Sendo o Direito Administrativo o conjunto de
normas jurídicas que incidem sobre a organização, o funcionamento e a atividade
da Administração Pública, inclusive as relações com privados, é pertinente
saber quais as fontes que efetivamente integram este ramo do Direito.
Antes de mais, é relevante estabelecer o
conceito de “Fontes de Direito”, pelo que estas são, num sentido
técnico-jurídico, os modos de formação e revelação das normas jurídicas.
Seguindo a posição dos Professores Marcelo
Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, existem as seguintes fontes de Direito
Administrativo: a Constituição da República Portuguesa, o Direito Internacional
e Comunitário, a Lei, os Regulamentos, o Costume, e por fim, a Jurisprudência.
A Constituição
da República Portuguesa contém inúmeras disposições que podem ser
materialmente classificadas como normas de Direito Administrativo. Nesta, o
legislador constituinte fornece os quadros ou princípios dentro dos quais o
legislador ordinário atuará para estabelecer a forma e o conteúdo das relações
jurídicas administrativas (Professor Mário Esteves de Oliveira).
A história constitucional evidencia o valor da
Constituição, pelo que se considera que esta é um fator de progresso do sistema
de garantias dos administrados. No período de Estado Liberal, a Constituição
era irrelevante para o Direito Administrativo, na medida em que, além de faltar
uma verdadeira parametricidade aos textos constitucionais, estes disciplinavam
essencialmente o estatuto e os mecanismos de inter-relação dos órgãos políticos
do Estado, mas também alguns direitos fundamentais da pessoa humana, cuja
oponibilidade ao Estado era ainda limitada pela sua visão como substancialmente
subordinados ao poder. Este período corresponde a uma administração agressiva,
pelo que, de acordo com a lógica liberal, existia uma preferência pela força
física, bem como uma lógica de um poder exercido contra os direitos dos
particulares com o intuito de garantir segurança. Assim, a administração podia
agir como bem quisesse, em tudo o que não fosse regulado pelo poder
legislativo. O Professor Regente Vasco Pereira da Silva associa a este período
de Estado Liberal de Direito a expressão “pecado original”, isto é,
promiscuidade entre administração e justiça.
Atualmente, o cerne fundamental do Direito
Administrativo encontra-se na Constituição, sendo considerada a primeira das
fontes deste ramo de Direito, havendo poucas normas constitucionais irrelevantes
para este. A Constituição é de tal importância que a existência do atual Direito
Administrativo se alicerça no seu art.º 2.º que reconhece o princípio da
separação e interdependência de poderes. Sem este, seria inconcebível a
consolidação de um vasto conjunto de normas jurídicas que impusesse ao poder
administrativo não só um estatuto de diferenciação, mas também de
inferioridade, no respeitante aos poderes legislativo e judicial. O art.º 6.º
da CRP, por sua vez, reconhece Portugal como um Estado Unitário, o que releva para
o Direito Administrativo, pois existe apenas um Direito Administrativo e o
sistema administrativo é, e tem de ser, o mesmo (Professor João Caupers).
Em suma, a CRP dispõe sobre os traços
essenciais do modelo administrativo-organizativo do Estado, bem como garante
aos cidadãos um conjunto amplo de direitos perante a Administração Pública.
O Direito
Internacional é o direito que rege as relações externas dos Estados e das
outras entidades que integram a comunidade internacional. Dentro deste, pode-se
separar o Direito Internacional Público do Direito da União Europeia. É
consagrado na CRP (artigo 8.º) um sistema de receção automática e plena do
direito internacional na ordem interna portuguesa, pelo que as normas de
caráter internacional podem disciplinar, direta ou indiretamente, o exercício da
função administrativa na ordem jurídica nacional.
As fontes comunitárias, integrantes do direito
de fonte internacional, têm vindo a assumir relevância no que diz respeito à tentativa
de uniformizar as normas de conduta dos Estados-membros e, deste modo, facilitar
a circulação das pessoas entre Estados e o exercício da sua atividade nestes.
Numa ordem jurídica com a índole peculiar do
direito da União Europeia e com as relações mantidas com os direitos internos
de cada um dos Estados-membros, não é difícil compreender a importância
alcançada e preservada pela revelação e formulação de princípios.
Segundo os Professores Marcelo Rebelo de Sousa
e André Salgado Matos, a incidência nos direitos administrativos dos Estados-membros
pelo direito comunitário é de tal relevância que alguns autores se referem a
este fenómeno como “europeização” dos direitos administrativos nacionais. Tal é
justificado pelo facto de a União Europeia fornecer regras importantes, a partir
de instrumentos próprios, a temáticas tradicionalmente tratadas pelo Direito
Administrativo.
O Professor Regente Vasco Pereira da Silva
reconhece que o fenómeno de europeização do Direito Administrativo, resulta de
duas realidades: existem cada vez mais fontes jurídicas europeias que relevam
em matéria de Direito e de Processo Administrativos (ex.: serviços públicos, contratação
administrativa, ...); e assiste-se também a uma intensificação da integração
jurídica horizontal, resultante sobretudo da adoção de políticas comuns, do
efeito unificador da jurisprudência europeia, e da perspetiva comparatista
adotada pela legislação e pela doutrina nacionais, o que consequentemente aproxima
as legislações dos diversos países da Comunidade.
