sexta-feira, 21 de abril de 2017

A Evolução Histórica do instituto da responsabilidade civil administrativa

         O Professor Diogo Freitas do Amaral sintetiza a evolução histórica do instituto da responsabilidade civil administrativa em quatro fases.
         A primeira fase carateriza-se por uma irresponsabilidade do Estado. O Estado não tinha a obrigação de indemnizar os prejuizos dos particulares resultantes da sua ação. Esta conceção dominou numa época em que vigoravam regimes de monarquia absolutista e ainda no século XIX em que o direito administrativo se encontrava numa fase incipiente. Deste modo, a Administração era consequentemente irresponsável, não podendo ser direta ou indiretamente responsabilizada pelos danos causados em consequência quer da prática de atos administrativos quer da execução das leis.
         No entanto, a regra geral da irresponsabilidade do Estado não constituia uma prática absoluta, na medida em que se admitiam exceções. As autarquias locais, não sendo entidades soberanas, respondiam pelos danos causados assim como o Estado respondia pelos prejuízos resultantes de grande parte das suas atividades particulares, como a gestão do domínio privado. Para além disso, outras atividades como as obras públicas podiam suscitar responsabilidade administrativa do Estado.
         Por outro lado, esta conceção acompanha um Estado abstencionista, que não intervém ou intervém pouco na vida econonómica e social, pelo que a probabilidade de causar danos aos particulares era reduzida.
         Desse modo, as Constituições do século XIX consagravam apenas a responsabilidade dos “empregados públicos” por prejuizos resultantes da prática das suas funções, designadamente erros e abusos de poder. O Código de Seabra de 1867 acompanha os preceitos constitucionais, admitindo a irresponsabilidade dos funcionários públicos no exercício das suas funções, exceptuando os casos em que os mesmos excedessem ou não cumprissem as disposições previstas legalmente. Consequentemente, a responsabilidade recaía exclusivamente no funcionário, não abrindo sequer espaço para uma responsabilização indireta da Administração.
         Contudo, a doutrina e a jurisprudência interpretaram essas disposições legais no sentido de responsabilizar o Estado pelos atos de gestão privada regulados pelo direito privado, colocando o Estado numa posição análoga à das restantes pessoas coletivas.
         Em suma, a primeira conceção baseia-se na regra geral de irresponsabilidade do Estado e consequente irresponsabilidade da Administração, embora admitindo exceções pouco significativas.
         Posteriormente, surge o que o professor Diogo Freitas do Amaral classifica como uma segunda fase da evolução histórica do instituto da responsabilidade civil administrativa, em que a jurisprudência começa a apontar no sentido da responsabilização do Estado por “atos de império”. A responsabilidade solidária do Estado com os seus agentes por atos ilícitos praticados por estes no âmbito das suas funções desponta com a revisão de 1930 do nosso Código Civil. Consequentemente, passou a decorrer do nosso Código que os empregados públicos não seriam responsáveis pelos prejuízos causados no exercício das suas funções, excepto se houver incumprimento das disposições legais por parte dos mesmos e, nesses casos o Estado responderia solidariamente. Alguns anos depois, o Código Administrativo estabelece, em alguns casos, a responsabilidade exclusiva das autarquias locais.
         Assim, o Estado tornou-se solidariamente responsável pelos danos causados pelo “bom funcionário público”, aquele que cometeu erros ligeiros na prática das suas funções. No entanto, o “mau funcionário” responde individualmente pelos erros grosseiros que haja cometido, nomeadamente usurpação de poder, incompetências ou desvio de poder.
         Portanto, nesta fase surge a responsabilidade administrativa, baseada quer no risco de atividades perigosas quer nos excessivos sacríficos impostos, existindo apenas nos casos expressamente previstos na lei, segundo o entendimento da doutrina e da jurisprudência. Em contrapartida, em 1950 surge um novo entendimento de que relativamente à responsabilidade por atos lícitos, a Administração seria obrigatoriamente responsabilizada, mesmo que isso extravasasse o que estava legalmente previsto.
         Atendendo a um ponto de vista processual, a situação era paradoxal, no sentido em que as ações para efetivação da responsabilidade civil da Administração eram propostas nas auditorias (Tribunais Administrativos) enquanto que a competência para “decidir” a responsabilidade administrativa pertencia aos Tribunais Judiciais.
         Segue-se a terceira fase que, no entendimento do professor Freitas do Amaral surge com a publicação do novo Código Civil português, de 1966. Os trabalhos preparatórios deste Código apontavam no sentido de incluir toda a matéria da responsabilidade extracontratual da Administração Pública. No entanto, o resultado final consagrou apenas o regime da responsabilidade da Administração por danos causados no exercício de gestão privada, deixando para o Direito Administrativo a legislação da responsabilidade da Administração no âmbito da gestão pública. Desse modo, surge o Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967 com o intuito de regular a responsabilidade administrativa no domínio da gestão pública. Neste âmbito, o Decreto-Lei separou a figura da responsabilidade por ato terceiro, ou seja os casos em que a Administração responde por danos causados por indíviduos com quem mantém uma relação funcional. Portanto, temos de um lado a responsabilidade exclusiva e objetiva da Administração, relativa por exemplo à responsabilidade pelo risco e por facto ilícito e do outro lado a responsabilidade por terceiro.
         Paralelamente, foi revista a parte processual, estabelecendo-se que a Administração responderia segundo o direito civil e perante os Tribunais Judiciais quando os danos forem causados no âmbito de gestão privada. Relativamente aos prejuízos resultantes de atividades de gestão pública, a Administração respondia perante os Tribunais Administrativos e era aplicado o próprio direito administrativo.
         Continuando a sistematização da evolução histórica do instituto da responsabilidade civil administrativa, cabe agora apresentar a quarta fase da evolução, que corresponde à atualidade.
A Constituição da República Portuguesa de 1976 estabelece a autonomização da responsabilidade do estado e outras entidades públicas da responsabilidade dos seus funcionários e agentes. Atualmente, decorre do artigo 22º da CRP que o Estado e demais entidades públicas respondem de forma solidária com os seus funcionários e agentes pelos atos e omissões praticados no exercício das suas funções das quais resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. Diversos Decretos-Lei posteriores estabelecem o regime da responsabilidade civil administrativa, tendo como base a distinção entre responsabilidade pessoal e responsabilidade funcional. Nesse âmbito, podemos concluir que a responsabilidade funcional remete para os danos emergentes de atos negligentes , em que opera ou não o direito de regresso , por parte da pessoa pública, consoante se trate de negligência grave ou leve. Isto decorre do artigo 2º/1 do Decreto-Lei 48 051. Quanto à responsabilidade pessoal, decorre do artigo 3º/1 do mesmo diploma que a mesma remete para danos resultantes de actos dos titulares dos órgãos ou agentes que excedam o limites das funções ou de actos praticados dolosamente, sendo que, neste último caso, funciona a responsabilidade solidária da pessoa colectiva pública.
Segue-se a importante reforma do Contencioso Administrativo, de 2002/2003 que estabelece a remissão do tratamento de todas as questões de responsabilidade civil administrativa para os Tribunais Administrativos, através da ação administrativa comum. Foi, portanto, reconhecida a competência para conhecer da responsabilidade civil contratual administrativa aos Tribunais Administrativos. Semelhante solução foi adotada relativamente à responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público e da responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime jurídico do Estado.
Mais tarde, surge a Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro com os objetivos de aproximar o quadro normativo existente da jurisprudência dos tribunais administrativos e de cumprir a obrigação de transpor diretivas comunitárias relativas à responsabilidade pré-contratual.
Em suma, é relevante atentar na distinção entre responsabilidade civil da Administração Pública e responsabilidade civil dos seus agentes. Por um lado, os tribunais competentes para decidir sobre cada uma delas são os mesmos, assim como o modo processual. Contudo, num plano substantivo é ainda importante fazer a distinção entre as duas figuras. A responsabilidade civil resultante do exercício de atos de gestão privada resulta do artigo 501º do Código Civil, enquanto que a responsabilidade civil emergente da atividade administrativa é regulada através do CCP e do RCEEP.

