domingo, 30 de outubro de 2016


     O princípio da legalidade e a margem de livre decisão administrativa

 Fundamentos e Consequências

A subordinação jurídica de todos os poderes públicos, entre os quais a administração, constitui uma pedra basilar do Estado de Direito.

Em termos de relações entre a administração e particulares são necessários princípios que visem garantir a conformidade da actividade administrativa com o Direito. Um desses princípios é o princípio da legalidade que também se aplica na esfera interna da administração.

Este princípio, concretizador do Estado de Direito, na actual ordem jurídica está consagrado nos artigos 2.º e 266.º nº 2 da C.R.P., com consagração legal no artigo 3.º do C.P.A.

Estes artigos devem ser entendidos num sentido proibitivo. São proscritas actuações administrativas que contrariem a lei. Em caso de conflito entre a lei e um acto de administração, a lei prevalece sobre este.

A respectiva legalidade é entendida como preferência de lei sendo um legado liberal inteiramente confirmado pelo Estado social.

Esta preferência de lei, actualmente, é entendida como uma preferência da ordem jurídica globalmente considerada. A lei deixou de ser o único parâmetro jurídico da actividade administrativa. Nos dias de hoje é constituída por todo o bloco de legalidade, que inclui desde logo, a Constituição, o direito internacional, o direito comunitário, a lei ordinária e os regulamentos internos, assim como o costume interno estabelecendo a vinculação da administração à lei e ao direito.

Na sua evolução histórica, o princípio da legalidade surge como reacção ao Estado liberal de direito contra um sistema em que o monarca detém um poder absoluto.

Este princípio visa estabelecer a subordinação dos poderes públicos (particularmente da administração) à lei. Assim desde a sua origem, dois elementos essenciais e actuais destacam-se: o fundamento garantístico, que visa assegurar que a actuação administrativa não ocorre em termos imprevisíveis para os cidadãos e o fundamento democrático que visa assegurar que a actuação administrativa não ocorre à margem da legitimidade democrática.
              
A margem de livre decisão administrativa age num espaço de liberdade, conferida por lei e limitada pelo bloco de legalidade levando a uma parcial auto determinação administrativa. Pode referir-se a qualquer forma de actividade administrativa: regulamentos, planos, actos, contractos administrativos e actos materiais.

A função administrativa corresponde ao plano de funções secundárias do Estado vinculada assim a escolhas de segundo grau, diferentes da função política.

A margem de livre decisão não deve ser comparada com a autonomia privada. São duas realidades completamente diferentes.

A palavra princípio significa algo que tem início no começo, a causa, o que permite a formação da base. No universo jurídico, os princípios são criados para estruturar o Estado de Direito.

Legalidade vem de legal, o que significa que toda a acção criada em conformidade com a legislação integra a legalidade.

O Princípio da Legalidade é, portanto, uma das bases do ordenamento jurídico português que corresponde à proibição de actuações que não sejam normativamente permitidas. Corresponde a uma parte importante do Direito Administrativo, que vincula a Administração Pública a fazer apenas aquilo que está previsto na lei.

Assim, se não houver previsão legal, nada pode ser feito. No princípio genérico, o cidadão pode fazer de tudo, excepto o que a lei proíbe. No princípio específico, a Administração Pública só pode fazer o que a lei autoriza. É a legislação quem estabelece como um juiz deve conduzir um processo ou proferir uma sentença.

Devido à sua relevância histórica, o princípio da legalidade pode ser clarificado numa só frase - nullum crimen nulla poena sine lege, que traduzida do latim significa que nenhum crime será punido sem que haja uma lei.

 Existem duas formas de margem de livre decisão: a discricionariedade e a margem de livre apreciação ambas com consequências e fundamentos idênticos.

A lei corresponde à base jurídica da margem de livre decisão, sinal de Estado social.

As suas razões políticas são duas.

A primeira corresponde a uma limitação prática da função legislativa em que é imposta uma margem de abertura das normas legais em favor da administração para que o sentido normativo possa ser adaptado aos casos concretos, imprevistos pelo legislador e às evoluções económicas, sociais, tecnológicas e culturais.

