sábado, 29 de outubro de 2016

Direito Administrativo (Noção, Natureza; Caracterização e Função)


Direito Administrativo
 Noção, Natureza, Caracterização e função

Na presente exposição pretendo aprofundar um pouco mais aquilo que é o direito administrativo, qual a sua natureza, quais as suas características, a sua função e quais serão as normas existentes neste sistema jurídico. De modo introdutório inicio a minha exposição com algumas definições propostas por vários e diferenciados autores:

 - Zanobini, em Itália define o direito administrativo como: “a parte do direito público que tem por objetivo a organização, os meios e as formas de atividade da administração pública e as consequentes relações jurídicas entre estas e outros sujeitos.”
           - Riviero, em França define-o como “ o conjunto das regras jurídicas distintas das do direito privado que regulam a atividade administrativa das pessoas públicas”.
             - Em Inglaterra, Wade considera -o direito administrativo como “um corpo de princípios gerais que regulam o exercício de poderes e deveres pelas autoridades públicas”.
 - Maurer, na Alemanha define-o como “ o conteúdo das normas jurídicas que regulam de modo específico a administração – a atividade administrativa , o processo administrativo e a organização administrativa”.

 Em Portugal o professor Marcelo Caetano define o direito Administrativo como o “sistema de normas jurídicas que regulam a organização e o próprio processo de agir da Administração pública e disciplinam também as relações pelas quais ela prossegue interesses coletivos podendo usar de iniciativa e do privilégio da execução prévia”. O autor destaca a importância das relações entre o Estado e os seus cidadãos, conformadas de autoridade e não de soberania, isto é, a Administração Pública também está, da mesma forma que o cidadão, sujeita à vontade da lei. A legalidade é, assim, uma condição essencial da existência do direito administrativo. Além do mais, deve-se destacar a importância dos interesses coletivos, ou seja, interesses públicos, que devem ser prosseguidos na ação administrativa. Já para  Diogo Freitas do Amaral, o direito administrativo será, “ o ramo do direito público cujas normas e princípios regulam a organização e funcionamento da Administração pública e, ainda, os termos e limites da sua atividade de gestão privada”.

A palavra administrar vem do latim administrare, que significa servir alguma coisa ou ir numa direção subordinada a algo. Como se constata, pela variedade de definições acima expostas, a definição do direito administrativo é uma definição problemática, no entanto será indiscutível o fato de o direito administrativo ser um ramo do direito público. mesmo confrontados com os critérios adotados por Diogo Freitas do Amaral, tal acabará por se verificar, uma vez que, segundo o critério do interesse verificasse que as normas do direito administrativo são estabelecidas de modo a prosseguir um interesse coletivo (ou interesse público), que será aquele que se encontra definido por lei, tratando-se de um interesse casuístico. Este tem de estar definido por lei uma vez que a administração pública se rege de acordo com o princípio da legalidade:


CAPÍTULO II
Princípios gerais da atividade administrativa
Artigo 3.º
Princípio da legalidade
1 - Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins.
2 - Os atos administrativos praticados em estado de necessidade, com preterição das regras estabelecidas no presente Código, são válidos, desde que os seus resultados não pudessem ter sido alcançados de outro modo, mas os lesados têm o direito de ser indemnizados nos termos gerais da responsabilidade da Administração.[1] 


 Com o critério do sujeito, também se conclui que o direito Administrativo será direito público, uma vez que os sujeitos de direito que compõem a Administração são, todos eles, sujeitos de direito público, ou pessoas coletivas públicas. Por fim adaptando o critério dos poderes de autoridade, o mesmo acabava por se verificar, uma vez que a atuação da Administração que o direito administrativo regula é aquela em que esta surge investida de poderes de autoridade.

Também o professor Paulo Otero admite que a administração pública, visa sempre a prossecução de interesses públicos, que se identificam com fins que têm como fonte um titulo jurídico do poder público que procura satisfazer as necessidades coletivas. O que não significa a exclusão limiar de entidades privadas de serem chamadas á sua prossecução[2]. As entidades privadas podem ser encarregues da gestão de interesse público, exercendo poderes administrativos, acabando por se falar num exercício privado de interesse público.


