domingo, 16 de abril de 2017

Boa Administração e eficiência

Num Estado de Direito consolidado e numa democracia estabilizada, a atividade administrativa deve pautar-se pelo princípio da boa administração. Nas palavras do Professor Fausto Quadros, "a Administração Pública deve ser eficiente na prossecução do interesse público, deve reger-se por critérios de economicidade e deve agir com rapidez".
Importa de momento clarificar qual o sentido atribuído ao princípio da boa administração, mormente a sua relação com o critério de eficiência constante do artigo 5.º/1 do novo CPA.
Relativamente ao conteúdo do conceito de boa administração tem-se defendido que a Administração pública deve prosseguir da melhor forma o interesse público e, consequentemente, a satisfação das necessidades coletivas a seu cargo. Para tal deve adotar soluções ótimas do ponto de vista administrativo, técnico e financeiro.
Daqui resulta a aliança entre boa administração e eficiência da Administração pública, pelo que o Professor Freitas do Amaral define o dever de boa administração como o "dever de a Administração prosseguir o bem comum da forma mais eficiente possível".
Tradicionalmente o conceito de boa administração é de contornos nebulosos: associa-se a um dever por parte da Administração pública, cujo conteúdo é vago e flexível, de prosseguir o interesse público fixado na Constituição e na lei de forma expedita e racional. No entanto, acaba por se tratar de um dever objetivo a que não corresponde qualquer direito subjetivo, uma vez que ao dever da Administração não correspondem situações jurídicas subjetivas na esfera jurídica de potenciais interessados.
Não obstante, não foi este o sentido que norteou a redação do artigo 5.º do novo CPA. À luz da explicação do Professor Mário Aroso de Almeida, a eficiência da Administração pública possui relevância jurídica e, por conseguinte, deve entender-se que a eficiência da gestão dos recursos públicos para a satisfação de necessidades coletivas constitui uma exigência que se impõe no plano jurídico.
Assim, exige-se não apenas a estruturação desburocratizada da Administração, como também se consagra um comando geral de sujeição da atividade administrativa aos critérios de eficiência, economicidade e celeridade. Daqui advém a possibilidade da constituição de situações subjetivas que podem vir a ser tuteladas pelos tribunais administrativos, com vista à efetividade de direitos fundamentais ou a contestar atuações concretas desconformes com esses critérios.
Chegados a este ponto, coloca-se a questão de saber como concretizar os limites dentro dos quais se deve encarar o controlo jurisdicional da eficiência, que surge como padrão de juridicidade da atividade administrativa, sem no entanto esquecer as limitações do controlo principialista pelos tribunais administrativos.
Por outras palavras, a crescente juridificação administrativa vem na sequência da identificação de padrões de juridicidade extraídos da afirmação de princípios jurídicos que permitem o alargamento do controlo jurisdicional do exercício dos poderes discricionários a domínios que tradicionalmente eram considerados como não jurídicos, reservados ao mérito administrativo (veja-se o disposto no artigo 3.º do CPTA).
Tradicionalmente, a eficiência é associada ao âmbito de aplicação da ciências económicas, que se traduz na exigência da otimização na utilização dos recursos com vista à adoção da melhor solução para a prossecução do interesse público. Pelo que nessa ótica ainda não se descortinou como identificar o princípio da eficiência como  princípio de Direito público. 
A questão que se coloca é a da possibilidade ou extensão da sindicabilidade da observância das exigências que decorrem do princípio da eficiência, caso a caso, pelos tribunais administrativos.
O núcleo do mérito é irredutível e deve ser preservado: as escolhas efetuadas pela Administração são norteadas por critérios não juridicizados, pelo que não podem ser sindicados pelos tribunais.
É opinião do Professor Mário Aroso de Almeida que da "imposição constitucional à Administração pública do imperativo da boa prossecução do interesse público e da consagração, no artigo 5.º do CPA, do imperativo da eficiência não resulta na verdade, a atribuição aos juízes administrativos do poder de determinarem a solução que melhor realize o interesse público em cada caso". Todavia, esta posição não descredibiliza a relevância jurídica da eficiência no âmbito da atividade administrativa.
Atente-se na abordagem da boa administração enquanto valor jurídico patente no artigo 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que atribui aos cidadãos europeus um direito à boa administração por parte da Administração europeia.
Segundo este entendimento, o alcance útil do princípio da boa administração depende da sua densificação por referência a regras específicas e, consequentemente, à imposição de deveres jurídicos. Logo, para que se administre bem basta que a Administração observe o respeito pela aplicação de normas de caráter instrumental, em especial de conteúdo procedimental em correlação com com o valor da transparência, com o fim da criação de condições para a tomada de decisão da melhor maneira possível. Não releva que a Administração administre bem do ponto de vista dos resultados da sua atuação globalmente considerada.
O autor Ponce Solé sintetiza a situação da seguinte forma: tendo em conta que "não existe um critério jurídico para estabelecer o que seja de interesse geral e a aplicação de critérios extrajurídicos não conduz a uma solução unívoca sobre o que seja melhor, mais oportuno ou mais adequado ao serviço dos interesses gerais" conclui-se que o dever de boa administração "não vai dirigido tanto ao resultado final (...) como ao iter da elaboração do mesmo, ao modo de desenvolvimento da mesma".
O facto é que uma Administração que se limite a observar todas as regras e princípios jurídicos de modo a criar as melhores condições à tomada de decisão, não é uma boa Administração. Os problemas de má administração colocam-se noutros planos que extravasam o jurídico. Por exemplo, a gestão e manutenção das vias de circulação relevam da boa administração. Para as assegurar basta construir as estradas. Todavia só haverá boa administração se os buracos dessa mesma estrada forem reparados.
Outra coisa não se esperaria tendo em conta que a boa administração é uma exigência das atuais sociedades democráticas e corresponde a um elemento essencial da boa governação, que encontra expressão na observância de padrões jurídicos e não jurídicos. Por sua vez, na apreciação global destes padrões pode aferir-se a existência em determinado Estado de uma cultura democrática, do respeito pela lei e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e da adequada performance das instituições públicas, com vista ao desenvolvimento económico e social.
Conforme escreve Gómez Puente, "na lógica do Estado social de Direito não vale um resultado a qualquer preço", pelo que a boa administração resulta necessariamente do equilíbrio entre valores tendencialmente conflituantes e não prescinde da observância de padrões jurídicos e não jurídicos que correspondem, respetivamente, a exigências de legalidade, participação e transparência, e exigências de performance e controlo

Bibliografia
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, «Teoria Geral do Direito Administrativo – O Novo Regime do Código de Procedimento Administrativo», Almedina, Coimbra, 3ª edição, 2015, pp. 55-75.

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