Neste trabalho procuro
explicar alguns dos fins associados aos interesses públicos a cargo do Estado,
ou de outra pessoa coletiva de fins múltiplos (regiões autónomas e autarquias
locais). Dito isto, de acordo com a lição do professor Freitas do Amaral,
existem assim, dois fins a estes interesses. Por um lado, estes podem ser
mantidos pela lei no elenco das atribuições da entidade a que pertencem. Por
outro, estes podem ser transferidos para uma pessoa coletiva pública de fins
singulares, especialmente incumbida de assegurar a sua prossecução, como é o
caso dos institutos públicos e das empresas públicas. Deste modo, irei
aprofundar esta segunda alternativa, na qual reside o ponto fundamental deste
trabalho, ou seja, a noção de devolução de poderes.
1.
Noções Fundamentais
Começo por fazer uma pequena
distinção entre o conceito de devolução de poderes e o conceito de integração.
Por um lado, o conceito de
“integração” pode ser entendido como o sistema em que todos os interesses
públicos a prosseguir pelo Estado, ou pelas pessoas coletivas de população e
território, são postos por lei a cargo das próprias pessoas coletivas a que
pertencem.
Por outro lado, podemos
entender por “devolução de poderes” o sistema em que alguns interesses públicos
do Estado, ou de pessoas coletivas de população e território, são postos por
lei a cargo de pessoas coletivas públicas de fins singulares, podendo também
ser entendida como o movimento da transferência de atribuições, por exemplo, do
Estado para outra entidade.
2.
Vantagens e Inconvenientes
Entende-se que a maior
vantagem associada a esta noção de devolução de poderes será o facto de esta
permitir uma maior comodidade e eficiência na gestão, o que facilita o modo
como a Administração Pública funciona, uma vez que se descongestionou a gestão
da pessoa coletiva principal. Por exemplo, se o Estado tivesse de prosseguir,
sozinho, todos os interesses públicos de âmbito nacional que necessitam desta
atenção, a sua atividade seria muito mais burocratizada, daí a necessidade
deste instituto.
Deste modo, enquanto
inconvenientes desta noção, podemos considerar, por exemplo, a proliferação de
centros de decisão autónomos, de patrimónios separados e de fenómenos
financeiros que, em grande parte, escapam ao controlo global do Estado. Ou
seja, estaremos perante o perigo da desagregação do poder que se pode
encaminhar para o descontrolo de um sistema cujo conjunto se encontra demasiado
disperso.
Assim, a doutrina atual
considera que se deve aceitar como positivo este sistema, mas o mesmo deverá
ser contido dentro de limites razoáveis, ou então, quando necessários, o mesmo deverá
reduzir o número excessivo de institutos públicos, de empresas públicas ou de
associações públicas.
3.
Regime Jurídico
Este instituto é feito sempre
por lei, sendo que, este apenas pode ser exercido em nome próprio pela pessoa
coletiva pública criada para o efeito. No entanto, estes são exercidos no
interesse da pessoa coletiva que os transferiu, e sob a orientação dos
respetivos órgãos, sendo que, a estas pessoas coletivas públicas que receberam
poderes através deste instituto, são chamadas de entes auxiliares (ou
instrumentais) da própria pessoa coletiva de fins múltiplos que as criou:
1.
Ainda que estes organismos possam dispor de
autonomia administrativa e financeira, estes não possuem o poder da
auto-administração;
2.
É o próprio Estado que define a orientação
geral da atividade destes organismos, ou então, será da competência da pessoa
coletiva de fins múltiplos que os criou,
3.
São intitulados de organismos dependentes, na
medida que, os mesmos dependem do Governo ou de algum Ministro em causa.
4.
Sujeição dos criados pela devolução de poderes à tutela administrativa e à
superintendência
As entidades estabelecidas pelo
instituto da devolução de poderes estão sujeitas à tutela administrativa e, em
muitos casos, a uma outra figura a que a Constituição chama de superintendência
(art. 199.º, al. d) CRP).
