Validade e vícios dos atos administrativos
No passado, Otto Mayer, jurista alemão, considerava o ato Administrativo como uma definição de direito inerente a suscetibilidade de execução coativa. No entanto, atualmente, o ato Administrativo procura regular, controlar (as atuações), garantir, condicionar e impor condutas aos administrados, onde se inclui também a própria Administração, no que diz respeito à previsibilidade da sua atuação Administrativa.
No que diz, especificamente, respeito ao tópico a que me proponho a analisar, importa compreender desde logo o conceito de validade. Assim, a validade corresponde a uma condição necessária para a existência e reconhecimento de um ato Administrativo pronto a produzir todos os seus efeitos. No entanto, para que o ato administrativo seja válido, a lei exige a verificação de vários elementos indispensáveis à sua formação quer quantos aos sujeitos, quer quanto à forma e até quanto à finalidade. Estes elementos são denominados de requisitos.
O ato Administrativo engloba, não só o seu autor, o órgão administrativo, como também os particulares de que é destinatário. Isto faz com que o autor do ato tenha, necessariamente, que atuar dentro das suas atribuições, tendo em vista a sua competência (art.º 151.º/1 alínea a) do CPA), e a legitimidade para o exercício da respetiva competência. No que concerne aos destinatários do ato Administrativo, a lei exige, através da menção obrigatória, a identificação dos mesmos de “… forma adequada”, à luz do artigo 151.º/2 alínea b) do CPA. A “forma adequada” alude a obrigatoriedade do ato ser claro, permitindo uma correta perceção por parte dos seus destinatários, no qual deve incluir também, o nome e a respetiva morada dos destinatários em causa.O que diz respeito ao requisito formal está disposto no artigo 150/1 e 2 CPA.
Importa saber distinguir dois conceitos, a forma de formalidade. O Prof. Diogo F. do Amaral, define a forma como o modo como se revela a conduta voluntária em que o ato se traduz, enquanto o formalidade trata-se de observação de mecanismos, exigidos por lei, para uma correta formação da decisão Administrativa ou o respeito pelas posições jurídicas subjetivas dos particulares, sob pena de ilegalidade.
Contudo, existem formalidades facilmente dispensáveis (ou menos necessários), e outras que devido à sua essencialidade não são possíveis de ser afastadas, como é o caso de fundamentação do ato, prevista no artigo 152/1.º do CPA. A fundamentação de um ato administrativo é referido pelo Professor Diogo F. do Amaral, como uma “ (…) enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse ato ou a dotá-lo de certo conteúdo.”
A importância de fundamentação do ato está relacionada com a necessidade de esclarecer a razão que motivou o ato (artigo 153/2.º in fine) de maneira a permitir um melhor enquadramento e reconstituição do mesmo. Nestes termos, o artigo 286/3.º da CRP, eleva fundamentação do ato a um direito fundamental ao impor a necessidade de notificação dos interessados. Uma vez consagrada pela Constituição, a norma em si, torna efetivamente imperativa vincando ainda mais a ideia de estado de direito democrático.
Por último e no que diz respeito ao requisito da finalidade, o legislador estabelece que, o ato deve coincidir com a finalidade prevista na norma que atribui competência ao agente para a sua prática. Assim sendo, o órgão não pode fugir da finalidade que a lei lhe atribuiu, sob pena de nulidade do ato. Contudo, o requisito de finalidade só ganha relevância, nos atos praticados no exercício de poder discricionário, onde é atribuído a Administração uma margem de livre apreciação.
É importante ter em conta que a eficácia dos atos Administrativos dependem da sua publicação e notificação para a produção de todos os seus efeitos, nos termos dos artigos 158.º e 159.º do CPA, respetivamente.
O ato legal da administração é um acto que respeita os requisitos de legalidade, o que o torna juridicamente conforme.
Um acto ilegal da administração é um acto que, por não respeitar um dos seus requisitos de legalidade, se apresenta numa situação de desconformidade como o bloco de legalidade. A desconformidade pode resultar, quer do desrespeito dos limites impostos pelo bloco de legalidade, quer da ausência de fundamento normativo. Um acto legal da administração é necessariamente válido e regular; já um acto ilegal da administração pode ser inválido ou simplesmente irregular, consoante, em função dos requisitos de legalidade que tenham sido preteridos a ordem jurídica o prive ou não da aptidão intrínseca para a produção de efeitos jurídicos.
