Responsabilidade objetiva
No que
toca à responsabilidade civil, o direito administrativo sofreu uma evolução ao
longo do século XX no sentido de se preocupar cada vez mais com a
responsabilização da Administração no que toca à proteção dos lesados. Como
tal, revela-se bastante importante a autonomização do princípio da responsabilidade
da Administração, o seu reconhecimento, primeiramente por parte da
jurisprudência e, posteriormente, pelo legislador e uma das principais
consequências dessa mesma autonomização: “culpa do serviço” (ou “falta do
serviço).
Relativamente
à responsabilidade por facto ilícito, sabemos que esta tem uma base subjetiva,
na medida em que, em regra, só existe obrigação de indemnizar se houver culpa
(princípio da responsabilidade subjetiva). Isto significa que só agem com culpa
os indivíduos, precisamente pelo facto desta base subjetiva. Por este mesmo
motivo, se se considerar que uma pessoa coletiva agiu com culpa, essa culpa
terá de ser imputada a um ou mais indivíduos que tenham atuado no exercício das
suas funções ao serviço dessa pessoa coletiva.
O que
acontece inúmeras vezes, na prática, é que se torna extremamente difícil e até
mesmo impossível determinar de quem foi a culpa de uma atuação de um serviço
público num determinado caso concreto. Assim, utiliza-se a expressão “culpa do serviço” ou “falta do serviço” numa situação em que
ocorreu um facto cujo autor é desconhecido e coletivo de uma administração em
geral mal gerida, de tal forma que seja difícil determinar os seus verdadeiros
autores. É desta forma que existem cada
vez mais situações nos dias que correm em que um certo facto ilícito e culposo
causador de danos não possa ser imputado a um autor determinado ou a vários.
Não podendo esse facto ser imputado a um indivíduo em concreto, será então
imputado ao serviço público globalmente
considerado.
Mesmo
em situações cuja culpa não seja individual ou individualizável, se esta
decorrer de fatores da Administração que possam, por exemplo, resultar em
pequenas faltas desculpáveis ou em dificuldades e atrasos legítimos, não poderá
a responsabilidade da Administração perante as vítimas ser posta em causa.
Visto existir ilicitude, a Administração
terá responsabilidade objetiva por facto
ilícito.
Tudo
isto significa, portanto, que existe, de facto, ilicitude, mas não culpa.
Decorre desta ideia que há aqui falta de
serviço, isto é, um mau
funcionamento da Administração, tendo esta uma responsabilidade objetiva.
- § Responsabilidade pelo risco
Antes da publicação do Decreto-Lei
nº48/051, de 21 de novembro de 1967, a jurisprudência e a doutrina portuguesas
já consideravam que, para além da responsabilidade subjetiva, existia um outro
tipo de responsabilidade em que a Administração era obrigada, mesmo sem tendo
culpa a indemnizar certos danos sofridos pelos particulares. Contudo, este tipo
de responsabilidade objetiva era excecional, uma vez que apenas existia nas
hipóteses que se encontravam expressamente previstas na lei.
O Decreto-Lei nº48/051 veio
introduzir uma inovação, na medida em que resolveu abandonar o caráter
anteriormente excecional da responsabilidade objetiva, definindo-a agora de uma
forma genérica, através de uma cláusula geral. Ou seja, a lei passou a
estabelecer em termos genéricos o âmbito da responsabilidade objetiva, de tal
modo que que tipo de responsabilidade passou a existir em todos os casos que
integrassem a previsão abstrata da lei, já não sendo preciso um preceito
específico para cada caso ou situação típica.
O artigo 11º desse regime veio
determinar o seguinte:
1.
“O Estado e as demais pessoas coletivas de
direito público respondem pelos danos decorrentes de atividades, coisas ou
serviços especialmente perigosos, salvo quando, nos termos gerais, se prove que
houve força maior ou concorrência de culpa do lesado, podendo neste último
caso, tendo em conta todas as circunstâncias, reduzir ou excluir a indemnização.”
2.