A conceção atual é, portanto, fruto de uma longa e difícil evolução, tendo em conta que devido a fatores políticos, sociais e jurídicos, a responsabilização do Estado foi por vezes impensável. Atualmente, o Estado é responsável. Logo, a Administração Pública é responsável. 


Bibliografia
Diogo Freitas do AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 3ª edição 2016

João CAUPERS, Introdução ao Direito Administrativo, 10ª Edição, 2009

quarta-feira, 19 de abril de 2017


Validade e vícios dos atos administrativos

          No passado, Otto Mayer, jurista alemão, considerava o ato Administrativo como uma definição de direito inerente a suscetibilidade de execução coativa. No entanto, atualmente, o ato Administrativo procura regular, controlar (as atuações), garantir, condicionar e impor condutas aos administrados, onde se inclui também a própria Administração, no que diz respeito à previsibilidade da sua atuação Administrativa.

        No que diz, especificamente, respeito ao tópico a que me proponho a analisar, importa compreender desde logo o conceito de validade. Assim, a validade corresponde a uma condição necessária para a existência e reconhecimento de um ato Administrativo pronto a produzir todos os seus efeitos. No entanto, para que o ato administrativo seja válido, a lei exige a verificação de vários elementos indispensáveis à sua formação quer quantos aos sujeitos, quer quanto à forma e até quanto à finalidade. Estes elementos são denominados de requisitos.

         O ato Administrativo engloba, não só o seu autor, o órgão administrativo, como também os particulares de que é destinatário. Isto faz com que o autor do ato tenha, necessariamente, que atuar dentro das suas atribuições, tendo em vista a sua competência (art.º 151.º/1 alínea a) do CPA), e a legitimidade para o exercício da respetiva competência. No que concerne aos destinatários do ato Administrativo, a lei exige, através da menção obrigatória, a identificação dos mesmos de “… forma adequada”, à luz do artigo 151.º/2 alínea b) do CPA. A “forma adequada” alude a obrigatoriedade do ato ser claro, permitindo uma correta perceção por parte dos seus destinatários, no qual deve incluir também, o nome e a respetiva morada dos destinatários em causa.O que diz respeito ao requisito formal está disposto no artigo 150/1 e 2 CPA. 

          Importa saber distinguir dois conceitos, a forma de formalidade. O Prof. Diogo F. do Amaral, define a forma como o modo como se revela a conduta voluntária em que o ato se traduz, enquanto o formalidade trata-se de observação de mecanismos, exigidos por lei, para uma correta formação da decisão Administrativa ou o respeito pelas posições jurídicas subjetivas dos particulares, sob pena de ilegalidade. 

          Contudo, existem formalidades facilmente dispensáveis (ou menos necessários), e outras que devido à sua essencialidade não são possíveis de ser afastadas, como é o caso de fundamentação do ato, prevista no artigo 152/1.º do CPA. A fundamentação de um ato administrativo é referido pelo Professor Diogo F. do Amaral, como uma “ (…) enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse ato ou a dotá-lo de certo conteúdo.” 

        A importância de fundamentação do ato está relacionada com a necessidade de esclarecer a razão que motivou o ato (artigo 153/2.º in fine) de maneira a permitir um melhor enquadramento e reconstituição do mesmo. Nestes termos, o artigo 286/3.º da CRP, eleva fundamentação do ato a um direito fundamental ao impor a necessidade de notificação dos interessados. Uma vez consagrada pela Constituição, a norma em si, torna efetivamente imperativa vincando ainda mais a ideia de estado de direito democrático.

       Por último e no que diz respeito ao requisito da finalidade, o legislador estabelece que, o ato deve coincidir com a finalidade prevista na norma que atribui competência ao agente para a sua prática. Assim sendo, o órgão não pode fugir da finalidade que a lei lhe atribuiu, sob pena de nulidade do ato. Contudo, o requisito de finalidade só ganha relevância, nos atos praticados no exercício de poder discricionário, onde é atribuído a Administração uma margem de livre apreciação.

       É importante ter em conta que a eficácia dos atos Administrativos dependem da sua publicação e notificação para a produção de todos os seus efeitos, nos termos dos artigos 158.º e 159.º do CPA, respetivamente. 
        O ato legal da administração é um acto que respeita os requisitos de legalidade, o que o torna juridicamente conforme. 

       Um acto ilegal da administração é um acto que, por não respeitar um dos seus requisitos de legalidade, se apresenta numa situação de desconformidade como o bloco de legalidade. A desconformidade pode resultar, quer do desrespeito dos limites impostos pelo bloco de legalidade, quer da ausência de fundamento normativo. Um acto legal da administração é necessariamente válido e regular; já um acto ilegal da administração pode ser inválido ou simplesmente irregular, consoante, em função dos requisitos de legalidade que tenham sido preteridos a ordem jurídica o prive ou não da aptidão intrínseca para a produção de efeitos jurídicos. 

