delegado ou subdelegado pode praticar cfr. 47 nº1 CPA;
b)         Mencionar a norma atributiva do poder delegado e aquela que habilita o órgão a delegar, cfr 47 nº1 CPA;
c)         Mencionar as directivas ou instruções vinculativas para o delegado ou subdelegado, sobre o modo como devem ser exercidos os poderes delegados ou subdelegados cfr. 49 nº1 CPA;
d)        Por fim, ser publicado no Dário da república ou na publicação oficial da entidade pública, e na internet, no sítio institucional da entidade em causa.

Análise de artigo 55º,nº2 CPA de 2015, dever ou faculdade de delegação?

 “O órgão competente para a decisão final delega em inferior hierárquico seu, o poder de direção do procedimento, salvo disposição legal, regulamentar ou estatutária em contrário ou quando a isso obviarem as condições de serviço ou outras razões ponderosas, invocadas fundamentadamente no procedimento concreto ou em diretiva interna respeitante a certos procedimentos”.

No regime anterior, no CPA de 1991, no seu artigo 86º,nº2 dizia o seguinte:

“O órgão competente para a decisão pode delegar a competência para a direcção da instrução em subordinado seu, excepto nos casos em que a lei imponha a sua direcção pessoal”.
Sem questionar a benevolência da solução, sob a nossa perspectiva não estamos perante um dever de delegação, mas antes breve nota de posição do legislador neste assunto, o pretendido com esta regra é separação entre o poder de decidir e o poder de conduzir o procedimento, é uma influência clara do direito Norte-americano. A delegação de poderes é universalmente concebida como expoente máximo do ato discricionário, determinada por puras considerações subjetivas de confianças do delegante no delegado (intuitu personae) que não carecem de qualquer fundamentação ou substituição para efeito da sua constituição, modificação ou extinção. A aparente imposição de um dever de delegar a direção do procedimento, assumida no preâmbulo enquanto tal, parece abrir uma brecha significativa na concepção geral da delegação de poderes, ao reduzir da forma drástica a disponibilidade pelo delegante da sua própria competência e o ênfase na sua confiança no delegado como concausa da delegação – e de forma desnecessária, uma vez que haveria outros modos de assegurar a pretendida dissociação entre competência decisiva e competência instrutória.
Denota-se na verdade que aquilo que se afirma no artigo 55º,nº2 CPA e no preâmbulo, a nosso ver não é uma verdadeira vinculação legal, mas antes aquilo que a doutrina alemã apelida de discricionariedade dirigida, em que a lei prescreve uma especificação da atuação administrativa para os casos padrão e confere uma discricionariedade para atuação administrativa para casos fora do padrão, cuja determinação fica ela própria dependente de livre apreciação administrativa. Ora, o problema da utilização da técnica de discricionariedade dirigida no artigo 55 nº2 CPA reside nas dificuldades, inerentes à natureza nuclearmente discricionária da delegação de poderes.
Caso o órgão competente para decidir resolver não delegar o poder a inferior hierárquico para conduzir o procedimento, não resulta numa incompetência instrutória, porque originariamente aquele órgão é competente para conduzir instrução procedimental e podem alegar, devido à discricionariedade, «condições de serviço ou outra razões ponderosas», acrescendo o artigo 55º,nº 2 CPA de 2015, que qualifica o ato do procedimento como sendo interno e sendo assim é insuscetível de constituir requisito de legalidade da decisão final que venha a ser proferida. Em suma, artigo 55 nº 2 CPA não vai ter a operatividade deseja pelo legislador, a sua violação não tem consequência, logicamente, sob a nossa perspectiva tudo se passa como se tivesse na prática a vigência do artigo 86º,nº2 CPA de 1991.

Natureza jurídica da delegação do poder

-A Tese da Autorização (introduzida em Portugal pelo Professor André Gonçalves Pereira e adoptado pelo Professor Marcello Caetano). Esta tese defende que não é o ato de delegação que atribui a competência delegável ao órgão no qual ela pode ocorrer; essa competência já existe, na esfera jurídica daquele órgão, antes da prática do ato da delegação. Assim sendo, estamos perante uma situação de competência comum do potencial delegante e do potencial delegado, no que concerne à competência do potencial delegante é opcional, pois este pode escolher entre exerce ou permitir que outro órgão a exerça (potencial delegado), a competência do delegado é condicionada, só podendo ser exercida mediante prévia emissão de um ato permissivo ao primeiro órgão (potencial delegante).