“Quando um facto culposo de terceiro tenha
concorrido para a produção ou agravamento dos danos, o Estado e as demais
pessoas coletivas de direito público respondem solidariamente com o terceiro,
sem prejuízo do direito de regresso.”
Assim, são exemplos de fonte de responsabilidade objetiva
fundada no risco os seguintes casos:
- § Danos causados pela explosão de paióis militares ou de centrais nucleares
- § Danos causados por manobras, exercícios ou treinos com armas de fogo por parte das Forças Armadas ou das forças de polícia
- § Danos causados involuntariamente por agentes da polícia em operações de manutenção da ordem pública ou de captura de suspeitos da prática de algum crime
- § Responsabilidade por ato ilícito
A responsabilidade por ato
ilícito também se encontra genericamente prevista em Portugal desde o
Decreto-Lei nº48/051, de 21 de novembro de 1967, em que o legislador optou por
adotar uma perspetiva muito ampla utilizando a expressão “Indeminização pelo
sacrifício”. Assim, o artigo 16º do RCEEP dispõe o seguinte:
“O Estado e demais pessoas
coletivas de direito público indemnizam os particulares a quem, por razões de
interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais e anormais,
devendo para o cálculo da indemnização, atender-se, designadamente, ao grau de
afetação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado.”
A indemnização pelo dano causado
pode resultar de uma violação ou de um sacrifício. Apenas no primeiro caso
existe responsabilidade civil fundada na justificação de um ato, positivo ou
negativo, ilícito. Isto significa que há um ato danoso que seria ilícito, à
partida, mas que, por haver uma causa de justificação, acaba por se tornar
lícito. No segundo caso, o que está em causa é um mero problema de compensação
de um sacrifício.
O legislador viu-se então
obrigada a delimitar a “especialidade” e a “anormalidade” dos danos ou
encargos. Determina, então, o artigo 2º do RCEEP, o seguinte: “Para os efeitos
da presente lei, consideram-se especiais os danos ou encargos que incidam sobre
uma pessoa ou um grupo, sem afetarem a generalidade das pessoas, e anormais os
que, ultrapassando os custos próprios da vida em sociedade, mereçam, pela sua
gravidade, a tutela do direito.”
Podem considerar-se como exemplos
de responsabilidade objetiva por ato lícito, ou pelo sacrifício, os casos
seguintes:
- § A requisição por utilidade pública
- § A expropriação por utilidade pública
- § As servidões administrativas
- § O exercício do poder de modificação unilateral do contrato administrativo
- § A ocupação temporária de terrenos adjacentes às estradas para execução de obras públicas
- § A existência de uma causa legítima de inexecução de sentença de um tribunal administrativo proferida contra a Administração
Estes casos e outros semelhantes,
ficando cobertos pela lei, obrigam a Administração a indemnizar os lesados. A
lei é suficientemente ampla para abranger as principais situações típicas que a
jurisprudência e o direito comparado revelam como devendo constituir a
Administração em responsabilidade civil objetiva perante os particulares. Ainda
assim, a lei é prudente, pois, se o Direito fosse longe de mais, o Estado não
teria capacidade financeira para suportar o pagamento de todas as indemnizações
a que seria condenado.
É neste sentido que o legislador
condiciona o dever de indemnizar à verificação da existência dos requisitos de
especialidade e anormalidade do prejuízo. Desta forma, só há obrigação de
indemnizar os prejuízos especiais e anormais: não haverá responsabilidade
objetiva da Administração por danos que se possam considerar como danos comuns
e normais. Os danos comuns são aqueles que recaem genericamente sobre todos os
cidadãos ou sobre categorias amplas e abstratas de pessoas e os danos normais
são os que se possam considerar habituais e aceitáveis dentro do “mínimo de
risco” que é o próprio da vida em sociedade.
Bibliografia: AMARAL, Diogo Freitas do, (2016) Curso de
Direito Administrativo. Volume II, Coimbra: Almedina
Beatriz Pereira Serrano
Nºaluno: 28527
Turma B, Subturma 14
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