Este post é uma exposição do que trata o "Exercício do Poder Administrativo" nomeadamente, como é que a Administração elabora o Direito, através de um dos seus exercícios mais conhecidos que é o regulamento. Ao longo deste post, tratarei por enunciar o conceito de regulamento e as suas espécies, a distinção entre regulamento e lei, entre regulamento e ato administrativo, quais os limites do poder regulamentar, quem são os seus titulares e como se elabora o processo dos regulamentos.
1. O Regulamento Administrativo
Os regulamentos administrativos são normas jurídicas que saem (emanadas) no exercício do poder administrativo por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei.
Cumpre sublinhar que os regulamentos constituem um produto da atividade da Administração indispensável ao funcionamento do Estado. Isto porque, em primeiro lugar, permitem ao Parlamento, por razões de tempo e por razões materiais, desonerar-se de tarefas que considera incómodas, ou em face das quais se sente pouco “apetrechado”; em segundo lugar, porque possibilitam uma adaptação rápida do tecido normativo a múltiplas situações especificas da vida que, por razões várias, sobretudo técnicas se encontram hoje em dia em constante mutação; enfim, e no que toca aos regulamentos dos entes autónomos, porque viabilizam, de forma mais adequada do que a lei, a tomada de consideração das diferentes especificidades regionais, locais ou corporativas.
Esta noção de regulamento apresentada encerra três elementos essenciais: um elemento material; outro de natureza orgânica; e um terceiro de natureza funcional.
Do ponto de vista material, o regulamento administrativo consiste de normas jurídicas. Quando se afirma que o regulamento tem natureza normativa, estamos a encará-lo enquanto regra de conduta da vida social, dotada de características da generalidade e da abstração que, como se sabe, são elemento definidor da norma jurídica.
O regulamento não se esgota normalmente numa aplicação; pelo contrario, aplicar-se-á sempre que em concreto se verificarem as situações típicas que nele se encontram previstas. Diferentemente se passam as coisas com o ato administrativo. É que o ato administrativo está, em principio, vocacionado para se aplicar a um único destinatário – um indivíduo, uma pessoa coletiva, uma empresa – e para resolver uma situação concreta, consumindo nela os seus efeitos jurídicos.
Mas para alem da norma que é, o regulamento é uma norma jurídica: isto quer dizer o quê? Quer dizer que o regulamento administrativo não se fica por um mero preceito administrativo, ou seja, enquanto norma meramente interna: trata-se de uma verdadeira e própria regra de direito que pode ser imposta mediante a ameaça de coação e cuja violação leva á aplicação de sanções, sejam elas de natureza penal, contraordenacional ou disciplinar.
Do ponto de vista orgânico, o regulamento é ditado por um órgão de uma pessoa coletiva pública integrante da Administração Pública. Mas não só. Sendo o poder regulamentar um poder característica da função administrativa e sendo esta função por vezes exercida, quer por pessoas coléticas públicas que não integram a administração, quer por entidades de direito privado – também essas outras entidades podem exercer, a título excecional, poderes regulamentares.
Do ponto de vista funcional, cumpre referir que o regulamento é emanado no exercício do poder administrativo. Este aspeto é relevante naqueles casos em que o órgão considerado não e exclusivamente órgão da Administração – como sucede com o Governo e com as Assembleias Legislativas das regiões autónomas, que para além de serem órgãos administrativos são também órgãos políticos e administrativos (CRP, arts. 197º a 201 e 227 e 232º). Assim, só se pode tratar de regulamento administrativo nestes casos quando o Governo ou as Assembleias Legislativas das regiões autónomas tiverem atuado no desempenho das suas atribuições administrativas, não já quando tiverem atuado como órgão legislativo (se assim for, a norma jurídica corresponderá a um ato legislativo.)
Deve-se ter presente que a atividade regulamentar é uma atividade secundária, dependente e subordinada face á legislativa, logo a função legislativa e a função política são funções primarias enquanto que a função jurisdicional e administrativas são funções secundárias.
