domingo, 30 de outubro de 2016

Integração e Devolução de Poderes

Neste trabalho procuro explicar alguns dos fins associados aos interesses públicos a cargo do Estado, ou de outra pessoa coletiva de fins múltiplos (regiões autónomas e autarquias locais). Dito isto, de acordo com a lição do professor Freitas do Amaral, existem assim, dois fins a estes interesses. Por um lado, estes podem ser mantidos pela lei no elenco das atribuições da entidade a que pertencem. Por outro, estes podem ser transferidos para uma pessoa coletiva pública de fins singulares, especialmente incumbida de assegurar a sua prossecução, como é o caso dos institutos públicos e das empresas públicas. Deste modo, irei aprofundar esta segunda alternativa, na qual reside o ponto fundamental deste trabalho, ou seja, a noção de devolução de poderes.
1. Noções Fundamentais
Começo por fazer uma pequena distinção entre o conceito de devolução de poderes e o conceito de integração.
Por um lado, o conceito de “integração” pode ser entendido como o sistema em que todos os interesses públicos a prosseguir pelo Estado, ou pelas pessoas coletivas de população e território, são postos por lei a cargo das próprias pessoas coletivas a que pertencem.
Por outro lado, podemos entender por “devolução de poderes” o sistema em que alguns interesses públicos do Estado, ou de pessoas coletivas de população e território, são postos por lei a cargo de pessoas coletivas públicas de fins singulares, podendo também ser entendida como o movimento da transferência de atribuições, por exemplo, do Estado para outra entidade.
2. Vantagens e Inconvenientes
Entende-se que a maior vantagem associada a esta noção de devolução de poderes será o facto de esta permitir uma maior comodidade e eficiência na gestão, o que facilita o modo como a Administração Pública funciona, uma vez que se descongestionou a gestão da pessoa coletiva principal. Por exemplo, se o Estado tivesse de prosseguir, sozinho, todos os interesses públicos de âmbito nacional que necessitam desta atenção, a sua atividade seria muito mais burocratizada, daí a necessidade deste instituto.
Deste modo, enquanto inconvenientes desta noção, podemos considerar, por exemplo, a proliferação de centros de decisão autónomos, de patrimónios separados e de fenómenos financeiros que, em grande parte, escapam ao controlo global do Estado. Ou seja, estaremos perante o perigo da desagregação do poder que se pode encaminhar para o descontrolo de um sistema cujo conjunto se encontra demasiado disperso.
Assim, a doutrina atual considera que se deve aceitar como positivo este sistema, mas o mesmo deverá ser contido dentro de limites razoáveis, ou então, quando necessários, o mesmo deverá reduzir o número excessivo de institutos públicos, de empresas públicas ou de associações públicas.
3. Regime Jurídico
Este instituto é feito sempre por lei, sendo que, este apenas pode ser exercido em nome próprio pela pessoa coletiva pública criada para o efeito. No entanto, estes são exercidos no interesse da pessoa coletiva que os transferiu, e sob a orientação dos respetivos órgãos, sendo que, a estas pessoas coletivas públicas que receberam poderes através deste instituto, são chamadas de entes auxiliares (ou instrumentais) da própria pessoa coletiva de fins múltiplos que as criou:
1.     Ainda que estes organismos possam dispor de autonomia administrativa e financeira, estes não possuem o poder da auto-administração;
2.     É o próprio Estado que define a orientação geral da atividade destes organismos, ou então, será da competência da pessoa coletiva de fins múltiplos que os criou,
3.     São intitulados de organismos dependentes, na medida que, os mesmos dependem do Governo ou de algum Ministro em causa.
4. Sujeição dos criados pela devolução de poderes à tutela administrativa e à superintendência
As entidades estabelecidas pelo instituto da devolução de poderes estão sujeitas à tutela administrativa e, em muitos casos, a uma outra figura a que a Constituição chama de superintendência (art. 199.º, al. d) CRP).
O professor Diogo Freitas do Amaral estabelece o conceito de superintendência enquanto poder conferido ao Estado, ou a outra pessoa coletiva de fins múltiplos, de definir os objetivos e guiar a atuação das pessoas coletivas públicas de fins singulares colocadas por lei na sua dependência.
É assim um poder mais amplo e mais forte pois enquanto a tutela administrativa apenas tem o fim de controlar a atuação das entidades a ela sujeitas, a superintendência destina-se a orientar a ação das entidades a ela submetidas.
Assim, a lei estabeleceu no art. 199.º da Constituição, a distinção entre estes dois conceitos, sendo que, após a análise da alínea d), podemos identificar três realidades distintas:
1.       Administração direta do Estado: o Governo está em relação a ela na posição de superior hierárquico, dispondo nomeadamente do poder de direção;
2.       Administração indireta do Estado: ao Governo cabe sobre ela a responsabilidade da superintendência, possuindo designadamente o poder de orientação;
3.       Administração autónoma: pertence ao Governo desempenhar quanto a ela a função da tutela administrativa, competindo-lhe exercer em especial um conjunto de poderes de controlo.
Deste modo, a ideia de superintendência surge agora associada à administração indireta do Estado, sendo que este agora tem um conteúdo jurídico diferente, que altera assim a sua terminologia. Dito isto, enquanto o poder de direção do superior hierárquico consiste na faculdade de dar ordens (ou instruções), a superintendência traduz-se na faculdade de emitir diretivas ou recomendações:
1.       As ordens são comandos concretos, específicos e determinados, que impõem a necessidade de adotar imediata e completamente uma certa conduta;
2.       As diretivas são orientações genéricas, que definem imperativamente os objetivos a cumprir pelos seus destinatários, mas que lhes deixam liberdade de decisão quanto aos meios a utilizar e às formas a adotar para atingir esses objetivos;
3.     As recomendações são conselhos emitidos sem a força de qualquer sanção para a hipótese de não cumprimento.
5. Natureza jurídica da superintendência
Podemos considerar a existência de três orientações principais:
1.       A superintendência como tutela reforçada: esta é a conceção mais generalizada entre os juristas. Corresponde à ideia de que sobre os institutos públicos e as empresas públicas os poderes da autoridade responsável – v.g. o Estado – são poderes de tutela. Só que, como comportam mais uma faculdade do que as normalmente compreendidas na tutela, isto é, o poder de orientação, entende-se que a superintendência é uma tutela mais forte, ou melhor, é a modalidade mais forte da tutela administrativa;
2.       A superintendência como hierarquia enfraquecida: é a conceção que mais influencia na prática a nossa Administração. Consiste, afinal de contas, em transportar para esta sede a tese do mesmo nome quanto à natureza da tutela administrativa, considerando nomeadamente que o poder de orientação, a faculdade de emanar diretivas e recomendações, não é senão um certo “enfraquecimento” do poder de direção, ou faculdade de dar ordens e instruções;
3.       A superintendência como poder de orientação: é a conceção que o professor Freitas do Amaral, ainda que não a siga por completo, considera a mais correta. Consiste fundamentalmente em considerar que a superintendência não é uma espécie de tutela nem uma espécie de hierarquia, mas um tipo autónomo, sui generis, situado a meio caminho entre uma e outra, e com natureza própria.

Bibliografia:
Amaral, Diogo Freitas do,“Curso de Direito Administrativo”, volume I, 2015, 4º Edição, edições almedina, S.A

Guilherme de Oliveira Rato, nº28197

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