Tipos de normas administrativas

O direito administrativo é um conjunto de normas jurídicas, sendo no entanto, um conjunto sistemático, tratando-se de um sistema. São aqui ponderadas 3 modalidades de normas jurídicas:

1 -Normas orgânicas- Normas que regulam a organização da Administração pública. Estabelecem as entidades e organismos que fazem parte da administração, acabando por definir a sua organização. Estas normas, no entanto,  nem sempre foram consideradas como tendo eficácia externa na medida em que seriam normas não jurídicas, uma vez que se entendia que apenas as normas que dizem respeito ás relações entre a administração e os particulares teriam essa eficácia. Hoje isto não acontece, as normas orgânicas são normas com eficácia externa, que interessam bastante aos particulares ( conclui-se que a observância das normas orgânicas pela administração, é das garantias mais eficazes dos direitos e interesses legítimos dos particulares).

Por exemplo, se a lei administrativa diz que uma câmara municipal é composta por 1 presidente e 6 vereadores, e se as eleições autárquicas acabam por dar 4 mandatos ao partido A e 3 ao partido B, a entidade competente não pode evitar que o partido B fique em minoria, fazendo com que este eleja 3 vereadores também (agindo contra a lei) . A norma orgânica que fixa a estrutura daquela câmara municipal, não tem um efeito meramente interno mas possui também uma relevância jurídica externa, destinada a assegurar os direitos daqueles que concorrem e que as eleições designam para formar maioria num determinado órgão administrativo[3]

De acordo com o Art. 267º nº1 e 2 da CRP, “ 1. A Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efetiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática. 2. Para efeito do disposto no número anterior, a lei estabelecerá adequadas formas de descentralização e desconcentração administrativas, sem prejuízo da necessária eficácia e unidade de ação da Administração e dos poderes de direção, superintendência e tutela dos órgãos competentes”. Destes artigos aferimos a importância das normas orgânicas que o direito administrativo comporta.

2 -Normas funcionais- São as que regulam o modo de agir específico da administração pública, estabelecem processos de funcionamento, métodos de trabalho, formalidades a cumprir, etc..
“ já não é mais possível, como durante muito tempo foi, que os administrativistas defendam que os particulares são sujeitos passivos do Direito Administrativo, e que a Administração Publica é o sujeito ativo”.[5]
Hoje em dia, estas normas têm eficácia externa (apesar de antigamente não a possuírem) e obrigam a administração perante os particulares, sendo que estes as podem invocar caso estas sejam violadas pela Administração. O direito administrativo moderno, tem tendência a reforçar os direitos dos particulares, o que tem resultado na criação de cada vez mais normas funcionais revestida de natureza jurídica (ou seja com eficácia externa), normas que também são referidas no Art. 269º nº5 da CRP.[3]
3 -Normas relacionais- São as que regulam as relações entre a administração e outros sujeitos de direito no desempenho da atividade administrativa. As normas relacionais do Direito Administrativo não são apenas aquelas que regulam a relação entre a Administração e os particulares mas também aquelas que se configuram entre duas ou mais pessoas coletivas publicas[6], e certas relações entre particulares. [7].
Existe doutrina que suporta que as normas de direito Administrativo, serão apenas as que conferem poderes de autoridade á administração pública. De acordo com Diogo Freitas do Amaral, serão ainda normas de Direito Administrativo, as que submetem a administração pública a deveres, sujeições ou limitações especiais, que tenham em vista o interesse público, e também, as normas que atribuem direitos subjetivos ou reconhecem interesses legítimos face á administração[8].

Natureza do direito Administrativo
A natureza do direito administrativo tem sido um tema controverso na doutrina. Temos então 3 teses:
O Direito Administrativo como direito excecional, via o direito administrativo como um conjunto de exceções ao direito privado. Portanto para esta tese se houvesse um caso omisso na legislação administrativa deveria-se recorrer ao direito privado para preencher a lacuna. No entanto esta tese encontra-se ultrapassada e hoje em dia em caso de lacuna deve-se utilizar a analogia dentro do direito administrativo e ainda os princípios gerais do direito Administrativo. 
A segunda tese que aqui exponho é a que defende o Direito Administrativo como direito comum da Administração Pública, esta é a conceção subjetivista do direito Administrativo. Esta tese é defendida por García de Enterría e T.Ramón Fernandez. Para o primeiro autor citado existem duas espécies de direitos, os direitos gerais (regulam atos ou atividades, quaisquer que sejam os sujeitos que as pratiquem) e os direitos estatutários ( aplicam-se a uma certa classe de sujeitos). Já de acordo com o segundo autor mencionado o direito administrativo é um direito estatutário, porque reconhece a regulamentação jurídica de uma categoria singular de sujeitos, nomeadamente as administrações públicas. 
Por fim a ultima tese será a do Direito Administrativo como direito comum da função Administrativa, esta tese defende que não será o facto de o direito administrativo ser estatutário que o fará direito público, uma vez que existem normas de direito privado que são específicas da administração pública. Para esta teoria o facto de uma norma jurídica ser privativa da Administração pública, não significa que seja uma norma de direito público. Afirma ainda que o Direito Administrativo não é o único ramo do direito aplicável á administração pública ( existem mais 2 ramos que regulam a Administração pública, sendo estes o direito privado e o direito administrativo privado). Para esta tese portanto o Direito Administrativo não é um direito estatuário, uma vez que não se define em função do sujeito[9], mas sim em função do objeto[10] .
Função do Direito Administrativo