A segunda razão corresponde ao princípio da separação de poderes que serve de critério de distribuição racional das funções do Estado pelos seus órgãos. Este princípio é enunciado para evitar a emissão apenas de normas fechadas que iriam retirar a liberdade de adaptação a especificidades de casos concretos na administração e invariavelmente evitando uma melhor prossecução do interesse público.

A separação de poderes limita a densidade normativa e a margem de liberdade da administração face ao legislador. Evidentemente que também proporciona uma margem de liberdade da administração em face do poder judicial.

Contudo a existência desta margem de livre decisão administrativa envolve um problema: a perda de alguma segurança jurídica e a introdução de alguma desigualdade friccional. A questão reside no simples facto das decisões administrativas serem tomadas no caso concreto com base em elementos desse mesmo caso concreto e corre-se o risco de que uma visão de conjunto de variadas decisões venha, possivelmente, a revelar algumas incoerências e distorções sistemáticas.

No entanto estas desvantagens são compensadas por uma maior justiça e adequação da aplicação do direito assim como também uma maior igualdade, dado que as decisões administrativas são tomadas no caso concreto e com base em elementos retirados desse mesmo caso que poderá revelar dissemelhanças em relação a outros casos.

Herbert Hart ilustra, no seu conhecido exemplo da “paz no parque” (O conceito de direito, 141-142), os fundamentos e as vantagens da abertura das normas jurídicas para a decisão do caso concreto, concluindo que seria mais fácil disciplinar a situação de modo a deixar a tais órgãos uma margem de liberdade para decidirem de acordo com a avaliação que façam de cada caso concreto, à luz da finalidade normativamente prosseguida.

Perante esta margem de livre decisão existe uma consequência fundamental – a não existência de controlo jurisdicional (os actos administrativos praticados de acordo com a margem de livre decisão não o podem ser na medida dessa liberdade e o controlo pertence ao respeito administrativo pelas respectivas vinculações normativas e pelos limites internos da margem de livre decisão.

E chegamos a um ponto em que é necessária uma imposição de distinção entre a esfera da legalidade (sujeita a controlo jurisdicional) e a esfera do mérito, a ele subtraído que engloba a apreciação da oportunidade (utilidade da concreta actuação administrativa para a prossecução do interesse público legalmente definido) e da conveniência (utilidade da concreta actuação administrativa para a prossecução do interesse público legalmente definido à luz dos demais interesses públicos envolvidos) o que torna a respectiva decisão administrativa numa perspectiva positiva ou negativa mas nunca ilegal.

O controlo jurisdicional da margem de livre decisão administrativa está ausente devido ao princípio da separação de separação de poderes, tendo o juízo do legislador assumido um lugar de destaque na medida em que o interesse público será melhor prosseguido se a última palavra decisória no caso concreto pertencer à administração e não aos tribunais.

Este exercício de aplicação da margem de livre decisão implica a formulação de juízos de prognose e a assunção de riscos decisórios, diferente situação dos tribunais que não se encontram funcionalmente preparados nem legitimados para efectuar este tipo de exercício.

Os tribunais não podem controlar o exercício da margem de livre decisão pois caso contrário estariam a exercer na verdade a função administrativa, com aptidões menos aptas pondo em causa os mecanismos de controlo e responsabilização e em última análise pondo em causa a prossecução do interesse público.

A margem de livre decisão administrativa está bastante presente na legislação portuguesa assim como a sua consequência da ausência de controlo jurisdicional.

O artigo 71 do C.P.T.A. determina claramente que o tribunal tem a obrigação de respeitar a “formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa” assim como também tem a competência jurisdicional para “explicitar as vinculações e limites, a observar pela administração na emissão do acto devido”. Fazendo com que a administração esteja vinculada à emissão dos actos legalmente devidos.


A margem de livre decisão tem, efectivamente, uma função pedagógica junto dos operadores jurídicos mas relativamente ao princípio constitucional da separação de poderes nada acrescenta.



 Bibliografia:
Amaral, Diogo Freitas do,“Curso de Direito Administrativo”, volume I, 2015, 4º Edição, edições almedina, S.A
HART, Herbert, O Conceito de Direito, 3ª edição, 2012
SOUSA, Marcelo Rebelo de, MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral, tomo I Introdução e princípios fundamentais, reimpressão da 3ª edição, 2008


Leonardo Costa ( 28224, Turma B, Subturma 14) 

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