       O professor Diogo F. do Amaral esclarece que quando se diz que o acto administrativo é ilegal, por ser contrário à lei, está-se a usar a palavra “lei” num sentido muito amplo. Neste sentido a legalidade inclui a Constituição, a lei ordinária, os regulamentos, os contratos administrativos, nas suas clausulas de carácter normativo, os atos administrativos constitutivos de direitos com força de “caso decidido” etc.
      
      Ainda acerca da legalidade, e de acordo com o  entendimento do professor Marcelo R. Sousa, os requisitos de legalidade são exigências jurídicas de cujo verificação cumulativa depende a legalidade dos atos da administração; as exigências em causa reportam-se a cada um dos pressupostos e elementos dos atos da administração, pelo que existem requisitos de legalidade subjetivo e objetivos e, dentro dos últimos, requisitos de legalidade materiais, funcionais e formais. 

       Os requisitos de legalidade podem dizer respeito a momentos anteriores à pratica do acto, designadamente ao procedimento para a sua formação (requisitos objetivos formais relativos à formalidades essenciais prévias); podem ser concomitantes do próprio ato (requisitos subjetivos, objetivos formais relativos às formalidades concomitantes e à forma em sentido estrito e objetivos materiais relativos ao conteúdo e ao objeto); e podem ainda incidir sobre averiguações ou ponderações refletidas no acto mas necessariamente efetuadas em momento anterior(requisitos de legalidade objetivos funcionais e requisitos de legalidade objetivos e materiais relativos aos pressupostos do acto). 

           Os requisitos de legalidade aferem-se no momento em que o acto fica perfeito; assim sendo, por definição, os requisitos (necessariamente relativos a formalidade) posteriores à pratica do ato não são requisitos de legalidade, podendo, quando muito, ser requisitos de eficácia.

          Mediante o entendimento do professor Vasco P. da Silva, a ilegalidade é um juízo de desconformidade de uma atuação administrativa com norma jurídica. As ilegalidades podem ser orgânicas (competência ou atribuições dos órgãos em causa), procedimentais (violação das regras de procedimento), formais que consistem no desrespeito da forma legalmente exigida para determinadas atuações materiais (obrigam a administração quer se trate de exercícios de poderes discricionários ou vinculados).

            O professor Diogo F. do Amaral refere que a ilegalidade do acto administrativo pode assumir varias formas, consoante o requisito de legalidade que seja concretamente violado. As formas especificas de manifestação da ilegalidade designam-se vícios do acto. De notar que essa orientação de estabelecer uma tipologia legal dos vícios do acto administrativo, vem já desde há muitos anos ( tradição que começou no Direito Francês). Deste modo, por necessidade prática, pela conveniência de facilitar o recurso dos particulares aos tribunais administrativos, foi-se elaborando uma tipologia de vícios. 

1.º   O vício da usurpação de poder (ilegalidade orgânica) ocorre sempre que um órgão administrativo pratica atos que lesa o princípio da separação de poderes (artigo 111/2 CRP), portanto, trata de uma incompetência agravada. Nestes termos, o vício tem como desvalor jurídico a nulidade, que corresponde a uma sanção mais grave da ordem jurídica, não produzindo qualquer efeito, nos termos do artº161/2 alínea a) do CPA.

2.º A incompetência (ilegalidade orgânica) verifica-se quando um órgão administrativo pratica atos pertencentes as atribuições e competência de outro órgão. O vício da incompetência desmembra-se em absoluta e relativa.

3.º  Vício de forma (ilegalidade formal) verifica-se quando um determinado ato carece de requisitos procedimentais ou de formalidades legais. Assim, o ato teria como desvalor jurídico a nulidade, prevista no disposto do artigo 161/2 alíneas d), g), h), l) do CPA.

4.º   Desvio de poder (ilegalidade material) ocorre sempre que o fim com que o ato é praticado é de interesse privado e não público. Colocando em causa o princípio da prossecução do interesse público (atº4 do CPA). Este vício possui uma certa particularidade, no sentido em que apenas sucede no âmbito do poder discricionário, e nunca fora dele. Surge como desvalor jurídico, em consequência do vício, à nulidade, nos termos do artigo 161/2 alíneas c) e) do CPA.

5.º   Violação de lei (ilegalidade material) consiste na violação de todas e quaisqueis normas jurídicas, que limitam ou condicionam as atuações dos indivíduos. A violação traduz-se na preterição de vínculos materiais legalmente estabelecidos. A lei exige, para a sua verificação certos requisitos, tais como, a existência de erro nos pressupostos de fato, de direito e no seu próprio conteúdo. Uma vez reunidas todos estes requisitos, teria como desvalor jurídico a nulidade ou anulabilidade do ato, consoante estivermos adiante do estatuído no artigo 161/2 alíneas c), d), f), h), i), j), k) ou no artigo 163º do CPA, respetivamente.

     No entanto o professor Vasco P. da Silva acha que não se justifica mais, reconduzir estas diferentes formas  de ilegalidades aos chamados vícios administrativos. Na medida em que, esta expressão é a expressão tradicional que vinha da lei porque no passado a lei enunciava os vícios do acto administrativo- mas hoje em dia esta enumeração legal não existe mais no nosso ordenamento- as referencias que surgem não se ocupam deles senão isoladamente e nada obriga a que se fale em vícios do acto administrativo. Pelo contrário, até é conveniente que essa distinção não seja utilizada, por duas razões:


  •    Essa designação é uma realidade histórica que não tem lógica material – realidade que surge por justificações de natureza histórica e não teórica e critérios que não são racionais;
  •   Se utilizássemos essa distinção chegaríamos à conclusão de que era incompleta, que deixaria muitas coisas de fora.

      Outro motivo é o facto da incompetência, que surge como vício autónomo, corresponder a duas formas diferentes de violação das regras de competências- competência absoluta, por falta de atribuições e relativa, por falta de poderes funcionais – de competência em sentido restrito. Separar-se o poder discricionário do vinculado e dizer que no quadro do discricionário existe o vício de desvio de poder enquanto no poder vinculado existe o vício de violação de lei, na opinião do professor Vasco P. da Silva é errado e ilógico. Isto porque, hoje em dia os poderes não são totalmente vinculados  ou discricionários e a violação de um poder vinculado ou poder discricionário gera realidades que a serem qualificados no quadro desta teoria eram realidades  incompatíveis. Por outro lado, a expressão violação de lei, como era entendida pela doutrina, clássica, correspondia a “caixote do lixo”, onde cabiam os vícios residuais, os que não se encaixavam em lado nenhum. 