-A Tese da Transferência de Competência, segundo esta corrente doutrinária, a delegação de poder não autoriza o exercício de uma competência preexistente; antes do ato de delegação, a competência delegável pertence apenas ao potencial delegante.
A natureza da delegação de poder é, assim, a de um ato pelo qual o órgão delegante transfere a competência delegável para o delgado. Esta tese divide-se num binómio:

-A Tese da Transferência do Exercício da Competência, (Professor Diogo Freitas do Amaral, entre outros), segundo a qual na transferência do exercício da competência existe uma dissociação entre a titularidade (ou o gozo) e o exercício da competência. O potencial delegante detém a plenitude da competência do exercício e, através do ato de delegação, procede à transferência do mero exercício da competência para o delegado. Por isso, é que o delegante tem no âmbito de delegação de poder, diversos poderes, como por exemplo, máxime, poder de extinguir aquela relação jurídica.

-A Tese da Transferência da Competência Plena (Professor Marcelo Rebelo de Sousa), tem como seu pressuposto básico a rejeição da cisão entre titularidade e exercício da competência, por lei, o potencial delegante detém a titularidade e o exercício da competência delegável; pelo ato de delegação, a competência, na sua plenitude, é transferida para o delegado.

-A Tese de Alargamento da Competência (Professor Paulo Otero), defende que o acto de delegação tem, assim, o alcance de alargar a competência do órgão delegado tornando-a plena. Não se trata de uma autorização, na medida em que o potencial delegado não tem, antes da delegação, a competência plena. Nem se trata de uma transferência da competência, na medida em que, através da delegação, o delegante não perde a titularidade ou o exercício da competência. A delegação é pois um ato permissivo constitutivo da natureza ampliativa. Durante a vigência de delegação de poder, passa a existir uma situação de competência alternativa entre delegante e o delegado, podendo ambos praticar atos de exercício da competência delegada

Em tom conclusivo, retiram-se vários pontos, como o facto de compreender em si, vários sentidos no direito público. A noção que consta do artigo 44º,nº1 do CPA de 2015, é mais abrangente do que do seu antecessor CPA de 1991. Os limites da delegação de poder, decorrem na maioria das vezes da sua própria natureza. No que concerne artigo 55º, nº2 do CPA 2015, tendemos a entender que se trata na verdade de uma faculdade e não de um dever de delegação de procedimento instrutório face ao inferior hierárquico. A natureza jurídica da delegação de poder é contravertido, atendendo às distintas teses, a tese da autorização, da transferência, mas consideramos pelos motivos supracitados que a tese que melhor explica esta figura é a tese do alargamento ou da ampliação.

Referências bibliográficas:

ANDRÉ GONÇALVES PERREIRA, Da delegação de poderes em direito administrativo, Coimbra, editora Coimbra,1960 pp. 6-29;

VASCO PEREIRA DA SILVA, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Coimbra, livraria almedina, 1996, pp.57-59; 92-94;

ANDRÉ SALGADO DE MATOS, «A delegação de poderes» in Carla Amado Gomes & Ana Fernanda Neves & Tiago Serrão (coord) Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo, 2ª Edição, Lisboa, AAFDL editora, 2015,pp.301-319;

MARCELO REBELO DE SOUSA & ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Atividade Administrativa, Tomo III, 2ª Edição, Alfragide, Dom Quixote, 2010, pp.201-204;

MARIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral de Direito Administrativo, O Novo Regime do Codigo do Procedimento Administrativo, Coimbra, 3ª edição, Edições Almedina, 2015,pp. 91-92;

PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, o sentido da vinculação administrativa à juridicidade, 2ª reimpressão, Coimbra, Edições Almedina, 2011,pp.875-881;

ANDRÉ SALGADO DE MATOS, A Natureza Jurídica de Delegação de Poderes: Uma Reapreciação, SEPARATA de estudos em homenagem ao professor Doutor
SÉRVULO CORREIA, edição da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra editora, 2010, pp.119-160;




Artur Montargil, nº 26296

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