sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Fontes do Direito Administrativo

 Sendo o Direito Administrativo o conjunto de normas jurídicas que incidem sobre a organização, o funcionamento e a atividade da Administração Pública, inclusive as relações com privados, é pertinente saber quais as fontes que efetivamente integram este ramo do Direito.
 Antes de mais, é relevante estabelecer o conceito de “Fontes de Direito”, pelo que estas são, num sentido técnico-jurídico, os modos de formação e revelação das normas jurídicas.
 Seguindo a posição dos Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, existem as seguintes fontes de Direito Administrativo: a Constituição da República Portuguesa, o Direito Internacional e Comunitário, a Lei, os Regulamentos, o Costume, e por fim, a Jurisprudência.


 A Constituição da República Portuguesa contém inúmeras disposições que podem ser materialmente classificadas como normas de Direito Administrativo. Nesta, o legislador constituinte fornece os quadros ou princípios dentro dos quais o legislador ordinário atuará para estabelecer a forma e o conteúdo das relações jurídicas administrativas (Professor Mário Esteves de Oliveira).
 A história constitucional evidencia o valor da Constituição, pelo que se considera que esta é um fator de progresso do sistema de garantias dos administrados. No período de Estado Liberal, a Constituição era irrelevante para o Direito Administrativo, na medida em que, além de faltar uma verdadeira parametricidade aos textos constitucionais, estes disciplinavam essencialmente o estatuto e os mecanismos de inter-relação dos órgãos políticos do Estado, mas também alguns direitos fundamentais da pessoa humana, cuja oponibilidade ao Estado era ainda limitada pela sua visão como substancialmente subordinados ao poder. Este período corresponde a uma administração agressiva, pelo que, de acordo com a lógica liberal, existia uma preferência pela força física, bem como uma lógica de um poder exercido contra os direitos dos particulares com o intuito de garantir segurança. Assim, a administração podia agir como bem quisesse, em tudo o que não fosse regulado pelo poder legislativo. O Professor Regente Vasco Pereira da Silva associa a este período de Estado Liberal de Direito a expressão “pecado original”, isto é, promiscuidade entre administração e justiça.
 Atualmente, o cerne fundamental do Direito Administrativo encontra-se na Constituição, sendo considerada a primeira das fontes deste ramo de Direito, havendo poucas normas constitucionais irrelevantes para este. A Constituição é de tal importância que a existência do atual Direito Administrativo se alicerça no seu art.º 2.º que reconhece o princípio da separação e interdependência de poderes. Sem este, seria inconcebível a consolidação de um vasto conjunto de normas jurídicas que impusesse ao poder administrativo não só um estatuto de diferenciação, mas também de inferioridade, no respeitante aos poderes legislativo e judicial. O art.º 6.º da CRP, por sua vez, reconhece Portugal como um Estado Unitário, o que releva para o Direito Administrativo, pois existe apenas um Direito Administrativo e o sistema administrativo é, e tem de ser, o mesmo (Professor João Caupers).
 Em suma, a CRP dispõe sobre os traços essenciais do modelo administrativo-organizativo do Estado, bem como garante aos cidadãos um conjunto amplo de direitos perante a Administração Pública.

 O Direito Internacional é o direito que rege as relações externas dos Estados e das outras entidades que integram a comunidade internacional. Dentro deste, pode-se separar o Direito Internacional Público do Direito da União Europeia. É consagrado na CRP (artigo 8.º) um sistema de receção automática e plena do direito internacional na ordem interna portuguesa, pelo que as normas de caráter internacional podem disciplinar, direta ou indiretamente, o exercício da função administrativa na ordem jurídica nacional.
 As fontes comunitárias, integrantes do direito de fonte internacional, têm vindo a assumir relevância no que diz respeito à tentativa de uniformizar as normas de conduta dos Estados-membros e, deste modo, facilitar a circulação das pessoas entre Estados e o exercício da sua atividade nestes.
 Numa ordem jurídica com a índole peculiar do direito da União Europeia e com as relações mantidas com os direitos internos de cada um dos Estados-membros, não é difícil compreender a importância alcançada e preservada pela revelação e formulação de princípios.
 Segundo os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, a incidência nos direitos administrativos dos Estados-membros pelo direito comunitário é de tal relevância que alguns autores se referem a este fenómeno como “europeização” dos direitos administrativos nacionais. Tal é justificado pelo facto de a União Europeia fornecer regras importantes, a partir de instrumentos próprios, a temáticas tradicionalmente tratadas pelo Direito Administrativo.
 O Professor Regente Vasco Pereira da Silva reconhece que o fenómeno de europeização do Direito Administrativo, resulta de duas realidades: existem cada vez mais fontes jurídicas europeias que relevam em matéria de Direito e de Processo Administrativos (ex.: serviços públicos, contratação administrativa, ...); e assiste-se também a uma intensificação da integração jurídica horizontal, resultante sobretudo da adoção de políticas comuns, do efeito unificador da jurisprudência europeia, e da perspetiva comparatista adotada pela legislação e pela doutrina nacionais, o que consequentemente aproxima as legislações dos diversos países da Comunidade.