        Assim sendo, o professor Vasco P. da Silva considera que o ato administrativo deve ser dividido em cinco (situações de incompetência, violação de regras procedimentais, ilegalidades formais, ilegalidades materiais e os vícios da vontade). Os vícios da vontade englobam casos do erro, dolo, coação e a incapacidade acidental. Tanto o erro, dolo e a incapacidade acidental têm como desvalor jurídico a anulabilidade do ato, sendo que apenas a coação é sujeito ao desvalor jurídico de nulidade (artº161/2 alínea f) do CPA. Considera ainda que, no caso de se recorrer a tribunal, a melhor forma de proteger os direitos do particular é invocar todos os vícios e não apenas alguns, porque só desta forma ele (o particular) é protegido de forma sustentada.

         Como consequência da sua desconformidade com o bloco de legalidade, os atos da administração são objeto de um juízo desfavorável por parte da ordem jurídica, que envolve a cominação de consequências negativas. A ilegalidade doa actos jurídicos imateriais traduz- se normalmente (salvas as situações marginais de irregularidade) na sua invalidade. 

         A invalidade pode assumir diferentes formas, denominadas desvalores jurídicos, a que correspondem regimes também diversos. Os dois desvalores típicos dos atos ada administração são a  nulidade e anulabilidade. Hoje a principal sede da matéria encontra-se no artigo 161.º e ss CPA.

         Como consequência da sua desconformidade com o bloco de legalidade, os atos da administração são objeto de um juízo desfavorável por parte da ordem jurídica, que envolve a cominação de consequências negativas. A ilegalidade doa actos jurídicos imateriais traduz- se normalmente (salvas as situações marginais de irregularidade) na sua invalidade. 

         A invalidade pode assumir diferentes formas, denominadas desvalores jurídicos, a que correspondem regimes também diversos. Os dois desvalores típicos dos atos ada administração são a  nulidade e anulabilidade. Hoje a principal sede da matéria encontra-se no artigo 161º e ss CPA. 

De acordo com o professor Diogo F. do Amaral podemos destacar que a nulidade como sendo a forma mais grave da invalidade. Importante notar os seus traços característicos:


  • O acto nulo é totalmente ineficaz desde o inicio, isto é não produz qualquer efeito (art.162º/1 CPA). Por isso é que algumas leis chamam a estes acos “actos nulos e de nenhum efeito;
  • A nulidade é insanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão (164º/1). O acto nulo não é suscetível de ser transformado em acto válido- o que não quer dizer que, por força do decurso do tempo e de harmonia com os principios gerais de direito, não se possam atribuir certos efeitos jurídicos a situações de facto resultantes de actos nulos (art 162º/3);
  • Os particulares e os funcionários públicos têm o direito de desobedecer a quaisquer ordens que constem de um acto nulo. Na medida em que este não produz efeitos, nenhum dos imperativos é obrigatário. 
  • Se o mesmo assim a Administração quiser impor pela força a execução de uma acto nulo, os particulares têm o direito de resistência passiva (art. 21.º CRP). A resistência passiva dos particulares à execução de uma acto nulo é, assim, legitima;
  • Um acto nulo pode ser impugnado  a todo o tempo, isto é, a sua impugnação não está sujeita a prazo (162º/2 CPA);
  • O pedido de reconhecimento da existência da nulidade do um acto administrativo (e da sua desaplicação) pode ser feito junto de qualquer tribunal, e não apenas perante os tribunais administrativos (162º/2 CPA);

A  anulabilidade é uma sanção menos grave do que a nulidade e tem características bem diferentes das desta: 


  • O ato anulável, embora inválido é juridicamente eficaz até ao momento em que venha a ser anulada ou suspenso. Enquanto não for anulado nem suspenso, é eficaz, produz efeitos  jurídicos como se fosse válido (art. 155.º/2 CPA);
  • A anulabilidade é sanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou convenção. Quer isto dizer que o acto anulável, se não for objeto de revogação oficiosa pela Administração ou de impugnação pelo interessado ou pelo Ministério Publico dentro de certo prazo (arts. 163.º/3 e 4;  168.º/ 1 do CPA e art. 58.º/1 CPTA), acaba por se transformar num acto inatacável;
  • O acto anulável é obrigatório, quer para os funcionários públicos quer para os seus destinatário, enquanto não for anulado;
  • Consequentemente, não é possível apor qualquer resistência, mesmo passiva, à execução forçada de um ato anulável é legitima, salvo se a respetiva executoriedade não existir ou estiver suspensa;
  • O acto anulável só pode ser impugnado dentro de um certo prazo que a lei estabelece, e que é, normalmente, num prazo curto.  

        Em suma, os actos da administração têm de respeitar certos requisitos de validade e de legalidade para produzirem os seus efeitos pretendidos. Caso contrário, ficam sujeitos às consequências dessa ilegalidade ou invalidade o que resulta na sua anulabilidade ou até na nulidade do ato emanado.

  
Bibliografia:

•AMARAL, Diogo Freitas do, (2016) Curso de Direito Administrativo. Volume II, Coimbra: Almedina
•SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de, (2016) Direito Administrativo Geral: Introdução e Princípios Fundamentais. Tomo I, Alfragide: D. Quixote

Erica Correia Nr 28116



terça-feira, 18 de abril de 2017


O Exercício do Poder Administrativo

O regulamento Administrativo
Fundamento do poder regulamentar

Os regulamentos são indispensáveis ao funcionamento do Estado moderno.

Segundo o Professor Freitas do Amaral “Os « regulamentos administrativos» são as normas jurídicas emanadas no exercício do poder administrativo por um órgão da administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei.” São o nível inferior do ordenamento jurídico administrativo mas não deixam de ser uma fonte de direito administrativo.

Poder regulamentar é a prerrogativa conferida à Administração Pública de editar actos gerais para complementar as leis e possibilitar a sua efectiva aplicação. O seu alcance é apenas de norma complementar à lei. A Administração não pode alterá-la sob pretexto de realização de um regulamento, caso contrário, cometerá um evidente abuso de poder regulamentar, invadindo a competência do poder Legislativo.

As leis constituem actos de natureza primária, emanando directamente da Constituição. O poder regulamentar é exercido apenas à luz da lei existente. O resultado do seu exercício é a criação de uma norma geral e abstracta, considerada lei no sentido material, que atinge um incontável número de particulares.

O fundamento deste poder regulamentar pode ser encarado sob um ponto de vista: Prático, Histórico e Jurídico.

 Do ponto de vista Prático, o poder regulamentar funda-se, no distanciamento do legislador face aos casos concretos da vida social e na impossibilidade de previsão absoluta ou na inconveniência de previsão completa por parte do legislador.