Enquanto norma secundária que é, o regulamente administrativo encontra pois na CRP e na lei, o seu fundamento e parâmetro de validade. Consequentemente, se o regulamento contrariar alguma lei, é ilegal, e se entrar em relação direta com a constituição, violando-a, padecerá de inconstitucionalidade
. 1.1 Espécies de regulamentos administrativos
As espécies de regulamentos administrativos podem ser apuradas em 4 critérios:
1. Relação com a lei
2. Atende ao seu objeto;
3. Atende ao âmbito da aplicação
4. Projeção e sua eficácia.
Do ponto de vista da relação dos regulamentos administrativos com a lei, há que distinguir duas espécies de regulamentos: os regulamentos complementares e os regulamentos independentes e autónomos.
Como a própria designação sugere, «os regulamentos complementares ou de execução» são aqueles que desenvolvem ou aprofundam a disciplina jurídica constante de uma lei. E nessa medida, completam-na, viabilizando a sua aplicação aos casos concretos.
Exemplo: suponhamos que uma lei estabelece que os alunos mais desfavorecidos economicamente poderão beneficiar de bolsas de estudo a conceder pelos serviços sociais da UL, nos termos que, neste regulamento, venham a definir. É evidente que esta norma só poderá ter efetiva aplicação aos casos concretos da vida real após a elaboração de um regulamento complementar, que estabeleça as condições em que os interessados podem usufruir de tais benefícios, os montantes das bolsas a atribuir, os elencos dos documentos que hão-de acompanhar o pedido de bolsa, etc,etc.
Esta tarefa de pormenorização, de detalhe e de complemento do comando legislativo é que caracteriza os regulamentos complementares ou de execução.
Os regulamentos complementares ou de execução podem ser espontâneos ou devidos.
No primeiro caso, a lei nada diz quanto á necessidade da sua complementarização: todavia, se a administração o entender adequado e para tanto dispuser de competência, poderá editar um regulamento de execução.
No segundo caso, é a própria lei que impõe á Administração a tarefa de desenvolver a previsão do comendo legislativo.
Em suma, estes regulamentos complementares ou de execução, são regulamentos “secundum legem” sendo, portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento.
Os regulamentos independentes ou autónomos são aqueles regulamentos que os órgãos administrativos elaboram no exercício da sua competência, para assegurar a realização das suas atribuições específicas, sem cuidar de desenvolver ou completar nenhuma lei em especial. Ou seja, são regulamentos em que a lei se limita a definir a competência subjetiva e objetiva, sem necessidade de definição do conteúdo dos comandos normativos a emitir pelo regulamento (liberdade de definição do conteúdo normativo).

Assim, tais regulamentos não vêm, complementar qualquer lei anterior, eventualmente carecida de regulamentação por via administrativa: a sua missão é antes, estabelecer autonomamente a disciplina jurídica que há-de pautar a realização das atribuições específicas cometidas pelo legislador aos entes públicos considerados.
Os regulamentos independentes são, afinal de contas, expressão da autonomia com que a lei quer distinguir certas entidades públicas confiando na sua capacidade de autodeterminação e no melhor conhecimento de que normalmente desfrutam acerca das realidades com que têm de lidar. Esta classificação esta expressamente prevista no art.º78 112 nº6 e 7 da CRP.
Quanto ao objeto, há que referir fundamentalmente os regulamentos de organização, os regulamentos de funcionamento e os regulamentos de polícia.
Os regulamentos de organização são aqueles que procedem á distribuição das funções pelos vários departamentos e unidades de uma pessoa coletiva pública, bem como á repartição de tarefas pelos diversos agentes que aí trabalham.
Quanto aos regulamentos de funcionamento, são aqueles que disciplinam a vida quotidiana dos serviços públicos. Os regulamentos que procedem em particular á fixação das regras de expediente denominam-se regulamentos procedimentais.
Por seu turno os regulamentos de policia, são aqueles que impõem limitações à liberdade individual com vista a evitar que, em consequência da conduta perigosa dos indivíduos, se produzam danos sociais. Entre os inúmeros exemplos dos regulamentos da polícia, podem referir-se os regulamentos de trânsito, os regulamentos sobre a instalação e funcionamento de indústrias insalubres, ou ainda os regulamentos sobre a utilização de material elétrico.
Quanto ao âmbito da sua aplicação, temos que distinguir 3 tipos de regulamentos: gerais, locais e institucionais.
Quanto aos primeiros, são aqueles que se destinam a vigorar em todo o território continental.
Os regulamentos locais, são aqueles que têm os seus domínios de aplicação limitados a uma dada circunscrição territorial, por exemplo, é o caso dos regulamentos aplicados às regiões autónomas – regulamentos regionais – ou no âmbito das autarquias locais – regulamentos autárquicos.