 A Lei, ato normativo praticado no exercício da função legislativa por um órgão do poder político constitucionalmente competente, é considerada a “principal fonte primária do direito administrativo português” (Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos). Deste modo, cabe à lei executar e desenvolver os interesses públicos de uma comunidade (essenciais para a existência, conservação e desenvolvimento da sociedade política) consagrados na Constituição, bem como estabelecer os termos para que se possa proceder à sua prossecução. Em suma, concede a habilitação normativa que é necessária à Administração, possibilitando as suas atuações. Grande parte das normas e princípios de Direito Administrativo constam de leis, sejam decretos-lei do Governo ou emanadas da Assembleia da República (ex.: principais normativos relativos à defesa dos privados contra a administração pública, nomeadamente a responsabilidade civil administrativa).

 O Regulamento, segundo o Professor Sérvulo Correia, consiste numa norma jurídica geral e de execução permanente, de grau hierarquicamente inferior ao dos atos legislativos, emanada por um órgão administrativo, no exercício da função administrativa. Sendo da exclusiva autoria da Administração Pública, é também considerado uma das fontes do Direito Administrativo. Os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos referem ainda que, tendo eficácia externa vinculativa, o regulamento administrativo é considerado fonte do ramo de Direito em questão.
 Os regulamentos podem apenas executar e desenvolver os atos legislativos anteriores, mas também podem conter matérias normativas inovadoras. Todavia, não incorporam decisões essenciais para a comunidade política, o que os distingue da própria lei. A diferenciação entre a lei e o regulamento tem interesse prático, pois a validade da lei é aferida pela Constituição, enquanto que o regulamento está sujeito ao princípio da legalidade, podendo ser impugnado nos tribunais administrativos com fundamento em ilegalidade. É, portanto limitado pela Constituição, pelo direito internacional e comunitário e pela lei.

 O Costume, prática reiterada com convicção de juridicidade, é também apontado como fonte do Direito Administrativo. Nos sistemas de caráter romano-germânico, a relevância prática do costume é reduzida, salvo quando é de origem internacional. Assim, no Direito Administrativo, por força do princípio da legalidade, a operatividade do costume fica limitada a aspetos periféricos, sendo que esta fonte não poderá servir de fundamento para a atuação administrativa. Todavia, o costume não pode deixar de ser considerado uma fonte de Direito, bem como uma fonte do Direito Administrativo.
  
 Por fim, a Jurisprudência consiste na orientação que as autoridades competentes seguem para solucionarem casos concretos. O Professor Marcello Caetano afirma que a jurisprudência é uma forma normal de interpretar a lei, pelo que apenas excecionalmente poderá ser considerada fonte de Direito, a partir do suprimento de casos omissos. Assim, a relevância da jurisprudência para o modo de formação do Direito reside na revelação de casos que transcendem os quadros legislativos e na demonstração da necessidade de procurar novas soluções legais. Os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos seguem também a opinião de que, na nossa ordem jurídica, a jurisprudência não é, em situações normais, fonte do Direito Administrativo.  

 
 Para concluir, relativamente à hierarquia das fontes de Direito Administrativo, no topo desta hierarquia encontra-se a Constituição (art.º 3.º/3 da CRP e art.º 282.º/1 da CRP). A seguir, encontram-se as fontes de Direito Internacional (a Constituição não autonomiza o direito comunitário do direito internacional). De entre as fontes internas infraconstitucionais, a lei é hierarquicamente superior, pelo que os regulamentos administrativos estão subordinados à lei (o que resulta do princípio da legalidade). Por último, a hierarquia do costume corresponderá ao grau da matéria sobre a qual incide, partilhando da correspondente força normativa (Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos).


Bibliografia

-  AMARAL, Diogo Freitas do. “Curso de Direito Administrativo”, Volume I (4ª edição). Almedina, 2015.
- SOUSA, Marcelo Rebelo e MATOS, André Salgado. “Direito Administrativo Geral - Introdução e Princípios Fundamentais”, Tomo I (3ª edição). Dom Quixote, 2008.

- CAUPERS, João. “Introdução ao Direito Administrativo” (10ª edição). Âncora editora, 2009.

- CAETANO, Marcello. “Manual de Direito Administrativo”, Volume I (10ª edição). Almedina, 2008.

- CORREIA, J. M. Sérvulo. “Noções de Direito Administrativo”, Volume I. Editora Danúbio, 1982. 

- OLIVEIRA, Mário Esteves de. “Direito Administrativo”, Volume I (2ª edição). Almedina, 1984.

- SILVA, Vasco Pereira da e SARLET, Ingo Wolfgang “Direito Público Sem Fronteiras”. ICJP, 2011.


 Adriana Lima, nº 28139

Sem comentários:

Enviar um comentário