 Do ponto de vista Histórico, o poder regulamentar repousa na impossibilidade da aplicação rigorosa do princípio da separação de poderes, segundo teóricos do Estado Liberal.

 Do ponto de vista Jurídico, no actual Estado Social de Direito o poder regulamentar reside na constituição e na lei, homenageando desta forma o princípio da legalidade.

Contudo na nossa ordem jurídica quando nos dirigimos ao poder regulamentar em geral, este radica na constituição. Relativamente a cada regulamento em particular existe uma exigência de lei prévia para o exercício do poder regulamentar. Se a lei não cria, o poder regulamentar, desempenha a função de habilitação legal necessária para se dar cumprimento ao princípio da primariedade ou da precedência de lei.

Exceptuam-se dois casos em que o poder regulamentar existe mesmo sem que a C.R.P. ou a lei o prevejam, tendo portanto um fundamento diverso:

 Regulamentos internos, em que os órgãos das diferentes pessoas colectivas públicas que compõem a Administração têm, por natureza, o poder de fazer regulamentos internos. O fundamento neste caso é para o Professor Freitas do Amaral o poder de direcção, próprio do superior hierárquico.

Regimentos de órgãos colegiais têm o poder independente de elaborar e aprovar os seus próprios regulamentos de organização e de funcionamento. O fundamento é o poder de auto-organização dos órgãos colegiais, que é uma condição do seu bom funcionamento.


Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do,“Curso de Direito Administrativo”, volume II, 2016, 3º Edição, edições almedina, S.A

CAETANO, Marcelo, Manual de direito administrativo, Coimbra, II, 1972

SOUSA, Marcelo Rebelo de, MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral, tomo I Introdução e princípios fundamentais, reimpressão da 3ª edição, 2008



Leonardo Costa ( 28224, Turma B, Subturma 14)

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Os Regulamentos: a destrinça dos mesmo quanto à lei e quanto a atos administrativos

Os regulamentos administrativos têm a sua  sede no artigo 135ª do CPA, ao  que o professor Freitas do Amaral define como sendo: “as normas jurídicas emanadas do exercício do poder administrativo por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei”[1].
Importa referir que os regulamentos são tido como um a fonte secundária de Direito Administrativo que encontra na Constituição e na lei o seu fundamento e parâmetro de validade, ao que consequentemente são tidos como “nível inferior do ordenamento jurídico administrativo”.[2]
Da noção em cima enunciada podemos inferir a existência de três elementos essenciais:
·         “normas jurídicas”:  este será o elemento material, sendo que ao afirmar que tem natureza normativa estaremos a encarar o regulamento como uma norma de conduta social dotada necessariamente de características da generalidade e da abstração;
·         “emanado do exercício do poder administrativo”:  Este que é o elemento funcional será relevante aquando a presença de órgãos que não são exclusivamente órgãos administrativos, ao que o regulamento apenas será a norma que resulte de uma atuação que vise realizar atribuições administrativas, ou seja no caso do Governo que é um órgão administrativo e também legislativo não será tido por regulamento caso tenha atuado enquanto órgão legislativo;
·         “emanada… por entidade pública ou privada”: este ultimo que se reporta a um elemento orgânico-formal, afirma que o regulamento é por regra emanado por uma pessoa coletiva pública integrante da Administração Pública (AP agora em diante). No entanto, também se admite que este seja emitido por pessoas coletivas públicas que não integrem a AP mas também por entidades de direito privado. Em qualquer dos casos o que importa será a existência de norma habilitante (136º CPA).

O regulamento, como já referi é a norma que se situa no nível inferior do ordenamento jurídico administrativo, tendo como um de seus níveis inferiores a lei, ao que como tal importa proceder a uma distinção isto porque em caso de conflito entre regulamento e lei, o regulamento será ferido de ilegalidade. Assim sendo foram propostos pela doutrina três critérios de distinção[3]:
-Escola Clássica Francesa: Esta corrente doutrinária afirma que a diferença assentará entre princípios e pormenores sendo que à lei caberia a formulação de princípios e ao regulamento a disciplina dos pormenores. Este entendimento, no entanto, falha visto que nada impede que haja pormenores numa lei e princípios num regulamento;
-Escola Alemã de Direito Público: reconhece a existência de afinidades, mas também reconhece a possibilidade de distingui-los ao que para estes ao regulamento falta novidade visto ser esta uma característica da lei. É também um entendimento que acaba por ceder, isto porque no caso de regulamentos independentes ou autónomos estes não têm na sua base qualquer lei (exeto a lei de habilitação) sendo que este serão inovadores pois criam direito.
-Critério da identidade material entre lei e regulamento: no plano substancial os regulamentos são leis, tanto lei como regulamento são normas jurídicas, como tal a distinção só pode ser feita no plano orgânico e formal isto é virá da diferente posição hierárquica dos órgãos que os emanam e como tal terá diferente valor formal.
A nossa Constituição não fornece critérios de distinção material e como tal este terá de ser feito por aspetos formais e orgânicos. Assim sendo “lei é todo o ato normativo que provenha de um órgão com competência legislativa e que assuma forma de lei; regulamento é ato normativo dimanado de um órgão com competência regulamentar e que revista a forma de regulamento.”[4] A ser assim, lei poderá revogar o regulamento, o regulamento não poderá revogar a lei, sendo que se a contrariar será ilegal.

Ainda importa traçar mais uma distinção entre regulamento e ato administrativo, sendo que a sua destrinça importa quanto à interpretação e integração, quanto ao vícios e formalidades e, por fim, quanto à impugnação contenciosa.
Em ambos os casos, estamos perante comando jurídicos unilaterais, emitidos por um órgão competente no exercício de um poder público de autoridade. No entanto, o regulamento é uma norma geral e abstrata, isto é, define os destinatários por meio de categorias universais e sem distinção de pessoas. Por seu lado, o ato é individual e concreto pois visa regulamentar uma situação bem caracterizada.
Pela peculiaridade das situações importa referir que perante a existência de um comando relativo a um órgão singular, ou a um grupo de pessoas restritas, todas determinadas ou determináveis será norma, isto é regulamento e não ato desde que disponham por via de categorias abstratas, será no entanto, ato caso se refira à pessoa concreta ou se contiver a lista nominativa dos indivíduos abrangidos.  No caso de um comando geral dirigido a uma pluralidade indeterminada de pessoas, mas que que terá aplicação imediata numa única situação concreta, existe divergência ao que o professor Marcello Caetano considera que estaremos na presença de um ato. No então e dada a noção de regulamento adotada será uma norma visto que na norma as características necessárias são apenas generalidade e abstração, e não vigência sucessiva.