Por fim os regulamentos institucionais são os que emanam de institutos públicos ou de associações públicas para terem aplicação apenas às pessoas que se encontram sob a sua jurisdição.
Quanto á sua projeção e eficácia os regulamentos dividem-se em internos e externos.
São regulamentos internos aqueles que produzem efeitos jurídicos unicamente no interior da esfera jurídica da pessoa coletiva pública de que emanam.
São regulamentos externos, aqueles que produzem efeitos jurídicos em relação a outros sujeitos de direito diferentes, isto é, em relação a outras pessoas coletivas públicas ou em relação a particulares.
Por exemplo: há regulamentos de organização que são internos; mas todos os regulamentos de polícia são externos.
1.2 Distinção entre regulamento e lei
Como é que se distingue entre si a lei e o regulamento?
Antes de mais é necessário ter consciência do relativismo de delimitação entre a lei e o regulamento.
Ø O 1º critério de que partia a escola clássica francesa assenta na diferença entre princípios e pormenores – á lei caberia a formulação dos princípios, ao regulamento a disciplina dos pormenores. Mas o critério é vago, pois não permite traçar com rigor a distinção entre princípios e pormenores; além de que, como é bom de ver, nada impede que haja pormenores numa lei e princípios num regulamento.
Ø O 2º critério, inicialmente utilizado pela escola alemã de Direito Público, e entre nós sustentado pelo Prof. Marcello Caetano, reconhece haver alguma afinidade no plano material entre o regulamento e a lei, considera possível distingui-los porque ao regulamento falta a novidade, que é característica da lei. Os regulamentos complementares ou de execução são normas secundárias que completem ou desenvolvem leis anteriores, sem as quais não podem ser elaboradas; e os regulamentos independentes ou autónomos, embora não se destinem a regulamentar determinada lei, são feitos para a «boa execução das leis» em geral, isto é, visam a «dinamização da ordem legislativa» no seu conjunto.
Este critério encerra uma dificuldade, a dos regulamentos independentes ou autónomos. Estes não pressupõem na sua base nenhuma lei, a não ser a lei da habilitação.
Ao contrario do que dizia o Prof. Marcello Caetano, não se destinam à boa execução das leis já existentes, nem a dinamização da ordem legislativa. São eles próprios inovadores, criam direito, tão inovadores que, no âmbito da Administração Autónoma, podem ser diferentes, e contraditórios, de município para município (por exemplo, o caso das posturas de trânsito).
Em suma, o Marcello não consegue suportar esta ideia, ou seja, oferecer qualquer nota material distintiva do regulamento independentemente face á lei.
Ø O 3º critério baseia-se na identidade material entre lei e regulamento – substancialmente os regulamentos são leis. Assim, a distinção entre ambos só pode ser feita entre o plano formal e orgânico. Ou seja, tanto a lei como o regulamento são materialmente normas jurídicas; a diferença vem da diferente posição hierárquica dos órgãos de onde emanam e, consequentemente, do diferente valor formal de uma e de outro ( a lei pode revogar o regulamento; o regulamento não pode revogar a lei, se a contrariar é ilegal.)
Qual a importância da distinção?
A utilidade prática da distinção entre lei e regulamento cifra-se basicamente em três pontos:
a) Fundamento jurídico: a lei, em regra, baseia-se unicamente na Constituição; o regulamento só será válido se uma lei de habilitação atribuir competência para a sua emissão – art.112ºnº7 CRP
b) Ilegalidade: em regra, uma lei contrária a outra lei revoga-a, ou então coexistem na mesma ordem jurídica com diversos domínios de aplicação; um regulamento contrario a uma lei e ilegal.
c) Impugnação contenciosa: a lei só pode ser impugnada contenciosamente com fundamento em inconstitucionalidade – art. 280º nº2 alinea c) e art. 282º, nº1 e 2 da CRP; o regulamento ilegal é impugnável contenciosamente com fundamento em ilegalidade propriamente dita (ou com fundamento na violação de um regulamento que devia ter sido respeitado- uma outra modalidade de ilegalidade sui generis, p.e, contradição de um regulamento de uma freguesia com o regulamento de um município. Excecionalmente, o regulamento pode ser , no entanto, impugnado diretamente perante o Tribunal Constitucional.
