sábado, 15 de abril de 2017

Princípio da Imparcialidade




Introduzo este trabalho através da delimitação do conceito de “imparcial”, sendo este, a situação em que terceiro não toma o partido de nenhuma das partes em contenda. Ou seja, se há duas partes em contenda e vem um terceiro procurar separá-las, ou dizer quem tem razão, esse terceiro, para ter autoridade e ser respeitado pelos contendores, tem de ser imparcial – o que significa que tem de estar numa posição fora e acima das partes (super partes). Assim sendo, é possível referir a imagem da Justiça, na medida que, esta se apresenta com uma venda nos olhos, venda esta que procura representar a ideia de que a justiça deve ser cega, ou seja, não deve determinar-se em função da amizade ou da inimizade para com qualquer das partes.
Este princípio está legalmente previsto no art. 9º CPA, que impõe, de forma sintética, que os órgãos e agentes administrativos ajam de forma isenta e equidistante relativamente aos interesses em jogo nas situações que devem decidir ou sobre as quais se pronunciem sem carácter decisório.
Deste modo, podemos resumir o princípio da imparcialidade a duas vertentes distintas:
a)    Vertente Negativa
Por um lado, a imparcialidade pode ser traduzida na ideia de que os titulares de órgãos e os agentes da Administração Pública estão impedidos de intervir em procedimentos, atos ou contratos que digam respeito a questões do seu interesse pessoal ou da sua família, ou de pessoas com quem tenham relações económicas em especial proximidade, a fim de que não possa suspeitar-se da isenção ou retidão da sua conduta. Esta vertente encontra-se regulada nos art. 69.º a 76.º CPA.
Este regime distingue dois tipos de situações: por um lado, as situações de impedimento; por outro, as situações de suspeição. Assim sendo, as situações de impedimento serão mais graves do que os qualificados como situações de suspeição.
A grande diferença entre as duas situações será o facto de, havendo uma situação de impedimento, é obrigatória por lei a substituição do órgão ou agente administrativo normalmente competente por outro, que tomará a decisão no seu lugar; enquanto que, na situação de suspeição, a substituição não será (automaticamente) obrigatória, sendo apenas possível, tendo esta de ser requerida pelo próprio órgão ou agente, que pede escusa, de participar naquele procedimento, ou pelo particular que opõe uma suspeição àquele órgão ou agente e pede a sua substituição por outro.
Por um lado, o art. 69.º/1 CPA enumera as várias situações de impedimento, não havendo base legal quanto às situações de suspeição.
De acordo com a opinião do Prof. Diogo Freitas do Amaral, a expressão legal “não podem intervir no procedimento” deverá ser entendida enquanto proibição meramente às intervenções que se traduzam na decisão, ou em ato que influencie significativamente a decisão em certo sentido; serão lícitas as intervenções totalmente neutras, como as que se limitam a mandar agendar o assunto para outra altura, ou seja, as situações enumeradas pelo art. 69.º/2 CPA.
Deste modo, um órgão ou agente tem o dever jurídico de se considerar impedido sempre que esteja numa das situações que a lei prevê como situações de impedimento; e deve comunica-lo imediatamente ao seu superior hierárquico ou ao órgão colegial a que pertença ou de que dependa. E estes órgãos, conforme os casos, tomarão a decisão sobre se há ou não impedimento (art. 70.º CPA). Se não houver impedimento, morre ali o problema e o órgão ou agente em causa tem legitimidade para decidir a questão sobre a qual se suscitou a duvida; no entanto, se for declarado que há impedimento, então ele é imediatamente substituído legal, salvo se, como afirma o art. 72.º CPA, órgão competente para o efeito resolver avocar a decisão.
Por outro lado, em caso de suspeição, a lei dá ao órgão ou agente administrativo o direito de pedir escusa de intervenção naquele procedimento, assim como dá aos particulares interessados no procedimento o direito de oporem suspeição ao órgão normalmente competente, pedindo a sua substituição.
Por fim, quanto às respetivas sanções que a lei impõe para o desrespeito das normas vigentes sobre garantias da imparcialidade, por um lado, todos os atos administrativos e contratos da Administração Pública em que intervenha um órgão ou agente impedido de intervir, ou em relação ao qual tenha sido declarada suspeição, serão anuláveis (art. 76.º/1 CPA), sendo assim, atos ilegais feridos de uma anulabilidade. Por outro lado, todo o órgão ou agente administrativo que não comunique a quem de direito uma situação de impedimento em que se encontre comete falta disciplinar grave (art. 76./1 CPA).
b)    Vertente Positiva
A imparcialidade aparece como significando o dever de ponderar todos os interesses públicos secundários e os interesses privados legítimos, equacionáveis para o efeito de certa decisão, antes da sua adoção. Neste segundo plano, devem considerar-se parciais os atos ou comportamentos que manifestamente não resultem de uma exaustiva ponderação dos interesses juridicamente protegidos.
A ausência de ponderação dos diferentes interesses em jogo é, por, o vício em que o principio da imparcialidade aparece a suportar, ao lado dos restantes princípios jurídicos, a injunção de racionalidade decisória, caraterizando-se, justamente, “por reflectir a decisão que não é sustentada numa ponderação. A ausência de ponderação é, portanto, um vicio da decisão que traduz a realização de um processo de decisão aleatório, no qual não são ponderados os interesses” em jogo.
Por fim, quanto à relação entre a noção de imparcialidade e de justiça, de acordo com o Prof. Diogo Freitas de Amaral, o princípio da imparcialidade não será uma mera aplicação da ideia de justiça, na medida que, um órgão da Administração pode violar as garantias da imparcialidade, intervindo num procedimento em que a lei o proíbe de intervir e, no entanto, tomar uma decisão em si mesma justa e imparcial; no entanto, a situação contrária será igualmente verdadeira pois, pode um órgão em relação ao qual não há motivo para suspeitar da sua imparcialidade praticar um ato afectado de parcialidade. Sendo assim, o princípio da imparcialidade não pode ser tido como corolário do princípio da justiça, mas antes como aplicação de uma ideia diferente, que é a protecção da confiança dos cidadãos na seriedade e honestidade da Administração Pública do seu país.
Assim sendo, a lei pretende que os cidadãos possam ter sempre confiança na capacidade de a Administração tomar decisões justas. Ou seja, o que se pretende com o princípio da imparcialidade, não é em primeira linha a obtenção de decisões administrativas justas, mas sim, que não haja razões para suspeitar, à partida, da imparcialidade dos órgãos competentes que vão tomar a decisão (art. 266.º/2 CRP).

Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do, “Curso de Direito Administrativo”, volume II, Almedina, 2016, pp. 121 e segs.

Guilherme de Oliveira Rato
Nº28197, Turma B – Subturma 14

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