Trabalho realizado por Inês Cardoso, nº 28219




[1] AMARAl, Freitas, “Curso de Direito Administrativo, volume II, 2016 3ª edição, página 145
[2] ANDRADE, Vieira, “O Ordenamento Jurídico Administrativo, página 58
[3] AMARAl, Freitas… citado página 158
[4] AMARAl, Freitas, “Curso….. citado, página 158

O dever de fundamentação do acto administrativo

O dever de fundamentação do acto administrativo consiste, essencialmente, numa imposição da obrigação de justificar o porquê de determinada decisão ou deliberação como requisito de validade da expressão do órgão em causa.
Este dever, consoante o ordenamento jurídico em que se insere, pode ou não dizer respeito a todos os actos administrativos, como seria o caso dos Estados Unidos da América, ou apenas a determinados tipos de actos, como é  o caso no ordenamento jurídico português.
Em Portugal, vigorou durante anos um sistema onde, na ausência de uma regra geral sobre o assunto, era considerado não existir dever de fundamentação dos actos na generalidade dos casos. Estando, contudo, previstas várias excepções a esta regra, nomeadamente, em legislação avulsa que regulava as matérias que requeressem essa mesma obrigação.
Após o 25 de Abril de 1974, e com o objectivo de reforçar as garantias dos particulares face à Administração Pública, foi estabelecida uma regra geral onde o dever de fundamentação era previsto para a maioria dos actos administrativos. Desde então os princípios subjacentes a essa regra geral continuaram a ser tidos em conta, e esta foi apenas alterada para conferir ainda maior protecção aos particulares.
Este dever ainda que concretizado com maior detalhe nos arts. 152º a 154º do Código de Procedimento Administrativo, encontra-se também previsto no art. 268º/3 da Constituição da República Portuguesa, o que demonstra a sua importância para o legislador.
No artigo 152º/1 é feita uma enumeração onde são referidos os casos para os quais se encontra previsto o referido dever. Já no número 2 do mesmo artigo, são estabelecidas as situações dispensadas do mesmo, como os actos de homologação de deliberações tomadas por júri, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos.
               Já no art. 153º são estabelecidas as regras a que deve obedecer a fundamentação, nomeadamente:
(1)    – ser expressa – entenda-se, ser enunciada de modo explícito no contexto do próprio acto;
(2)    –  deve ser de facto e de direito – ou seja, não tem apenas que indicar qual o quadro jurídico que impõe ou permite a tomada de decisão, mas também deve demonstrar de que modo a situação factual a que diz respeito se subsume às previsões jurídicas do respectivo quadro jurídico aplicável;
(3)    – a fundamentação deve ainda ser: (i) clara, e portanto, compreensível, caso contrário será obscura; (ii) coerente, quando da fundamentação claramente decorre a decisão, o que quando não ocorra se designará como sendo contraditória; (iii) completa, contendo informação bastante para permitir a tomada de decisão, sob pena de ser insuficiente.

Para determinados casos, como os actos orais, as declarações de concordância e o das deliberações sujeitas ao dever de fundamentação tomadas por escrutínio secreto, são previstas regras especiais, respectivamente: o art. 154º; o art. 153º/1 (segunda parte), e o art.31º/3.
Caso se verifique a ausência de fundamentação num acto que carecia dela, ou se esta existir mas não preencher os requisitos referidos, o acto administrativo em causa será ilegal por vício de forma, e consequentemente anulável de acordo com o art. 163º/1 C.P.A. .
Como argumentos a favor da existência do dever de fundamentação são apontados por Rui Machete:
(a)    Uma melhor possibilidade de defesa do particular, que apenas consegue responder ao acto administrativo de forma estruturada e eficaz se souber quais os motivos que se encontram por detrás do mesmo levando a Administração a decidir em determinado sentido e em detrimento de outros;
(b)    Uma maior facilidade no controlo à Administração, na medida em que este dever constitui uma obrigação formal que deve levar a Administração a ponderar e demonstrar que ponderou todos os elementos essenciais à tomada de determinada decisão, facilitando assim também o controlo e procedimento dos órgãos dotados de poderes de supervisão, que poderam assim mais facilmente realizar a sua função;
(c)    Uma maior harmonia entre os particulares e a Administração, já que estes tendencialmente aceitarão de melhor grado decisões fundamentadas e que possam compreender em vez de serem confrontados com uma decisão que tanto quanto sabem poderia muito bem ter sido tomada de forma arbitrária;
(d)    Uma maior transparência, tendo em conta que são tornados claros quais os factos precisos sobre os quais assenta a actuação da Administração;
Este dever é importante não só nos actos discricionários, revelando as razões que levaram o orgão a escolher uma solução em vez de outra, mas também nos próprios actos vinculados onde mostra comos os factos provados justificam a aplicação de determinada norma.


Bibliografia
Diogo Freitas do AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 3ª edição 2016
João CAUPERS, Introdução ao Direito Administrativo, 10ª Edição, 2009
Marcello CAETANO, Manual de Direito Administrativo, vol. I



Miguel Romano, nº 28159

Princípio da Discricionariedade

Compreender a razão de ser da discricionariedade supõe conhecer a sua evolução histórica, o seu aparecimento, evolução e limitação progressiva.
No Estado Absoluto não existia discricionariedade, há a ilimitação jurídica do poder político do Estado. É só com o Estado Liberal que surge a legalidade como limite exterior à atividade administrativa , existia uma discricionariedade muito ampla pois a Administração Pública era livre de fazer tudo quanto a lei não a interdisse.
Já no séc XX, acentua-se a previsão legal dos limites à atividade administrativa , com um elenco de modalidades de vícios do ato administrativo que abrange a usurpação de poder e o desvio de poder, a incompetência, a violação da lei e o vício de forma. A usurpação de poder consiste na invasão, pela Administração Pública de uma das outras funções do Estado. O desvio de poder é o exercício de faculdades discricionárias fora do seu objeto e fim. A incompetência traduz-se na prática de ato por órgão que não tem poder legal para tal. A violação da lei é a contradição entre o conteúdo ou o objeto do ato e a lei, tal como o vício de forma corresponde a ilegalidade que resida na forma do ato.
Existe portante a uma importante alteração de perspetiva, a discricionariedade deixa de ser a liberdade de atuar sempre que a lei não o proibir, para passar a ser a liberdade de escolher só quando e na medida em que a lei o permita.
O fundamento da discricionariedade, em termos de causa ou raiz jurídica, é o próprio bloco de legalidade, enquanto que o seu fundamento sociológico-político é a noção de que a mudança é um parâmetro nas sociedades contemporâneas, o que justifica que a lei, seja comedida no seu conteúdo regulador e remeta para a Administração Pública um espaço de escolha para a adequação dos seus atos à realidade mutante, sendo apoiada no facto de existirem, normalmente, soluções diversas para a mesma questão, sem que seja possível dizer que só uma delas é indicada.
A discricionariedade  administrativa consiste numa liberalidade de escolha da Administração Pública quanto a partes do conteúdo, do objeto, das formalidades, e da forma de atos seus de gestão pública unilaterais.
Alguma doutrina e jurisprudência questiona a existência de liberdade de escolha, dizendo que há sempre uma e só uma solução administrativa condizente com o interesse público concreto a ser prosseguido. Esta corrente é rejeitada pelo Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, que diz que existe mais do que uma só solução administrativa para prosseguir um certo interesse público concreto, quer quanto ao conteúdo, ao objeto ou à forma. Desde que o legislador tenha querido atribuir a liberdade de escolha à Administração Pública e que o exercício dessa liberdade não colida com qualquer outro princípio da atividade administrativa.