1.3 Distinção entre regulamento e acto administrativo
Tanto o regulamento e o ato administrativo são comandos jurídicos unilaterais emitidos por um órgão competente no exercício de um poder público de autoridade, mas regulamento, como norma jurídica que é, é uma regra geral e abstracta ao passo que, o ato administrativo, como ato jurídico que é, é uma decisão individual e concreta.
A norma jurídica é geral, isto é, define os seus destinatários por meio de conceitos ou categorias universais, sem individualização de pessoas, e é abstracta, isto é, define as situações da vida a que se aplica também por meio de conceitos, ou categorias.
Pelo contrário, o ato administrativo é individual, isto é, reporta-se a uma pessoa ou a algumas pessoas especificamente identificadas, ou seja, é concreto e visa regular uma certa situação bem caracterizada.
Qual a utilidade da distinção entre regulamento e ato administrativo?
Ela manifesta-se nestes pontos:
a) Interpretação e integração – o regulamento é interpretado, e as suas lacunas são integradas, de harmonia com as regras próprias da interpretação e integração das normas; para o ato administrativo, há outras regras especificas aplicáveis em matéria de interpretação e integração do ato administrativo;
b) Vícios e formas e invalidade – também podem não coincidir. Nesta matéria o paradigma aplicável ao regulamento é o das leis; o modelo seguido no ato administrativo, ainda que com grande número de particularidades é o do negócio jurídico.
c) Impugnação contenciosa – para além de os regulamentos poderem ser considerados ilegais em quaisquer tribunais, ao contrário do que sucede com o ato administrativo (que apenas pode ser anulado nos tribunais administrativos) os termos da impugnação contenciosa de regulamentos e de atos administrativos são diferentes quanto é legitimidade, aos prazos, ás regras processuais.
1.4 Limites do poder regulamentar
1) Princípios gerais de Direito
Prof. Afonso Queiró “Um conjunto de máximas ou diretrizes jurídicas pré- estaduais, autónomas em relação ás decisões do legislador constituinte e cuja validade e obrigatoriedade não depende do facto de serem acolhidas na constituição escrita de um Estado que se diga Estado de Direito.”
São normas que constituem um núcleo muito reduzido do universo jurídico – isto é, fundamentalmente, preceitos ou máximas ligados á ideia de Direito e ao Princípio da Justiça.
2)Constituição
Contém várias regras sobre competência e forma dos regulamentos administrativos cuja inobservância gerará inconstitucionalidade dos mesmos.
Finalmente, as matérias que não se encontram constitucionalmente reservadas a tratamento legislativo, se um regulamento administrativo estabelecer uma disciplina contrária a princípios ou normas constitucionais padecerá de inconstitucionalidade.
A inconstitucionalidade direta dos regulamentos é fiscalizada nos termos gerais: fiscalização concreta incidental, abstrata directa.
3)Princípios Gerais de Direito Administrativo
Exemplo: o principio da inderrogabilidade singular dos regulamentos ou o principio da indisponibilidade dos bens da Administração a título gratuito.
Estes princípios podem ser revogados por normais legais, pois tem a mesma posição hierárquica delas, mas não podem ser derrogados diretamente pelos regulamentos. A não observância desta vinculação importa “violação da lei” e consequente anulabilidade ou não aplicação dos regulamentos
4)A lei (principio da legalidade)
O regulamento não pode contrariar um ato legislativo já que a lei tem a absoluta prioridade sobre os regulamentos- é a vertente do principio da legalidade que, como vimos, se costume designar como principio da preferência de lei.
O principio da legalidade seria um principio formal se o regulamente pudesse adiantar-se na respetiva disciplina jurídica. Daí que além da prevalência ou preferência de lei, ele se manifeste igualmente sob outra vertente muito importante: o principio da reserva de lei.
Isto significa duas coisas:
- Que o poder regulamente se não pode desenvolver naquelas áreas que constitucionalmente estejam reservadas á lei (principio da reserva material da lei). Os únicos regulamentos que nas matérias reservadas á lei se admitem são os regulamentos de execução.
- O principio da reserva de lei significa que o exercício de qualquer atividade administrativa regulamentar tem de ser precedido de uma lei habilitante.
Para o prof. Freitas do Amaral este ponto gera controvérsia. Pois tem sido especialmente discutida a questão de saber se podem ser, ou não, emitidos regulamentos independentes diretamente fundados na Constituição.