O professor Diogo F. do Amaral esclarece que quando se diz que o acto administrativo é ilegal, por ser contrário à lei, está-se a usar a palavra “lei” num sentido muito amplo. Neste sentido a legalidade inclui a Constituição, a lei ordinária, os regulamentos, os contratos administrativos, nas suas clausulas de carácter normativo, os atos administrativos constitutivos de direitos com força de “caso decidido” etc.
Ainda acerca da legalidade, e de acordo com o entendimento do professor Marcelo R. Sousa, os requisitos de legalidade são exigências jurídicas de cujo verificação cumulativa depende a legalidade dos atos da administração; as exigências em causa reportam-se a cada um dos pressupostos e elementos dos atos da administração, pelo que existem requisitos de legalidade subjetivo e objetivos e, dentro dos últimos, requisitos de legalidade materiais, funcionais e formais.
Os requisitos de legalidade podem dizer respeito a momentos anteriores à pratica do acto, designadamente ao procedimento para a sua formação (requisitos objetivos formais relativos à formalidades essenciais prévias); podem ser concomitantes do próprio ato (requisitos subjetivos, objetivos formais relativos às formalidades concomitantes e à forma em sentido estrito e objetivos materiais relativos ao conteúdo e ao objeto); e podem ainda incidir sobre averiguações ou ponderações refletidas no acto mas necessariamente efetuadas em momento anterior(requisitos de legalidade objetivos funcionais e requisitos de legalidade objetivos e materiais relativos aos pressupostos do acto).
Os requisitos de legalidade aferem-se no momento em que o acto fica perfeito; assim sendo, por definição, os requisitos (necessariamente relativos a formalidade) posteriores à pratica do ato não são requisitos de legalidade, podendo, quando muito, ser requisitos de eficácia.
Mediante o entendimento do professor Vasco P. da Silva, a ilegalidade é um juízo de desconformidade de uma atuação administrativa com norma jurídica. As ilegalidades podem ser orgânicas (competência ou atribuições dos órgãos em causa), procedimentais (violação das regras de procedimento), formais que consistem no desrespeito da forma legalmente exigida para determinadas atuações materiais (obrigam a administração quer se trate de exercícios de poderes discricionários ou vinculados).
O professor Diogo F. do Amaral refere que a ilegalidade do acto administrativo pode assumir varias formas, consoante o requisito de legalidade que seja concretamente violado. As formas especificas de manifestação da ilegalidade designam-se vícios do acto. De notar que essa orientação de estabelecer uma tipologia legal dos vícios do acto administrativo, vem já desde há muitos anos ( tradição que começou no Direito Francês). Deste modo, por necessidade prática, pela conveniência de facilitar o recurso dos particulares aos tribunais administrativos, foi-se elaborando uma tipologia de vícios.
1.º O vício da usurpação de poder (ilegalidade orgânica) ocorre sempre que um órgão administrativo pratica atos que lesa o princípio da separação de poderes (artigo 111/2 CRP), portanto, trata de uma incompetência agravada. Nestes termos, o vício tem como desvalor jurídico a nulidade, que corresponde a uma sanção mais grave da ordem jurídica, não produzindo qualquer efeito, nos termos do artº161/2 alínea a) do CPA.
1.º O vício da usurpação de poder (ilegalidade orgânica) ocorre sempre que um órgão administrativo pratica atos que lesa o princípio da separação de poderes (artigo 111/2 CRP), portanto, trata de uma incompetência agravada. Nestes termos, o vício tem como desvalor jurídico a nulidade, que corresponde a uma sanção mais grave da ordem jurídica, não produzindo qualquer efeito, nos termos do artº161/2 alínea a) do CPA.
2.º A incompetência (ilegalidade orgânica) verifica-se quando um órgão administrativo pratica atos pertencentes as atribuições e competência de outro órgão. O vício da incompetência desmembra-se em absoluta e relativa.
