Introduzo
este trabalho através da delimitação do conceito de “imparcial”, sendo este, a situação em que terceiro não toma o
partido de nenhuma das partes em contenda. Ou seja, se há duas partes em
contenda e vem um terceiro procurar separá-las, ou dizer quem tem razão, esse
terceiro, para ter autoridade e ser respeitado pelos contendores, tem de ser
imparcial – o que significa que tem de estar numa posição fora e acima das
partes (super partes). Assim sendo, é
possível referir a imagem da Justiça, na medida que, esta se apresenta com uma venda nos olhos, venda esta que procura
representar a ideia de que a justiça deve ser cega, ou seja, não deve determinar-se em função da amizade ou da
inimizade para com qualquer das partes.
Este
princípio está legalmente previsto no art.
9º CPA, que impõe, de forma
sintética, que os órgãos e agentes administrativos ajam de forma isenta e
equidistante relativamente aos interesses em jogo nas situações que devem
decidir ou sobre as quais se pronunciem sem carácter decisório.
Deste
modo, podemos resumir o princípio da imparcialidade a duas vertentes distintas:
a)
Vertente Negativa
Por um lado, a imparcialidade pode ser
traduzida na ideia de que os titulares de
órgãos e os agentes da Administração
Pública estão impedidos de intervir em procedimentos, atos ou contratos que
digam respeito a questões do seu interesse pessoal ou da sua família, ou de
pessoas com quem tenham relações económicas em especial proximidade, a fim de
que não possa suspeitar-se da isenção ou retidão da sua conduta. Esta vertente
encontra-se regulada nos art. 69.º a 76.º CPA.
Este regime distingue dois tipos de
situações: por um lado, as situações de impedimento;
por outro, as situações de suspeição.
Assim sendo, as situações de impedimento serão mais graves do que os qualificados como situações de suspeição.
A grande
diferença entre as duas situações será o facto de, havendo uma situação de impedimento, é obrigatória por
lei a substituição do órgão ou agente administrativo normalmente competente por
outro, que tomará a decisão no seu lugar; enquanto que, na situação de suspeição, a substituição não será
(automaticamente) obrigatória, sendo apenas possível, tendo esta de ser
requerida pelo próprio órgão ou agente, que pede escusa, de participar naquele procedimento, ou pelo particular que
opõe uma suspeição àquele órgão ou agente e pede a sua substituição por outro.
Por um lado, o art. 69.º/1 CPA enumera as várias situações de impedimento, não havendo base legal quanto às situações de suspeição.
De acordo com a opinião do Prof. Diogo
Freitas do Amaral, a expressão legal “não podem intervir no procedimento”
deverá ser entendida enquanto proibição meramente às intervenções que se
traduzam na decisão, ou em ato que influencie significativamente a decisão em
certo sentido; serão lícitas as intervenções totalmente neutras, como as que se
limitam a mandar agendar o assunto para outra altura, ou seja, as situações
enumeradas pelo art. 69.º/2 CPA.
Deste modo, um órgão ou agente tem o
dever jurídico de se considerar impedido sempre que esteja numa das situações
que a lei prevê como situações de impedimento; e deve comunica-lo imediatamente
ao seu superior hierárquico ou ao órgão colegial a que pertença ou de que
dependa. E estes órgãos, conforme os casos, tomarão a decisão sobre se há ou não
impedimento (art. 70.º CPA). Se não
houver impedimento, morre ali o problema e o órgão ou agente em causa tem
legitimidade para decidir a questão sobre a qual se suscitou a duvida; no
entanto, se for declarado que há impedimento, então ele é imediatamente substituído
legal, salvo se, como afirma o art. 72.º
CPA, órgão competente para o efeito resolver avocar a decisão.
Por outro lado, em caso de suspeição, a lei dá ao órgão ou agente
administrativo o direito de pedir escusa de
intervenção naquele procedimento, assim como dá aos particulares interessados
no procedimento o direito de oporem suspeição
ao órgão normalmente competente, pedindo a sua substituição.
Por fim, quanto às respetivas sanções que a lei impõe para o
desrespeito das normas vigentes sobre garantias da imparcialidade, por um lado,
todos os atos administrativos e contratos da Administração Pública em que
intervenha um órgão ou agente impedido de intervir, ou em relação ao qual tenha
sido declarada suspeição, serão anuláveis (art.
76.º/1 CPA), sendo assim, atos ilegais feridos de uma anulabilidade. Por
outro lado, todo o órgão ou agente administrativo que não comunique a quem de
direito uma situação de impedimento em que se encontre comete falta disciplinar grave (art. 76./1 CPA).
b)
Vertente Positiva
A imparcialidade aparece como
significando o dever de ponderar
todos os interesses públicos secundários e os interesses privados legítimos, equacionáveis
para o efeito de certa decisão, antes da sua adoção. Neste segundo plano, devem
considerar-se parciais os atos ou comportamentos que manifestamente não resultem
de uma exaustiva ponderação dos interesses juridicamente protegidos.
A ausência de ponderação dos
diferentes interesses em jogo é, por, o vício em que o principio da
imparcialidade aparece a suportar, ao lado dos restantes princípios jurídicos,
a injunção de racionalidade decisória, caraterizando-se, justamente, “por reflectir
a decisão que não é sustentada numa ponderação. A ausência de ponderação é,
portanto, um vicio da decisão que traduz a realização de um processo de decisão
aleatório, no qual não são ponderados os interesses” em jogo.
Por
fim, quanto à relação entre a noção de imparcialidade e de justiça, de acordo
com o Prof. Diogo Freitas de Amaral, o princípio da imparcialidade não será uma
mera aplicação da ideia de justiça, na medida que, um órgão da Administração
pode violar as garantias da imparcialidade, intervindo num procedimento em que
a lei o proíbe de intervir e, no entanto, tomar uma decisão em si mesma justa e
imparcial; no entanto, a situação contrária será igualmente verdadeira pois,
pode um órgão em relação ao qual não há motivo para suspeitar da sua
imparcialidade praticar um ato afectado de parcialidade. Sendo assim, o
princípio da imparcialidade não pode ser tido como corolário do princípio da
justiça, mas antes como aplicação de uma ideia diferente, que é a protecção da confiança dos cidadãos na
seriedade e honestidade da Administração Pública do seu país.
Assim
sendo, a lei pretende que os cidadãos possam ter sempre confiança na capacidade
de a Administração tomar decisões justas. Ou seja, o que se pretende com o
princípio da imparcialidade, não é em primeira linha a obtenção de decisões
administrativas justas, mas sim, que não haja razões para suspeitar, à partida,
da imparcialidade dos órgãos competentes que vão tomar a decisão (art. 266.º/2 CRP).
Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do, “Curso de Direito
Administrativo”, volume II, Almedina, 2016, pp. 121 e segs.
Guilherme de Oliveira Rato
Nº28197, Turma B – Subturma 14
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