Segundo o Professor, a resposta é negativa.
Decorre do art. 112º nº7 CRP que os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou leis que definem a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão. Parece evidente que esta dupla exigência desautoriza claramente a emanação de regulamentos totalmente independentes, isentos de fundamento legal prévio.
A CRP impõe assim um pressuposto legal, no sentido da exigência de uma lei prévia para atuação do poder regulamentar. Deve entender-se que só pode haver regulamentos independentes se uma lei expressamente habilitar certo órgão administrativo ( competência subjetiva) a fazer um regulamento sobre certa matéria administrativa (competência objectiva) – entre a CRP e o regulamento independente tem de estar sempre o legislador. E devendo todos os regulamentos mencionar as concretas leis que os habilitam a preterição do dever da citação da lei de habilitação equivale á ausência de um elemento formal constitucionalmente necessário, pelo que tais regulamentos padecem de inconstitucionalidade formal.
5)Disciplina jurídica constante dos regulamentos editados por órgãos que se situem num plano superior ao do órgão que editou o regulamento
O poder de emissão de regulamentos está repartido entre o Governo e múltiplos órgãos dos entes públicos que constituem o aparelho administrativo. Embora pertençam ao mesmo nível encontramos entre eles uma subordinação hierárquica.
Assim sendo, os regulamentos do Governo prevalecem sobre todas as outras normas administrativas, mesmo sendo posteriores quando existam casos de conflitos, sem prejuízo da competência regulamentar especial da Assembleia Legislativa das regiões autónomas, quando as leis emanadas dos órgãos de soberania não reservem para o Governo a sua regulamentação- ver art. 227º CRP al d) 2º parte e art. 232 nº1 CRP; efetivamente se tal reserva não ocorrer, devemos admitir que os regulamentos regionais podem revogar os nacionais (note-se que é uma exceção)
Quanto ás autarquias locais, a regra aqui é a de que prevalecem os regulamentos emanados da autarquia de grau superior- art. 241º CRP. Nestes termos um regulamento de freguesia deve obediência a um regulamento municipal, e este por sua vez deverá obediência a um regulamento regional (se existir região administrativa).

Por outro lado dentro de cada autarquia os regulamentos têm todos o mesmo valor, resolvendo-se o eventual conflito pela prevalência de uma norma posterior.
6)Proibição de o regulamento dispor retroativamente
As estas limitações escapam, os regulamentos em relação aos quais a lei haja concedido á Administração a faculdade de regular retroativamente.
Constitui igualmente exceção o caso de o regulamento administrativo que se pretenda aplicar retroativamente consagrar um regime mais favorável para os destinatários, se nenhum particular ou entidade pública for ilegalmente prejudicado.
7)O poder regulamentar está sujeito a limites de competência e forma
Sendo a CRP e a lei que determinam a competência dos órgãos, sofrerá de inconstitucionalidade ou ilegalidade orgânica um regulamento editado por um órgão que não disponha os poderes para tal.
Da mesma maneira, tendo poderes para editar regulamentos, o órgão competente está vinculado ás formas e formalidades que, para a atividade regulamentar, tenham sido constitucional ou legalmente fixadas.
1.5 Quem são os titulares do poder regulamentar?
Quem é que tem competência para fazer regulamentos?
- Governo: em relação á competência regulamentar da pessoa coletiva Estado, interessa referir a competência regulamentar do Governo. A este órgão a Administração Pública compete nos termos do art.199º alínea c) da CRP “fazer os regulamentos necessários á boa execução das leis “e bem assim, nos termos da alínea g) do mesmo preceito “praticar todos os atos e tomar todas as providencias necessárias a promoção do desenvolvimento económico social e a satisfação das necessidades coletivas”.
Em relação ao exercício da competência do Governo, a regra é a de que ela há-de ser atuada pelo Ministro da pasta respetiva, só intervindo o Conselho de Ministros quando a lei expressamente o preveja.
Portanto, é cada ministro, que deverá editar os regulamentos administrativos necessários á boa execução das leis ou á satisfação das necessidades coletivas – o que decorre também do disposto no art. 201º n2 alínea a) CRP quando estabelece que compete aos ministros executar a politica definida para os seus ministérios.