3.º Vício de forma (ilegalidade formal) verifica-se quando um determinado ato carece de requisitos procedimentais ou de formalidades legais. Assim, o ato teria como desvalor jurídico a nulidade, prevista no disposto do artigo 161/2 alíneas d), g), h), l) do CPA.
4.º Desvio de poder (ilegalidade material) ocorre sempre que o fim com que o ato é praticado é de interesse privado e não público. Colocando em causa o princípio da prossecução do interesse público (atº4 do CPA). Este vício possui uma certa particularidade, no sentido em que apenas sucede no âmbito do poder discricionário, e nunca fora dele. Surge como desvalor jurídico, em consequência do vício, à nulidade, nos termos do artigo 161/2 alíneas c) e) do CPA.
5.º Violação de lei (ilegalidade material) consiste na violação de todas e quaisqueis normas jurídicas, que limitam ou condicionam as atuações dos indivíduos. A violação traduz-se na preterição de vínculos materiais legalmente estabelecidos. A lei exige, para a sua verificação certos requisitos, tais como, a existência de erro nos pressupostos de fato, de direito e no seu próprio conteúdo. Uma vez reunidas todos estes requisitos, teria como desvalor jurídico a nulidade ou anulabilidade do ato, consoante estivermos adiante do estatuído no artigo 161/2 alíneas c), d), f), h), i), j), k) ou no artigo 163º do CPA, respetivamente.
No entanto o professor Vasco P. da Silva acha que não se justifica mais, reconduzir estas diferentes formas de ilegalidades aos chamados vícios administrativos. Na medida em que, esta expressão é a expressão tradicional que vinha da lei porque no passado a lei enunciava os vícios do acto administrativo- mas hoje em dia esta enumeração legal não existe mais no nosso ordenamento- as referencias que surgem não se ocupam deles senão isoladamente e nada obriga a que se fale em vícios do acto administrativo. Pelo contrário, até é conveniente que essa distinção não seja utilizada, por duas razões:
- Essa designação é uma realidade histórica que não tem lógica material – realidade que surge por justificações de natureza histórica e não teórica e critérios que não são racionais;
- Se utilizássemos essa distinção chegaríamos à conclusão de que era incompleta, que deixaria muitas coisas de fora.
Outro motivo é o facto da incompetência, que surge como vício autónomo, corresponder a duas formas diferentes de violação das regras de competências- competência absoluta, por falta de atribuições e relativa, por falta de poderes funcionais – de competência em sentido restrito. Separar-se o poder discricionário do vinculado e dizer que no quadro do discricionário existe o vício de desvio de poder enquanto no poder vinculado existe o vício de violação de lei, na opinião do professor Vasco P. da Silva é errado e ilógico. Isto porque, hoje em dia os poderes não são totalmente vinculados ou discricionários e a violação de um poder vinculado ou poder discricionário gera realidades que a serem qualificados no quadro desta teoria eram realidades incompatíveis. Por outro lado, a expressão violação de lei, como era entendida pela doutrina, clássica, correspondia a “caixote do lixo”, onde cabiam os vícios residuais, os que não se encaixavam em lado nenhum.
Assim sendo, o professor Vasco P. da Silva considera que o ato administrativo deve ser dividido em cinco (situações de incompetência, violação de regras procedimentais, ilegalidades formais, ilegalidades materiais e os vícios da vontade). Os vícios da vontade englobam casos do erro, dolo, coação e a incapacidade acidental. Tanto o erro, dolo e a incapacidade acidental têm como desvalor jurídico a anulabilidade do ato, sendo que apenas a coação é sujeito ao desvalor jurídico de nulidade (artº161/2 alínea f) do CPA. Considera ainda que, no caso de se recorrer a tribunal, a melhor forma de proteger os direitos do particular é invocar todos os vícios e não apenas alguns, porque só desta forma ele (o particular) é protegido de forma sustentada.
Como consequência da sua desconformidade com o bloco de legalidade, os atos da administração são objeto de um juízo desfavorável por parte da ordem jurídica, que envolve a cominação de consequências negativas. A ilegalidade doa actos jurídicos imateriais traduz- se normalmente (salvas as situações marginais de irregularidade) na sua invalidade.