O professor Diogo Freitas do
Amaral estabelece o conceito de superintendência enquanto poder conferido ao
Estado, ou a outra pessoa coletiva de fins múltiplos, de definir os objetivos e
guiar a atuação das pessoas coletivas públicas de fins singulares colocadas por
lei na sua dependência.
É assim um poder mais amplo e
mais forte pois enquanto a tutela administrativa apenas tem o fim de controlar
a atuação das entidades a ela sujeitas, a superintendência destina-se a
orientar a ação das entidades a ela submetidas.
Assim, a lei estabeleceu no art.
199.º da Constituição, a distinção entre estes dois conceitos, sendo que, após
a análise da alínea d), podemos identificar três realidades distintas:
1. Administração
direta do Estado: o Governo está em relação a ela na posição de superior
hierárquico, dispondo nomeadamente do poder de direção;
2. Administração
indireta do Estado: ao Governo cabe sobre ela a responsabilidade da
superintendência, possuindo designadamente o poder de orientação;
3. Administração
autónoma: pertence ao Governo desempenhar quanto a ela a função da tutela
administrativa, competindo-lhe exercer em especial um conjunto de poderes de
controlo.
Deste modo, a ideia de superintendência
surge agora associada à administração indireta do Estado, sendo que este agora
tem um conteúdo jurídico diferente, que altera assim a sua terminologia. Dito
isto, enquanto o poder de direção do superior hierárquico consiste na faculdade
de dar ordens (ou instruções), a superintendência traduz-se na faculdade de
emitir diretivas ou recomendações:
1. As
ordens são comandos concretos, específicos e determinados, que impõem a
necessidade de adotar imediata e completamente uma certa conduta;
2. As
diretivas são orientações genéricas, que definem imperativamente os objetivos a
cumprir pelos seus destinatários, mas que lhes deixam liberdade de decisão
quanto aos meios a utilizar e às formas a adotar para atingir esses objetivos;
3. As
recomendações são conselhos emitidos sem a força de qualquer sanção para a
hipótese de não cumprimento.
5.
Natureza jurídica da superintendência
Podemos considerar a existência
de três orientações principais:
1. A
superintendência como tutela reforçada: esta é a conceção mais generalizada
entre os juristas. Corresponde à ideia de que sobre os institutos públicos e as
empresas públicas os poderes da autoridade responsável – v.g. o Estado – são poderes
de tutela. Só que, como comportam mais uma faculdade do que as normalmente
compreendidas na tutela, isto é, o poder de orientação, entende-se que a superintendência
é uma tutela mais forte, ou melhor, é a modalidade mais forte da tutela
administrativa;
2. A
superintendência como hierarquia enfraquecida: é a conceção que mais influencia
na prática a nossa Administração. Consiste, afinal de contas, em transportar
para esta sede a tese do mesmo nome quanto à natureza da tutela administrativa,
considerando nomeadamente que o poder de orientação, a faculdade de emanar
diretivas e recomendações, não é senão um certo “enfraquecimento” do poder de
direção, ou faculdade de dar ordens e instruções;
3. A
superintendência como poder de orientação: é a conceção que o professor Freitas
do Amaral, ainda que não a siga por completo, considera a mais correta.
Consiste fundamentalmente em considerar que a superintendência não é uma
espécie de tutela nem uma espécie de hierarquia, mas um tipo autónomo, sui
generis, situado a meio caminho entre uma e outra, e com natureza própria.
Bibliografia:
Amaral, Diogo Freitas do,“Curso de Direito Administrativo”, volume I, 2015, 4º Edição, edições almedina, S.A
Guilherme de Oliveira Rato, nº28197
Bibliografia:
Amaral, Diogo Freitas do,“Curso de Direito Administrativo”, volume I, 2015, 4º Edição, edições almedina, S.A
Guilherme de Oliveira Rato, nº28197
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