Excecionalmente, o Conselho de Ministros pode dispor de competência regulamentar: desde logo aquela que por lei lhe seja atribuída, depois, aquela outra que decorrer da circunstância de um assunto ser levado a Conselho de Ministros e o Conselho de Ministros entender que deve pronunciar-se sobre ele (com as limitações que já se conhecem)
Qual a forma dos regulamentos do Governo?
Revestem necessariamente esta forma, por força do art. 112º nº6 CRP, entre outros, os regulamentos independentes.
Com segunda forma possível de regulamento do Governo, temos a resolução do Conselho de Ministros. No entanto, estas resoluções não têm necessariamente a natureza de regulamentos: podem ser materialmente regulamentos, mas também podem corresponder materialmente a atos administrativos ou atos de outra natureza.
Quando o regulamento é dimanado de um ou mais ministros tem nome do Governo estamos perante uma portaria, figura que não é autonomizada pela CRP.
Quando o regulamento dimana de um ministro em nome do seu ministério, e não em nome do Governo da República, estamos perante um despacho normativo.
- Regiões Autónomas: quanto aos órgãos próprio das regiões autónomas tanto a Assembleia Legislativa como o Governo Regional dispõem de poder regulamentar.
A competência regulamentar das R.As é enunciada no art. 227º nº1 alinea d) da CRP.
Segundo o art.231º nº6 da CRP, compete exclusivamente ao Governo Regional a matéria relativa á sua organização e funcionamento. A competência regulamentar do Governo Regional é por excelência a de elaborar os regulamentos necessários á execução dos decretos legislativos regionais.
Os regulamentos do Governo Regional assumem nos termos do art. 61 nº1 dos Estatutos dos Açores e do art.70º nº1 do Estatuto da Madeira, a forma de decreto regulamentar regional.
- Autarquias Locais: quanto a estas, já se viu que elas dispõem de poder regulamentar, diretamente atribuído pelo art. 241º CRP. O poder regulamentar autónomo permite responder ás especificidades locais e materiais, ás quais nem o legislador nem os regulamentos governamentais estariam em condições de responder. Os regulamentos locais existem para através de medidas adequadas, ordenar a vida local por forma a obter uma mais correta satisfação das necessidades coletivas da respetiva comunidade. Normalmente os regulamentos locais são regulamentos independentes, em que a lei habilitante é a que define as atribuições de cada categoria de autarquias locais, bem como o órgão competente para os emitir.
- Institutos Públicos: . Também têm competência regulamentar, ou melhor, os seus órgãos dirigentes não existindo forma especial para os regulamentos deles emanados.
1.6 Qual o processo de elaboração dos regulamentos?
A nossa lei contem varias regras sobre a tramitação procedimental de elaboração dos regulamentos externos da AP- art. 114º e ss CPA
No art. 115º CPA consagra-se o direito de petição em matéria regulamentar. Estabelecem-se dois deveres essenciais: para o particular, o dever de fundamentar a petição; para a Administração, o dever de informar os particulares sobre o destino dado ás petições formuladas ao abrigo do nº1, bem como os fundamentos da posição que tomar em relação a eles.
No art. 116º o CPA impõe que todo o projeto de regulamento deve ser acompanhado de uma nota justificativa fundamentada, visando se proporcionar com esta norma o órgão de competência regulamentar obter conhecimento de todos os aspetos merecedores de ponderação previamente á adotar de determinada disciplina regulamentar, e por outro, uma vez publicado o regulamento, ajudar a esclarecer dúvidas de interpretação das respetivas normas.
O art. 117 e 118º do CPA consagram os princípios de audiência dos interessados e da apreciação publica dos projetos de regulamento.
Estes artigos ficaram em regime de pendencia ou intermediação legislativa, e continuam até hoje. Refira-se, contudo, que a necessidade de submeter o projeto regulamentar visa a apreciação pública se encontra já prevista legalmente em casos especiais como por exemplo, em matéria de operações de loteamento e obras de urbanização e quanto a projetos de planos municipais de ordenamento do território.
1.6.1 Publicação
Art. 119 nº1 da CRP – Diário da República, sob pena de ineficácia jurídica, art. 119º nº2 CRP
1.6.2Vigência dos regulamentos: inicio
Os regulamentos iniciam a sua vigência após serem publicados no Diário da Republica, ou faltando data fixada, 5 dias após a sua publicação para o Continente e 10 dias para as Regiões Autónomas.
