sexta-feira, 7 de abril de 2017

Responsabilidade objetiva
                No que toca à responsabilidade civil, o direito administrativo sofreu uma evolução ao longo do século XX no sentido de se preocupar cada vez mais com a responsabilização da Administração no que toca à proteção dos lesados. Como tal, revela-se bastante importante a autonomização do princípio da responsabilidade da Administração, o seu reconhecimento, primeiramente por parte da jurisprudência e, posteriormente, pelo legislador e uma das principais consequências dessa mesma autonomização: “culpa do serviço” (ou “falta do serviço).
                Relativamente à responsabilidade por facto ilícito, sabemos que esta tem uma base subjetiva, na medida em que, em regra, só existe obrigação de indemnizar se houver culpa (princípio da responsabilidade subjetiva). Isto significa que só agem com culpa os indivíduos, precisamente pelo facto desta base subjetiva. Por este mesmo motivo, se se considerar que uma pessoa coletiva agiu com culpa, essa culpa terá de ser imputada a um ou mais indivíduos que tenham atuado no exercício das suas funções ao serviço dessa pessoa coletiva.
                O que acontece inúmeras vezes, na prática, é que se torna extremamente difícil e até mesmo impossível determinar de quem foi a culpa de uma atuação de um serviço público num determinado caso concreto. Assim, utiliza-se a expressão “culpa do serviço” ou “falta do serviço” numa situação em que ocorreu um facto cujo autor é desconhecido e coletivo de uma administração em geral mal gerida, de tal forma que seja difícil determinar os seus verdadeiros autores.  É desta forma que existem cada vez mais situações nos dias que correm em que um certo facto ilícito e culposo causador de danos não possa ser imputado a um autor determinado ou a vários. Não podendo esse facto ser imputado a um indivíduo em concreto, será então imputado ao serviço público globalmente considerado.
                Mesmo em situações cuja culpa não seja individual ou individualizável, se esta decorrer de fatores da Administração que possam, por exemplo, resultar em pequenas faltas desculpáveis ou em dificuldades e atrasos legítimos, não poderá a responsabilidade da Administração perante as vítimas ser posta em causa. Visto existir ilicitude, a Administração terá responsabilidade objetiva por facto ilícito.
                Tudo isto significa, portanto, que existe, de facto, ilicitude, mas não culpa. Decorre desta ideia que há aqui falta de serviço, isto é, um mau funcionamento da Administração, tendo esta uma responsabilidade objetiva.

  • §  Responsabilidade pelo risco

Antes da publicação do Decreto-Lei nº48/051, de 21 de novembro de 1967, a jurisprudência e a doutrina portuguesas já consideravam que, para além da responsabilidade subjetiva, existia um outro tipo de responsabilidade em que a Administração era obrigada, mesmo sem tendo culpa a indemnizar certos danos sofridos pelos particulares. Contudo, este tipo de responsabilidade objetiva era excecional, uma vez que apenas existia nas hipóteses que se encontravam expressamente previstas na lei.
O Decreto-Lei nº48/051 veio introduzir uma inovação, na medida em que resolveu abandonar o caráter anteriormente excecional da responsabilidade objetiva, definindo-a agora de uma forma genérica, através de uma cláusula geral. Ou seja, a lei passou a estabelecer em termos genéricos o âmbito da responsabilidade objetiva, de tal modo que que tipo de responsabilidade passou a existir em todos os casos que integrassem a previsão abstrata da lei, já não sendo preciso um preceito específico para cada caso ou situação típica.
O artigo 11º desse regime veio determinar o seguinte:
1.       “O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público respondem pelos danos decorrentes de atividades, coisas ou serviços especialmente perigosos, salvo quando, nos termos gerais, se prove que houve força maior ou concorrência de culpa do lesado, podendo neste último caso, tendo em conta todas as circunstâncias, reduzir ou excluir a indemnização.”
2.       “Quando um facto culposo de terceiro tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos, o Estado e as demais pessoas coletivas de direito público respondem solidariamente com o terceiro, sem prejuízo do direito de regresso.”
Assim, são exemplos de fonte de responsabilidade objetiva fundada no risco os seguintes casos:
  • §  Danos causados pela explosão de paióis militares ou de centrais nucleares
  • §  Danos causados por manobras, exercícios ou treinos com armas de fogo por parte das Forças Armadas ou das forças de polícia
  • §  Danos causados involuntariamente por agentes da polícia em operações de manutenção da ordem pública ou de captura de suspeitos da prática de algum crime


