segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Em busca da natureza do Direito Administrativo


Direito Administrativo é, na ordem jurídica portuguesa, um ramo do Direito Público, que corresponde a um complexo de princípios e regras com um objecto específico, a função administrativa.

Marcello Caetano definia-o como “ o sistema de normas jurídicas que regulam a organização e o processo próprio de agir da administração pública e disciplinam as relações pelas quais ela prossiga interesses colectivos.”

Assim sendo, podemos concluir que é um direito que regula a actuação da administração pública, bem como a actuação de todos os sujeitos jurídicos que exerçam a função administrativa ou que a sua actuação se cruze com essa função.


Observando as características do Direito Administrativo é possível percebermos que é um direito relativamente recente, visto que, foi um produto da Revolução Francesa, sendo este acontecimento histórico um importante marco no que respeita ao momento da fundação do Direito Administrativo moderno.

O Direito Administrativo, tal como referi em cima, é direito público, uma vez que, atendendo ao critério do interesse que é prosseguido, verificamos que é claramente o interesse público, o bem-estar colectivo.

A par disso é um direito conjunturalmente mutável, visto que, está dependente das mudanças que ocorrem ao nível das estruturas políticas, económicas, sociais e culturais do país e está constantemente sujeito a alterações proporcionadas pelo avanço dos tempos e encontra-se ainda dependente da interpretação que é feita do interesse público nos sucessivos momentos históricos.

É um direito fragmentário, o que significa que, regula fragmentos do seu objecto e não a totalidade, portanto não regula de forma rigorosa e global o exercício da função administrativa. A razão de ser desta característica prende-se com o facto de surgirem novos sectores da vida social que necessitam permanentemente de regulação e por vezes o legislador não consegue prontamente responder a essas carências, criando lacunas.
O Direito Administrativo é contudo intencionalmente lacunar e aberto, de modo a que seja possível para a administração pública ter uma certa margem de liberdade ao tomar as decisões que permitem o seu funcionamento. Estas margens de liberdade prendem-se com o carácter lacunar da previsão das normas jurídicas e na abertura da sua estatuição.
Por fim, o Direito Administrativo caracteriza-se pelo facto de ser um direito que é parcialmente codificado, isto devido à sua juventude, a mutabilidade conjuntural e o facto de ser fragmentário, fez com que, embora com progressos recentes, a parte geral do direito administrativo português esteja hoje em dia apenas sectorialmente codificado no CPA.

A função do Direito Administrativo apresenta discussão na doutrina, contudo são duas as principais opiniões: a função do Direito Administrativo é conferir poderes de autoridade à Administração Pública, de modo a que ela possa fazer sobrepor o interesse colectivo aos interesses privados (“green light theories”); ou a função desse direito é reconhecer privilégios e estabelecer garantias em prol dos particulares frente ao Estado, de modo a limitar juridicamente os abusos do poder executivo, e a proteger os cidadãos contra os excessos da autoridade do Estado (“ red light theories”).
Podemos assumir que, como diz Freitas do Amaral, esse direito desempenha uma dupla função: organizar a autoridade do poder e defender a liberdade dos cidadãos.

A natureza do Direito Administrativo apresenta, como quase todos os temas no nosso curso, divergência na doutrina, sendo que existem três teses principais.  
A primeira delas define o Direito Administrativo como direito excepcional, pressupondo que este seria, portanto um conjunto de excepções ao Direito Privado.
Isto é, o Direito Civil era a regra geral aplicável sempre que o Direito Administrativo não tivesse uma norma que fosse possível de aplicar ao caso. Consequentemente, havendo um caso de lacuna na legislação administrativa, a integração desse caso omisso deveria ser feito recorrendo aos princípios gerais do Direito Privado.
Todavia, esta é uma tese ultrapassada, visto que, na realidade as lacunas que surjam na lei administrativa devem ser solucionadas recorrendo a analogia dentro do próprio Direito Administrativo, mais propriamente com recurso aos princípios gerais desse ramo do direito. Na falta destes deve-se então aplicar os princípios gerais de Direito Público.
Ora, destes factos pode-se concluir que este é um direito comum e não apenas excepcional.
Daqui advêm então as duas teses finais: o Direito Administrativo como direito comum da Administração Pública ou como direito comum da função administrativa.
A primeira delas, sendo uma tese de concepção subjectivista ou estatutária defende que existem duas espécies de direitos, os gerais que regulam atos ou actividades quaisquer que sejam os sujeitos que os pratiquem ou os direitos estatuários, que se aplicam a uma certa classe de sujeitos.
Ainda segundo esta concepção o direito é estatutário, uma vez que, estabelece a regulamentação jurídica de uma categoria singular de sujeitos, ou seja, determina a organização, a actuação e as relações de certa classe de sujeitos, sendo neste caso a classe das pessoas colectivas públicas, ou seja, as Administrações Públicas.
Ora da tese defendida por Garcia de Enterría e T. Ramon Fernandez, e perfilhada entre nós por Sérvulo Correia, podemos concluir que, o Direito Administrativo é o direito comum das administrações públicas e também que a presença destas é um requisito essencial para a existência de uma relação jurídica administrativa.
Contudo, Freitas do Amaral discorda desta posição assumindo que a última das teses (Direito Administrativo como direito comum da função administrativa) é a que se encontra mais correta.
O autor baseia a sua opinião no facto de, o Direito Administrativo não ser Direito Público apenas pelo facto de ser um direito estatutário ou não. O que o justifica é o facto de existirem normas de direito privado que são específicas da Administração Pública, comprovando que uma norma jurídica aplicada à Administração Pública não faz dela necessariamente uma norma de Direito Público.
Outro dos argumentos prende-se com o facto de o Direito Administrativo não ser, como vimos em cima, o único ramo de direito aplicável à Administração Pública. Podem, por isso ser aplicados outros dois ramos do direito: Direito Privado e o Direito Privado Administrativo (direito específico dos sujeitos de direito público, sendo por isso um direito estatutário).
Por fim, é contestado o facto de a presença da Administração Pública ser um requisito essencial para a existência de uma relação jurídica administrativa. Relações entre a Administração e os particulares, entre várias pessoas colectivas públicas ou certas relações entre particulares comprovam que podem existir relações jurídicas administrativas sem presença da Administração Pública.
Assim, podemos concluir que o Direito Administrativo não se define em função do sujeito, mas sim em função do objecto (actividade administrativa de gestão pública), não sendo por isso, de todo, um direito estatutário.
Freitas do Amaral conclui reforçando que, o Direito Administrativo não é o direito comum da Administração Pública, mas antes o direito comum da função administrativa.


Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do; Curso de Direito Administrativo, vol. I, 2ª edição, Coimbra, 1996
SOUSA, Marcelo Rebelo; MATOS, André Salgado. Direito Administrativo Geral, tomo I, Introdução e princípios fundamentais, 1ºedição, Dom Quixote, 2004



Maria Leonor Tomazinho
Nº 28567

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