A invalidade pode assumir diferentes formas, denominadas desvalores jurídicos, a que correspondem regimes também diversos. Os dois desvalores típicos dos atos ada administração são a nulidade e anulabilidade. Hoje a principal sede da matéria encontra-se no artigo 161.º e ss CPA.
Como consequência da sua desconformidade com o bloco de legalidade, os atos da administração são objeto de um juízo desfavorável por parte da ordem jurídica, que envolve a cominação de consequências negativas. A ilegalidade doa actos jurídicos imateriais traduz- se normalmente (salvas as situações marginais de irregularidade) na sua invalidade.
A invalidade pode assumir diferentes formas, denominadas desvalores jurídicos, a que correspondem regimes também diversos. Os dois desvalores típicos dos atos ada administração são a nulidade e anulabilidade. Hoje a principal sede da matéria encontra-se no artigo 161º e ss CPA.
De acordo com o professor Diogo F. do Amaral podemos destacar que a nulidade como sendo a forma mais grave da invalidade. Importante notar os seus traços característicos:
- O acto nulo é totalmente ineficaz desde o inicio, isto é não produz qualquer efeito (art.162º/1 CPA). Por isso é que algumas leis chamam a estes acos “actos nulos e de nenhum efeito;
- A nulidade é insanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão (164º/1). O acto nulo não é suscetível de ser transformado em acto válido- o que não quer dizer que, por força do decurso do tempo e de harmonia com os principios gerais de direito, não se possam atribuir certos efeitos jurídicos a situações de facto resultantes de actos nulos (art 162º/3);
- Os particulares e os funcionários públicos têm o direito de desobedecer a quaisquer ordens que constem de um acto nulo. Na medida em que este não produz efeitos, nenhum dos imperativos é obrigatário.
- Se o mesmo assim a Administração quiser impor pela força a execução de uma acto nulo, os particulares têm o direito de resistência passiva (art. 21.º CRP). A resistência passiva dos particulares à execução de uma acto nulo é, assim, legitima;
- Um acto nulo pode ser impugnado a todo o tempo, isto é, a sua impugnação não está sujeita a prazo (162º/2 CPA);
- O pedido de reconhecimento da existência da nulidade do um acto administrativo (e da sua desaplicação) pode ser feito junto de qualquer tribunal, e não apenas perante os tribunais administrativos (162º/2 CPA);
A anulabilidade é uma sanção menos grave do que a nulidade e tem características bem diferentes das desta:
- O ato anulável, embora inválido é juridicamente eficaz até ao momento em que venha a ser anulada ou suspenso. Enquanto não for anulado nem suspenso, é eficaz, produz efeitos jurídicos como se fosse válido (art. 155.º/2 CPA);
- A anulabilidade é sanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou convenção. Quer isto dizer que o acto anulável, se não for objeto de revogação oficiosa pela Administração ou de impugnação pelo interessado ou pelo Ministério Publico dentro de certo prazo (arts. 163.º/3 e 4; 168.º/ 1 do CPA e art. 58.º/1 CPTA), acaba por se transformar num acto inatacável;
- O acto anulável é obrigatório, quer para os funcionários públicos quer para os seus destinatário, enquanto não for anulado;
- Consequentemente, não é possível apor qualquer resistência, mesmo passiva, à execução forçada de um ato anulável é legitima, salvo se a respetiva executoriedade não existir ou estiver suspensa;
- O acto anulável só pode ser impugnado dentro de um certo prazo que a lei estabelece, e que é, normalmente, num prazo curto.
Em suma, os actos da administração têm de respeitar certos requisitos de validade e de legalidade para produzirem os seus efeitos pretendidos. Caso contrário, ficam sujeitos às consequências dessa ilegalidade ou invalidade o que resulta na sua anulabilidade ou até na nulidade do ato emanado.
Bibliografia:
•AMARAL, Diogo Freitas do, (2016) Curso de Direito Administrativo. Volume II, Coimbra: Almedina
•SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de, (2016) Direito Administrativo Geral: Introdução e Princípios Fundamentais. Tomo I, Alfragide: D. Quixote
Erica Correia Nr 28116
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