O princípio da legalidade e a margem
de livre decisão administrativa
Fundamentos e Consequências
A subordinação jurídica de todos os poderes públicos, entre
os quais a administração, constitui uma pedra basilar do Estado de Direito.
Em termos de relações entre a administração e particulares
são necessários princípios que visem garantir a conformidade da actividade
administrativa com o Direito. Um desses princípios é o princípio da legalidade
que também se aplica na esfera interna da administração.
Este princípio, concretizador do Estado de Direito, na
actual ordem jurídica está consagrado nos artigos 2.º e 266.º nº 2 da C.R.P.,
com consagração legal no artigo 3.º do C.P.A.
Estes artigos devem ser entendidos num sentido proibitivo.
São proscritas actuações administrativas que contrariem a lei. Em caso de
conflito entre a lei e um acto de administração, a lei prevalece sobre este.
A respectiva legalidade é entendida como preferência de lei
sendo um legado liberal inteiramente confirmado pelo Estado social.
Esta preferência de lei, actualmente, é entendida como uma
preferência da ordem jurídica globalmente considerada. A lei deixou de ser o
único parâmetro jurídico da actividade administrativa. Nos dias de hoje é constituída
por todo o bloco de legalidade, que inclui desde logo, a Constituição, o direito
internacional, o direito comunitário, a lei ordinária e os regulamentos internos,
assim como o costume interno estabelecendo a vinculação da administração à lei
e ao direito.
Na sua evolução histórica, o princípio da legalidade surge
como reacção ao Estado liberal de direito contra um sistema em que o monarca
detém um poder absoluto.
Este princípio visa estabelecer a subordinação dos poderes
públicos (particularmente da administração) à lei. Assim desde a sua origem,
dois elementos essenciais e actuais destacam-se: o fundamento garantístico, que
visa assegurar que a actuação administrativa não ocorre em termos imprevisíveis
para os cidadãos e o fundamento democrático que visa assegurar que a actuação administrativa
não ocorre à margem da legitimidade democrática.
A margem de livre decisão administrativa age num espaço de
liberdade, conferida por lei e limitada pelo bloco de legalidade levando a uma
parcial auto determinação administrativa. Pode referir-se a qualquer forma de
actividade administrativa: regulamentos, planos, actos, contractos
administrativos e actos materiais.
A função administrativa corresponde ao plano de funções
secundárias do Estado vinculada assim a escolhas de segundo grau, diferentes da
função política.
A margem de livre decisão não deve ser comparada com a
autonomia privada. São duas realidades completamente diferentes.
A palavra princípio significa algo que tem início no começo,
a causa, o que permite a formação da base. No universo jurídico, os princípios
são criados para estruturar o Estado de Direito.
Legalidade vem de legal, o que significa que toda a acção
criada em conformidade com a legislação integra a legalidade.
O Princípio da Legalidade é, portanto, uma das bases do
ordenamento jurídico português que corresponde à proibição de actuações que não
sejam normativamente permitidas. Corresponde a uma parte importante do Direito Administrativo, que vincula a Administração Pública a fazer apenas aquilo que está previsto na lei.
Assim, se não houver previsão legal, nada pode ser feito. No
princípio genérico, o cidadão pode fazer de tudo, excepto o que a lei proíbe.
No princípio específico, a Administração Pública só pode fazer o que a lei
autoriza. É a legislação quem estabelece como um juiz deve conduzir um processo
ou proferir uma sentença.
Devido à sua relevância histórica, o princípio da legalidade
pode ser clarificado numa só frase - nullum crimen nulla poena sine lege, que
traduzida do latim significa que nenhum crime será punido sem que haja uma lei.
Existem duas formas
de margem de livre decisão: a discricionariedade e a margem de livre apreciação
ambas com consequências e fundamentos idênticos.
A lei corresponde à base jurídica da margem de livre
decisão, sinal de Estado social.
As suas razões políticas são duas.
A primeira corresponde a uma limitação prática da função
legislativa em que é imposta uma margem de abertura das normas legais em favor
da administração para que o sentido normativo possa ser adaptado aos casos
concretos, imprevistos pelo legislador e às evoluções económicas, sociais,
tecnológicas e culturais.
A segunda razão corresponde ao princípio da separação de
poderes que serve de critério de distribuição racional das funções do Estado
pelos seus órgãos. Este princípio é enunciado para evitar a emissão apenas de
normas fechadas que iriam retirar a liberdade de adaptação a especificidades de
casos concretos na administração e invariavelmente evitando uma melhor
prossecução do interesse público.