A Lei,
ato normativo praticado no exercício da função legislativa por um órgão do
poder político constitucionalmente competente, é considerada a “principal fonte primária do direito
administrativo português” (Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado
Matos). Deste modo, cabe à lei executar e desenvolver os interesses públicos de
uma comunidade (essenciais para a existência, conservação e desenvolvimento da
sociedade política) consagrados na Constituição, bem como estabelecer os termos
para que se possa proceder à sua prossecução. Em suma, concede a habilitação
normativa que é necessária à Administração, possibilitando as suas atuações.
Grande parte das normas e princípios de Direito Administrativo constam de leis,
sejam decretos-lei do Governo ou emanadas da Assembleia da República (ex.:
principais normativos relativos à defesa dos privados contra a administração
pública, nomeadamente a responsabilidade civil administrativa).
O Regulamento,
segundo o Professor Sérvulo Correia, consiste numa norma jurídica geral e
de execução permanente, de grau hierarquicamente inferior ao dos atos
legislativos, emanada por um órgão administrativo, no exercício da função
administrativa. Sendo da exclusiva autoria da Administração Pública, é também considerado
uma das fontes do Direito Administrativo. Os Professores Marcelo Rebelo de
Sousa e André Salgado Matos referem ainda que, tendo eficácia externa
vinculativa, o regulamento administrativo é considerado fonte do ramo de Direito
em questão.
Os regulamentos podem apenas executar e
desenvolver os atos legislativos anteriores, mas também podem conter matérias
normativas inovadoras. Todavia, não incorporam decisões essenciais para a
comunidade política, o que os distingue da própria lei. A diferenciação entre a
lei e o regulamento tem interesse prático, pois a validade da lei é aferida
pela Constituição, enquanto que o regulamento está sujeito ao princípio da
legalidade, podendo ser impugnado nos tribunais administrativos com fundamento
em ilegalidade. É, portanto limitado pela Constituição, pelo direito
internacional e comunitário e pela lei.
O Costume,
prática reiterada com convicção de juridicidade, é também apontado como fonte
do Direito Administrativo. Nos sistemas de caráter romano-germânico, a relevância
prática do costume é reduzida, salvo quando é de origem internacional. Assim,
no Direito Administrativo, por força do princípio da legalidade, a operatividade
do costume fica limitada a aspetos periféricos, sendo que esta fonte não poderá
servir de fundamento para a atuação administrativa. Todavia, o costume não pode
deixar de ser considerado uma fonte de Direito, bem como uma fonte do Direito Administrativo.
Por fim, a Jurisprudência consiste na orientação que as autoridades
competentes seguem para solucionarem casos concretos. O Professor Marcello
Caetano afirma que a jurisprudência é uma forma normal de interpretar a lei,
pelo que apenas excecionalmente poderá ser considerada fonte de Direito, a
partir do suprimento de casos omissos. Assim, a relevância da jurisprudência para
o modo de formação do Direito reside na revelação de casos que transcendem os
quadros legislativos e na demonstração da necessidade de procurar novas
soluções legais. Os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos
seguem também a opinião de que, na nossa ordem jurídica, a jurisprudência não
é, em situações normais, fonte do Direito Administrativo.
Para concluir, relativamente à hierarquia das
fontes de Direito Administrativo, no topo desta hierarquia encontra-se a
Constituição (art.º 3.º/3 da CRP e art.º 282.º/1 da CRP). A seguir,
encontram-se as fontes de Direito Internacional (a Constituição não autonomiza
o direito comunitário do direito internacional). De entre as fontes internas
infraconstitucionais, a lei é hierarquicamente superior, pelo que os
regulamentos administrativos estão subordinados à lei (o que resulta do
princípio da legalidade). Por último, a hierarquia do costume corresponderá ao
grau da matéria sobre a qual incide, partilhando da correspondente força normativa
(Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos).
Bibliografia:
- AMARAL, Diogo Freitas do. “Curso de
Direito Administrativo”, Volume I (4ª edição). Almedina, 2015.
- SOUSA, Marcelo Rebelo
e MATOS, André Salgado. “Direito Administrativo Geral - Introdução e Princípios
Fundamentais”, Tomo I (3ª edição). Dom Quixote, 2008.
- CAUPERS, João. “Introdução ao Direito Administrativo”
(10ª edição). Âncora editora, 2009.
- CAETANO, Marcello. “Manual de Direito Administrativo”,
Volume I (10ª edição). Almedina, 2008.
- CORREIA, J. M. Sérvulo. “Noções de Direito
Administrativo”, Volume I. Editora
Danúbio, 1982.
- OLIVEIRA, Mário Esteves de. “Direito
Administrativo”, Volume I (2ª edição). Almedina, 1984.
- SILVA, Vasco Pereira da e SARLET, Ingo Wolfgang
“Direito Público
Sem Fronteiras”. ICJP, 2011.
Adriana Lima, nº 28139
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