Bibliografia:
Rebelo de Sousa, Marcelo, Lições de Direito Administrativo, Volume I, LEX, 1999
Tomás Antunes º28236

domingo, 16 de abril de 2017

Regulamento VS Ato Administrativo

O principal objeto desta análise passa por distinguir dois conceitos, que não são mais que actuações jurídicas formais de direito público da Administração: o regulamento e o acto administrativo, cujo regime geral procedimental e substantivo consta do Código de Procedimento Administrativo (CPA)
Tal como refere o Professor Freitas do Amaral a distinção seria, por via de regra, fácil de fazer, reconduzindo-se à distinção entre norma jurídica e acto jurídico.
Ambos são comandos jurídicos unilaterais emitidos por um órgão competente no exercício de um poder público de autoridade.

Principais diferenças:
O regulamento como norma jurídica é geral, ou seja, define os seus destinatários por meio de conceitos ou categorias universais, sem individualização de pessoas, e é abstrata pois define as situações da vida a que se aplica também por meio de conceitos ou categorias.

O ato administrativo é individual, diz respeito a uma pessoa ou várias especificamente identificadas, e é concreto, tem como fim regular uma situação concreta bem caracterizada.

 “O acto administrativo (art. 120.º do CPA pré-vigente e art. 148.º do actual CPA) é definível como um acto proferido por um órgão da Administração pública, no exercício de um poder de autoridade regulado por normas de direito público, de natureza reguladora, que visa a criação, modificação ou extinção de um direito ou de um dever, ou seja, a criação, modificação ou extinção de uma determinada relação jurídica, com eficácia externa, isto é, produtor de efeitos jurídicos externos, atingindo a esfera jurídica de terceiros. O acto destina-se a regular um caso ou situação concreta através da aplicação do ordenamento jurídico.
Ao invés de um regulamento administrativo – que tem uma dimensão normativa, geral e abstracta -, o acto administrativo é uma decisão individual e concreta, sendo que a generalidade de um e a individualidade do outro têm a ver com os destinatários dos comandos jurídicos; por outro lado, o caracter abstracto ou concreto tem a ver com a abrangência de um e de outro, o âmbito de aplicação de cada um deles, as realidades que visam regular.”
(Acordão de 31 de Março de 2016, do Supremo Tribunal de Justiça)

Apesar de a distinção nestes termos ser fácil de aplicar, na maior parte dos casos, existem excepções que tornam por vezes mais difícil esta distinção.
O Professor Freitas do Amaral distingue três dificuldades principais: o comando relativo a um órgão singular; o comando relativo a um grupo restrito de pessoas, todas determinadas ou determináveis e o comando geral dirigido a uma pluralidade indeterminada de pessoas, mas para ter aplicação imediata numa única situação concreta. (1)

Quanto ao comando relativo a um órgão singular, por exemplo o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, será norma e não ato, se dispuser em função das carateristicas da categoria abstrata, e não da pessoa concreta titular do cargo; será ato no caso de dispor em sentido contrário.

Quanto ao comando relativo a um grupo restrito de pessoas, todas determinadas ou determináveis, como a disposição que promove ao posto imediato todos os funcionários da Direção-Geral X, por exemplo, em que é considerada norma, e não ato, desde que disponha por meio de categorias abstratas como «promoção», «actuais», «funcionários», etc: será ato se tiver uma lista com os nomes de todos os funcionários abrangidos, devidamente identificados.

Quanto ao comando geral dirigido a uma pluralidade indeterminada de pessoas, mas para ter aplicação imediata numa única situação concreta, como por exemplo a ordem dada por certa Câmara Municipal aos habitantes de certa povoação para que hoje, por ter nevado, limpem a rua em frente das suas casas. Grande parte da doutrina considera haver nesta situação um ato administrativo; para Freitas do Amaral diferentemente, há norma, porque existe generalidade que é uma das caraterísticas do regulamento, o que não há é «vigência sucessiva» tal como defende Marcello Caetano (2), mas essa caraterística não é essencial ao conceito de norma jurídica, já que há ou pode haver normas gerais e abstratas apenas para fazer face a situações únicas e concretas (por exemplo no caso das disposições transitórias e das normas retroativas), e também porque a execução instantânea  também não é caraterística geral dos atos administrativos, havendo muitos que são atos de execução continuada ou duradoura.

- Qual a importância da distinção abordada nesta exposição?

A sua utilidade manifesta-se principalmente no que toca à interpretação e integração; aos vícios e formas de invalidade e à impugnação contenciosa.

Diana Gomes
Nº28188



(1) Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2011 2ª Edição, pp. 198 – FREITAS DO AMARAL, Diogo
(2) Manual I, pp. 435-438 - Marcello Caetano

A Invalidade do Acto Administrativo - Nulidade e Anulabilidade

Os actos administrativos, assim como os agentes e órgãos da Administração Pública, têm de se encontrar em conformidade com a lei, isto é, com a Ordem Jurídica (Art.º 266º, n.º 2 CRP). Ora, a invalidade de um acto administrativo será, pois, a inaptidão intrínseca deste para produzir efeitos, sendo o juízo de desvalor emitido sobre este em resultado da sua desconformidade com a ordem jurídica. E a “ineficácia” será, a não produção de efeitos num dado momento. Um acto administrativo pode ser válido e eficaz; válido mas ineficaz; inválido mas eficaz; ou inválido e ineficaz.  No caso do acto administrativo ser inválido, temos de saber qual a sanção a aplicar a esta invalidade, podendo ser a nulidade ou a anulabilidade.
A nulidade tem um carácter excepcional, a anulabilidade é de carácter geral. A regra é a de que o acto inválido é anulável, se ao fim de um certo prazo ninguém pedir a sua anulação, ele converte-se num acto válido. Como só excepcionalmente os actos são nulos, isto significa que, na prática, o que se tem de apurar  face a um acto cuja a validade se está a analisar, é se é ou não nulo: porque se for inválido e não for nulo, cai na regra geral, é anulável. Se consideradas as causas de invalidade do acto, este for simultaneamente anulável e nulo, prevalecerá o regime da nulidade.