A separação de poderes limita a densidade normativa e a
margem de liberdade da administração face ao legislador. Evidentemente que
também proporciona uma margem de liberdade da administração em face do poder
judicial.
Contudo a existência desta margem de livre decisão
administrativa envolve um problema: a perda de alguma segurança jurídica e a
introdução de alguma desigualdade friccional. A questão reside no simples facto
das decisões administrativas serem tomadas no caso concreto com base em elementos
desse mesmo caso concreto e corre-se o risco de que uma visão de conjunto de
variadas decisões venha, possivelmente, a revelar algumas incoerências e distorções
sistemáticas.
No entanto estas desvantagens são compensadas por uma maior
justiça e adequação da aplicação do direito assim como também uma maior
igualdade, dado que as decisões administrativas são tomadas no caso concreto e
com base em elementos retirados desse mesmo caso que poderá revelar
dissemelhanças em relação a outros casos.
Herbert Hart ilustra, no seu conhecido exemplo da “paz no
parque” (O conceito de direito, 141-142), os fundamentos e as vantagens da
abertura das normas jurídicas para a decisão do caso concreto, concluindo que
seria mais fácil disciplinar a situação de modo a deixar a tais órgãos uma
margem de liberdade para decidirem de acordo com a avaliação que façam de cada
caso concreto, à luz da finalidade normativamente prosseguida.
Perante esta margem de livre decisão existe uma consequência
fundamental – a não existência de controlo jurisdicional (os actos
administrativos praticados de acordo com a margem de livre decisão não o podem
ser na medida dessa liberdade e o controlo pertence ao respeito administrativo
pelas respectivas vinculações normativas e pelos limites internos da margem de
livre decisão.
E chegamos a um ponto em que é necessária uma imposição de
distinção entre a esfera da legalidade (sujeita a controlo jurisdicional) e a esfera
do mérito, a ele subtraído que engloba a apreciação da oportunidade (utilidade
da concreta actuação administrativa para a prossecução do interesse público
legalmente definido) e da conveniência (utilidade da concreta actuação
administrativa para a prossecução do interesse público legalmente definido à
luz dos demais interesses públicos envolvidos) o que torna a respectiva decisão
administrativa numa perspectiva positiva ou negativa mas nunca ilegal.
O controlo jurisdicional da margem de livre decisão
administrativa está ausente devido ao princípio da separação de separação de
poderes, tendo o juízo do legislador assumido um lugar de destaque na medida em
que o interesse público será melhor prosseguido se a última palavra decisória
no caso concreto pertencer à administração e não aos tribunais.
Este exercício de aplicação da margem de livre decisão
implica a formulação de juízos de prognose e a assunção de riscos decisórios,
diferente situação dos tribunais que não se encontram funcionalmente preparados
nem legitimados para efectuar este tipo de exercício.
Os tribunais não podem controlar o exercício da margem de
livre decisão pois caso contrário estariam a exercer na verdade a função
administrativa, com aptidões menos aptas pondo em causa os mecanismos de
controlo e responsabilização e em última análise pondo em causa a prossecução
do interesse público.
A margem de livre decisão administrativa está bastante
presente na legislação portuguesa assim como a sua consequência da ausência de
controlo jurisdicional.
O artigo 71 do C.P.T.A. determina claramente que o tribunal
tem a obrigação de respeitar a “formulação de valorações próprias do exercício
da função administrativa” assim como também tem a competência jurisdicional
para “explicitar as vinculações e limites, a observar pela administração na
emissão do acto devido”. Fazendo com que a administração esteja vinculada à
emissão dos actos legalmente devidos.
A margem de livre decisão tem, efectivamente, uma função
pedagógica junto dos operadores jurídicos mas relativamente ao princípio constitucional
da separação de poderes nada acrescenta.
Bibliografia:
Amaral, Diogo Freitas do,“Curso de Direito Administrativo”, volume I, 2015, 4º Edição, edições almedina, S.A
HART, Herbert, O Conceito de Direito, 3ª edição, 2012
SOUSA, Marcelo Rebelo de, MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral, tomo I Introdução e princípios fundamentais, reimpressão da 3ª edição, 2008
Leonardo Costa ( 28224, Turma B, Subturma 14)
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