  • §  Responsabilidade por ato ilícito

A responsabilidade por ato ilícito também se encontra genericamente prevista em Portugal desde o Decreto-Lei nº48/051, de 21 de novembro de 1967, em que o legislador optou por adotar uma perspetiva muito ampla utilizando a expressão “Indeminização pelo sacrifício”. Assim, o artigo 16º do RCEEP dispõe o seguinte:
“O Estado e demais pessoas coletivas de direito público indemnizam os particulares a quem, por razões de interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais e anormais, devendo para o cálculo da indemnização, atender-se, designadamente, ao grau de afetação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado.”
A indemnização pelo dano causado pode resultar de uma violação ou de um sacrifício. Apenas no primeiro caso existe responsabilidade civil fundada na justificação de um ato, positivo ou negativo, ilícito. Isto significa que há um ato danoso que seria ilícito, à partida, mas que, por haver uma causa de justificação, acaba por se tornar lícito. No segundo caso, o que está em causa é um mero problema de compensação de um sacrifício.
O legislador viu-se então obrigada a delimitar a “especialidade” e a “anormalidade” dos danos ou encargos. Determina, então, o artigo 2º do RCEEP, o seguinte: “Para os efeitos da presente lei, consideram-se especiais os danos ou encargos que incidam sobre uma pessoa ou um grupo, sem afetarem a generalidade das pessoas, e anormais os que, ultrapassando os custos próprios da vida em sociedade, mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito.”
Podem considerar-se como exemplos de responsabilidade objetiva por ato lícito, ou pelo sacrifício, os casos seguintes:
  • §  A requisição por utilidade pública
  • §  A expropriação por utilidade pública
  • §  As servidões administrativas
  • §  O exercício do poder de modificação unilateral do contrato administrativo
  • §  A ocupação temporária de terrenos adjacentes às estradas para execução de obras públicas
  • §  A existência de uma causa legítima de inexecução de sentença de um tribunal administrativo proferida contra a Administração

Estes casos e outros semelhantes, ficando cobertos pela lei, obrigam a Administração a indemnizar os lesados. A lei é suficientemente ampla para abranger as principais situações típicas que a jurisprudência e o direito comparado revelam como devendo constituir a Administração em responsabilidade civil objetiva perante os particulares. Ainda assim, a lei é prudente, pois, se o Direito fosse longe de mais, o Estado não teria capacidade financeira para suportar o pagamento de todas as indemnizações a que seria condenado.
É neste sentido que o legislador condiciona o dever de indemnizar à verificação da existência dos requisitos de especialidade e anormalidade do prejuízo. Desta forma, só há obrigação de indemnizar os prejuízos especiais e anormais: não haverá responsabilidade objetiva da Administração por danos que se possam considerar como danos comuns e normais. Os danos comuns são aqueles que recaem genericamente sobre todos os cidadãos ou sobre categorias amplas e abstratas de pessoas e os danos normais são os que se possam considerar habituais e aceitáveis dentro do “mínimo de risco” que é o próprio da vida em sociedade.

Bibliografia: AMARAL, Diogo Freitas do, (2016) Curso de Direito Administrativo. Volume II, Coimbra: Almedina

Beatriz Pereira Serrano
Nºaluno: 28527
Turma B, Subturma 14


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