1.6.3Modificação e suspensão
A modificação e suspensão cabem aos órgãos que as elaboraram, quer aos órgãos hierarquicamente superiores com poder de supervisão, quer ainda aos órgãos que assumam poderes titulares com esse conteúdo, relativamente aos que o hajam editado.
Devem respeitar também de acordo com o paralelismo das formas, um processo idêntico ao da sua elaboração. Por outro lado, esta modificação/suspensão também pode ser elaborada pelo legislador, segundo o principio de que nada é vedado á lei no que toca á criação de normas, ressalvando-se os limites constitucionais.
Art. 119º nº1 CPA. – não há um limite á modificabilidade e suspensividade dos regulamentos quando elaborados em consequência de expressa obrigação imposta pela lei á Administração
1.6.4 Inderrogabilidade singular
A Administração pode modificar, suspender ou revogar um regulamento anterior por via geral e abstracta.
O que não é-lhe permitido fazer é derrogá-los sem mais em casos isolados, mantendo-os em vigor para todos os restantes casos.
Por força dele, um regulamento que derroga outro para um caso concreto e individual não e um regulamento: é um ato administrativo e um ato administrativo ilegal por violação de regulamento.
Prof. Afonso Queiró: A Administração esta sujeita ao principio da legalidade, o qual só lhe permite agir nos termos da lei geral e naqueles que ela mesma fixe, segundo habilitação legal, em termos genéricos.
Por força deste principio, a Administração não pode contraditar o regulamento que ela própria haja elaborado. A regra da inderrogabilidade singular dos regulamentos justifica-se por força do principio da igualdade: aplicar um regulamento a todos os casos possíveis menos a um ou dois pode redundar em situações de desigualdade sem fundamento material bastante.
1.6.5Termo
Os regulamentos podem cessar a sua vigência por:
- Caducidade;
-Revogação;
- e decisão contenciosa.
Quanto á caducidade, são os casos em que o regulamento caduca, ou seja, cessa automaticamente a sua vigência, por ocorrerem determinados factos que ope legis produzem esse efeito jurídico.
Principais casos:
-Regulamento foi feito para vigorar durante um tempo (regulamento temporário), decorrido esse tempo, ele caduca.
- Também caduca se forem transferidas as atribuições da pessoa coletiva para outra autoridade administrativa, ou se cessar a competência regulamentar do órgão que fez o regulamento. Esta rega básica pode conhecer duas exceções: por um lado, no caso de a competência passar para um outro órgão da mesma pessoa coletiva, o regulamento mantém-se em vigor; por outro, se uma pessoa coletiva é extinta, mas outra lhe sucede por determinação legal, o regulamento continua em vigor.
-O regulamento cessa ainda a sua vigência por caducidade quando for revogada a lei que se destinava a executar sem que esta tenha sido substituída por outra
Quanto á revogação, o regulamento deixa de vigorar noutro tipo de casos, em que o acto voluntário dos poderes públicos impõe a cessação dos efeitos, total ou parcial, do regulamento.
São eles:
- Revogação expressa ou tacita operada por outro regulamento de grau hierárquico e forma idênticos;
-“ por regulamento de autoridade hierarquicamente superior ou por regulamento de gorma legal solene;
- “ por lei
NOTA: ver o art. 119º nº1 CPA porque é proibido a revogação de regulamentos de execução não acompanhados de emissão simultânea de novo regulamento. Pretende-se com esta regra evitar vazios em matéria regulamentar que inviabilizam a efetiva aplicação das leis.
Por outro lado, exige o numero 2 do mesmo artigo, que os regulamentos se faça sempre menção especificada das normas revogadas, exigência que pretende combater a prática das revogações implícitas no domínio da atividade regulamentar da Administração Pública.
Quanto á decisão contenciosa, os regulamentos deixam também de vigorar sempre, na medida em que forem objeto de ilegalidade com força obrigatória geral nos termos do art. 72º do CPTA. Com este efeito, esta produz efeitos desde a data de emissão da norma e determinada a repristinação das normas que ela haja revogados- art. 67º do CPTA.
Sara Nicolau nº28131
Bibliografia:
Liçoes de Direito Adminsitrativo volume II, Prof. Freitas do Amaral
Introdução ao Direito Admnistrativo, Prof. João Caupers
Teoria Geral do Direito Administrativo, Mário Arroso de Almeira.
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