      Também tem sido um tema alvo de grande discussão doutrinária, sendo que existem duas opiniões que são importantes mencionar. Para alguns autores a função do direito administrativo seria a de conferir poderes de autoridade à administração pública de modo a que os interesses públicos se possam sobrepor aos interesses privados. Para outros autores a função do direito administrativo será a de estabelecer garantias em favor dos particulares frente ao Estado de modo a proteger os cidadãos contra os excessos da autoridade do Estado.


Diogo Freitas do Amaral afirma que a função do direito Administrativo não é apenas autoritária, nem apenas liberal, mas que desempenha sim uma função mista ou uma dupla função, que será legitimar a intervenção da autoridade pública e proteger a esfera jurídica dos particulares, e ainda permitir a realização do interesse coletivo. 

Caracterização do direito administrativo
Esta questão tem sido a que mais se apresenta problemática para a doutrina, principalmente na doutrina Francesa, onde há muito os autores tentam chegar á noção-chave daquilo que é o direito Administrativo. Enumero aqui duas conceções:
Duguit e jèze, e também Hauriou - Para estes autores o Direito Administrativo seria o direito dos serviços públicos (organismos regulados pelo Direito Administrativo). As soluções aplicadas pelo direito Administrativo teriam sempre um fundamento de serviço público. Esta conceção tem vindo a ser abandonada uma vez que o Direito Administrativo regula mais atividades do que o serviço público, e que este nem sempre atua segundo o Direito Administrativo.
Jean Rivero – Acredita que são inúteis os esforços para encontrar um só noção de direito administrativo. Pensa existirem normas de duas espécies, umas que conferem autoridade á administração e outras que lhe impõem restrições. O direito administrativo será um meio de afirmação da vontade do poder e um meio de proteção do cidadão contra o Estado, esta conceção encontra-se amparada pelo Art.266º nº1 CRP.[11]
Para Diogo Freitas do amaral existe aqui a conciliação entres as exigências de garantia dos particulares e as exigências de ação administrativa, que se realizam através de normas que conferem especiais poderes de autoridade á administração, e de normas que impõem restrições especiais por motivos de interesse público.
                                                                                                                               
                                                                                                 Carolina Rosa. Nº 28239



[1] Retirado do código do procedimento administrativo;
[2]  Este fenómeno foi reconhecido em Portugal no incio do séc.XX;
[3] Exemplo retirado do livro Diogo Freitas do Amaral, “Curso de Direito Administrativo”, volume I, 2015, 4º Edição, edições almedina, S.A;4
[4]"5. O processamento da atividade administrativa será objeto de lei especial,que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos da formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito";
[5] De acordo com o exposto por Diogo Freitas do Amaral
[6] Relações entre Estado e autarquia local, entre autarquias locais, etc..;
[7] Relações entre utente e utente, concessionário e utente, etc..;
[8] Exemplos: Art.º 268 nº1 a 6 da CRP;
[9] Administração Pública;
[10] Função administrativa ou atividade administrativa de gestão pública;
[11] “1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.”


Bibliografia

  •  Gonçalves, Pedro, “entidades privadas com poderes administrativos”, 2006;
  •  http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx
  •  Guimarães Pedrosa, “curso de ciência da administração e direito administrativo I”, Coimbra;
  •  Otero, Paulo “Manual de Direito Administrativo”, volume I, Edições Almedina, S.A;
  •  Caetano, Marcelo, “Manual de Direito Administrativo”, volume I;
  •  Amaral, Diogo Freitas do, “Curso de Direito Administrativo”, volume I, 2015, 4º Edição, edições almedina, S.A;

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