Vínculo entre o Direito administrativo, a Constituição e o Direito Internacional
Ao longo dos vários períodos temporais o direito administrativo sofreu inúmeras transformações quer na sua relação com a Constituição, quer pelo contato com o Direito internacional.
Durante a evolução do direito administrativo, a ligação entre o próprio e a constituição fora bastante diferenciada.Tal como podemos observar ao analisarmos o período do estado liberal, do estado social e o período atual, também designado como estado pôs-social.
A constituição1 não teve uma significativa relevância para o direito administrativo, durante o Estado liberal.As causas explicativas para que tal tenha acontecido, devem-se por um lado, à ausência de verdadeiros parâmetros nos textos constitucionais, sendo regulado essencialmente o estatuto inter-relação dos órgãos políticos do Estado, assim como alguns direitos fundamentais dos indivíduos. Por outro lado uma segunda razão para o reduzido papel da constituição no direito administrativo, pode ser identificado pela conjetura vivida durante este período. O Estado liberal2 , situa-se entre final do século XVIII e o início do século XIX , esta época temporal ficou marcada pelas revoluções onde se afirmaram as esferas individuais perante o poder público, ficou também marcado pela afirmação de direitos fundamentais dos cidadãos, pela eclosão do princípio da separação de poderes e principio da legalidade. As revoluções funcionaram como uma reação contra a concentração de poder, contra as prerrogativas régias e objetivavam impor limites à atividade dos poderes públicos.
Situação distinta, acontecera durante o Estado social3.A abertura do Estado social, ficou marcada pelo fim da segunda guerra mundial, onde se desvanecera a ideia de uma sociedade ordenada, em circunstância de uma Europa destruída, Europa essa que carecia de um auxílio estatal para que se pudesse reconstruir a vários níveis, nomeadamente a nível social. Neste contexto, as constituições, eram traçadas por diretrizes de juridicidade da atividade de poderes públicos, traduzindo uma verdadeira transformação social. Esta transformação deu lugar a uma maior abrangência dos fins públicos, a uma maior diversidade das tarefas administrativas, cabendo às entidades administrativas a efetuação das prestações em matéria de direitos económicos, sociais e culturais.Assim a constituição4 passara a ser a primeira fonte de direito e de direito administrativo. Temos como exemplos a parte II sobre a organização económica, os títulos VIII, IX e X da parte III relativos á organização do poder político que incidem sobre o poder local, administração pública e defesa nacional.
Atualmente a constituição5 postula de forma direta a estrutura global do direito administrativo público português (199º, d), regula a composição e as competências dos vários órgãos administrativos ( exemplo governo, art.182º-201º; as regiões autónomas, art.225-234º; autarquias locais, art.235-262º). Estipula ainda as garantias jurisdicionais dos particulares perante a administração (268º, 4, 5), os princípios fundamentais de índole organizativa (267º), funcional e relacional (266º, 268º). O núcleo material do direito administrativo esta presente na constituição através do art.288, d, f, n, o.
O Direito internacional6 é acolhido na ordem interna portuguesa, através da consagração na constituição de um sistema de recepção automático. A doutrina discute a eventual supremacia de determinadas normas de direito internacional sobre o próprio direito constitucional. Se por um lado parece implícito o primado do direito internacional sobre o direito ordinário interno (art.8º CRP), por outro lado a própria constituição determina a irrelevância da contradição entre direito internacional e direito constitucional (art.277/2), o que confirma o primado do direito constitucional.
O Direito internacional7 é o direito constante de fontes internacionais, o critério de delimitação do seu âmbito é de índole formal, pelo que normas de direito internacional podem em simultâneo constituir normas de direito administrativo. Contudo a maioria das normas de direito administrativo é de origem interna.
Deve ser feita uma distinção8 entre Direito Internacional administrativo, que se caracteriza por ser proveniente de uma fonte de direito internacional e por regular aspectos da administração pública interna, e o direito administrativo internacional que distintamente é próprio da organizações internacionais.
Ainda no âmbito do direito internacional, o direito comunitário é de grande importância para muitas matérias a nível administrativo. Segundo o professor Vasco Pereira da Silva, o Estado pôs -social é marcado pela preponderância da União europeia no que toca ao fornecimento de normas em matéria de direito administrativo, em grande parte esta preponderância deve-se ao facto de uma das principais funções da União Europeia passar pela regulação da função administrativa comum, onde a criação de regras específicas corresponderia ao estabelecimento dos princípios do direito administrativo. Desta forma, existe uma série de diretivas comuns na área do direito administrativo, temos como exemplo o regime de contratação público europeu imposto aos países no quadro da união europeia, a matéria de politicas públicas, também domínio da concorrência, no domínio do consumo entre outras que nos levam a concluir que hoje o direito administrativo é em grande parte direito europeu. A própria carta dos direitos fundamentais da união europeia integra direitos relevantes no quadro de direito administrativo, como é o caso da Boa administração. Opostamente à dependência do direito administrativo em relação ao direito europeu que vem sendo referida até aqui, importa destacar que o próprio direito europeu depende do direito administrativo para se concretizar, pois é através da administração dos estados-membros que o direito europeu se realiza, em virtude da limitada estrutura administrativa da união europeia.
Também o professor Freitas do Amaral9, se debruça sobre esta questão da dupla dependência entre o direito administrativo e o direito comunitário europeu. Destaca o contributo que o direito administrativo tem dado para a elaboração normativa, jurisprudencial e científica do direito comunitário europeu e realça no sentido oposto o crescente número de normas comunitárias que alteram e condicionam o direito administrativo interno. Aponta ainda para a impossibilidade de conhecer o direito administrativo por inteiro de qualquer pais da U.E, sem conhecer bem o direito comunitário.
SOUSA, Marcelo Rebelo; MATOS, André Salgado.Direito Administrativo Geral, tomo I, Introdução e princípios fundamentais, 3ºedição, Dom Quixote, 2008.(1- pag.58; 2- pag.97; 3 –pag.102; 4, 5 -pag.58; 6- pag.59; 7- pag.69)
AMARAL, Diogo Freitas, Curso de direito administrativo, vol.I, 4ºedição, Almedina, 2015.(8 -pag.167; 9- pag.168)
Carina Gigante, nº 28123, subturma 14
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