Regime da Nulidade

A nulidade é a forma mais grave da invalidade e pressupõe que o acto tenha sido concluído, mas tal aconteceu sem os requisitos legalmente necessários e como consequência este não produz quaisquer efeitos jurídicos. Este tipo de sanção só é aplicada nos casos previstos na lei seguindo o princípio da tipicidade (artº 161 nº2 CPA). Ao acto nulo podem ser apontadas características como:
·   é sempre ineficaz, mesmo que estejam verificados os requisitos da eficácia, não produzindo quaisquer efeitos. Sendo denominados “actos nulos e de nenhum efeito” pode, no entanto, acarretar consequências;
·         é insanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação não sendo susceptível de ser transformado em acto válido Art.º58 nº1 CPTA;
·       é passível de impugnação contenciosa ilimitada no tempo isto é, a sua impugnação não está sujeita a prazo;
·    os particulares e os funcionários públicos têm o direito de desobedecer a quaisquer ordens que constem de um acto nulo visto que nenhum dos seus imperativos é obrigatório;
·         se mesmo assim, a Administração quiser impor pela força a execução de um acto nulo, os particulares têm o direito de resistência passiva (art. 21º CRP);
·      o pedido de reconhecimento da existência de uma nulidade num acto administrativo pode ser feito junto de qualquer Tribunal, e não apenas perante os Tribunais Administrativos; o que significa que qualquer Tribunal, mesmo um Tribunal Civil, pode declarar a nulidade de um acto administrativo (desde que competente para a causa) - O reconhecimento judicial da existência de uma nulidade toma a forma de declaração de nulidade.

Nulidades por Natureza

As nulidades por natureza consubstanciam casos em que, por razões de lógica jurídica, o acto não pode deixar de ser nulo, por isso que seria totalmente inadequado o regime da simples anulabilidade. 
 Esses casos são, três:
·      Actos de conteúdo ou objecto impossível: se o conteúdo ou o objecto do acto for impossível, não faz sentido que, ao fim de um certo tempo, o acto passe a ser válido;
·      Actos cuja prática consiste num crime ou envolva a prática de um crime: também não faz sentido que estes actos, se não forem impugnados, se transformem em actos válidos;
·      Actos que violem o conteúdo essencial de um direito fundamental do cidadão: à face da Constituição, também estes actos não podem ser considerados actos simplesmente anuláveis, uma vez que existe, quanto a eles, direito de resistência (art. 21º CRP). 
Regime Anulabilidade

A anulabilidade é uma forma menos grave da invalidade, sendo o desvalor jurídico regra no direito português. De facto, na falta de preceito em sentido contrário a invalidade da atuação administrativa reconduz-se à anulabilidade. De acordo com o disposto no artigo 163.º nº1 do CPA “são anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção”. As características da anulabilidade divergem das acima expostas para a nulidade, assim:
·         O acto anulável, embora inválido, é juridicamente eficaz até ao momento em que venha a ser anulado. Enquanto não for anulado é eficaz, produzindo efeitos jurídicos como se fosse válido – o que resulta da “presunção de legalidade” dos actos administrativos;
·         A anulabilidade é sanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão Art.º 164 nº1 CPA;
·         O acto anulável é passível de impugnação contenciosa dentro do prazo estipulado (art. 58º nº1 CPTA);
·         O acto anulável tem um caracter obrigatório e vinculativo, quer para os funcionários públicos, quer para os particulares, enquanto não for anulado;
·         Não é possível opor qualquer resistência à execução forçada de um acto anulável. A execução coactiva de um acto anulável é legítima, salvo se a respectiva eficácia for suspensa;
·         O pedido de anulação só pode ser feito perante um Tribunal Administrativo, não pode ser feito perante qualquer outro Tribunal - o reconhecimento de que o acto é anulável por parte do Tribunal determina a sua anulação. A sentença proferida sobre um acto anulável é uma sentença de anulação, enquanto a sentença proferia sobre o acto nulo é uma declaração de nulidade.

Inexistência

Quando nem sequer na aparência existe uma qualquer materialidade de um negócio jurídico, ou existindo essa aparência, a realidade não lhe corresponde. A inexistência pressupõe um negócio que nem chegou a ser concluído.

Actos nulos e anuláveis

São designadamente nulos:
§  Os actos viciados de usurpação de poder;
§  Os actos viciados de incompetência absoluta;
§  Os actos que sofram de vício de forma, na modalidade de carência absoluta de forma legal;
§   Os actos praticados sob coacção;
§   Os actos de conteúdo ou objecto impossível ou ininteligível;
§   Os actos que consubstanciam a prática de um crime;
§   Os actos que lesem o conteúdo essencial de um Direito fundamental.
São designadamente anuláveis:
§   Os actos viciados de incompetência relativa;
§    Os actos viciados de vício de forma, nas modalidades de carência relativa de forma legal e, salvo se a lei estabelecer para o caso da nulidade, de preterição de formalidades essenciais;
§    Os actos viciados por desvio de poder;
§    Os actos praticados por erro, dolo ou incapacidade acidental.

A Sanação

O fenómeno da sanação consiste precisamente na transformação de um acto anulável (e por isso inválido perante a ordem jurídica) num acto válido - ou, pelo menos, insusceptível de impugnação contenciosa. O fundamento jurídico da sanação dos actos ilegais é a necessidade de segurança na ordem jurídica. É pois necessário que, decorrido algum tempo sobre a prática de um acto administrativo, se possa saber com certeza se esse acto é legal ou ilegal, válido ou inválido.
A sanação dos actos administrativos pode operar-se por um de dois modos:
§  Por um acto administrativo secundário;
§  Por efeito automático da lei, o decurso de um prazo mais longo de interposição de recurso contencioso (ope legis).


Rute Martins nº28183