Considerações Iniciais
Através da elaboração destas notas, pretendo analisar a relação da
Função Administrativa com as restantes funções do Estado, passando tenuemente
pela essência e pelo conceito da própria Atividade Administrativa.
Está em causa a posição da atividade administrativa face às demais
funções do Estado. A função administrativa é desenvolvida por qualquer pessoa
coletiva pública, quer sejam o Estado, as Regiões Autónomas ou as Autarquias
Locais. Contudo, o Estado acumula outras funções, pelo que se torna fundamental
saber distinguir cada uma delas e conhecer os seus limites para que não surja
confusão quanto ao campo de atuação de cada uma. É esse o sentido que pretendo
dar a esta exposição.
Posto isto, começo por apresentar uma breve análise acerca das funções
atribuídas ao Estado. A maioria da doutrina assume quatro funções estaduais: as
funções política, legislativa, jurisdicional e administrativa. Excecionalmente,
o Professor Marcello Caetano, reconhece uma outra função do Estado, a função
técnica. Na perspetiva da doutrina maioritária, da qual participa o Professor
Diogo Freitas do Amaral, a função técnica não assume autonomia face às
restantes funções, uma vez que o caráter técnico é, atualmente, elemento
constitutivo de todas as atividades do Estado.
O Professor Marcelo Rebelo de Sousa distingue, no campo das funções do
Estado, funções primárias e funções secundárias. Às funções primárias
correspondem a função política e a função legislativa, que na perspetiva de
Afonso Queiró, acolhida por Marcelo Rebelo de Sousa, se encontram em paridade
constitucional. Já as funções secundárias, subordinadas às primárias, são as
funções jurisdicional e administrativa. No entanto, esta ideia gera alguma
controvérsia, no sentido em que remete para o pensamento liberal, marcado por
autores como Montesquieu, defensor da ideia de que o tribunal constituía apenas
“a boca que pronuncia as palavras da lei”. Ora, esta afirmação está longe da
realidade atual, em que aos tribunais cabe muito mais do que a aplicação direta
da lei.
Apesar de toda esta inquietação doutrinária, a regra geral é a de
reconhecer as quatro funções enunciadas na incipiência desta análise, as
funções legislativa, política, jurisdicional e administrativa.
Uma vez reconhecidas as quatro principais funções do Estado, prossigo
para a caraterização e definição, ou tentativa de definição, da atividade
administrativa.
À partida, estabelecer a definição material da função administrativa é
tarefa árdua, o que levou alguns autores a sustentarem a impossibilidade de o fazer,
entre eles o teorizador alemão, Enst Forsthoff , e outros, a doutrina
tradicional, a procederem à definição por exclusão de partes, retirando do
campo da atividade administrativa, os elementos pertencentes às demais funções
estaduais. Desta doutrina tradicional participam autores como Carré de Malberg
e Meucci.
No entanto, alguns autores fazem uma definição positiva da atividade
administrativa, tentando caraterizá-la tendo em conta a sua atuação, os seus
fins e interesses que protege. Desse modo, podemos definir a atividade
administrativa como sendo a prática de atos administrativos (regulamentos, atos
e contratos administrativos) com vista à satisfação das necessidades públicas
ou coletivas, ou seja das necessidades inerentes à vida em sociedade, em domínios
como o da educação, cultura, saúde e segurança. A relação da atividade
administrativa com as restantes atividades do Estado contribui para estabelecer
a caraterização da mesma. Nesse sentido, percorremos agora a relação entre a
atividade administrativa e as restantes atividades do Estado, confrontando-as
individualmente.
A Política e a Administração Pública
Inicialmente, parece fácil distinguir a função política da função
administrativa do Estado. Enquanto atividade estadual, a política tem como finalidade
específica definir o interesse geral da coletividade, que a administração
realiza em termos concretos. A política tem como objeto as decisões do Estado e
o rumo traçado pelo mesmo. Já à administração pública cabe, primordialmente, a
satisfação continuada das necessidades coletivas. Em oposição à política, que
tem uma natureza criadora, inovando no sentido de desenvolver a comunidade, a
administração pública tem natureza executiva, trabalhando para pôr em prática
as orientações políticas. Desta divergência de naturezas resulta o caráter
livre da função política que se opõe ao caráter limitado da administração
pública. A política encontra-se apenas condicionada em algumas partes restritas
da Constituição da República Portuguesa, o que não acontece com a administração
pública, cuja atuação está totalmente subordinada às orientações políticas e
legislativas. A administração pública só atua quando tem competência para
atuar, competência essa está prevista na lei. Daqui decorre o principio da
legalidade, previsto no artigo 3º do Código de Procedimento Administrativo. Geralmente,
a política corresponde aos órgãos superiores do Estado, eleitos pelo povo a
nível nacional, que, apesar de fiscalizarem e dirigirem a atividade da
administração pública, deixam a cargo dos órgãos secundários, nomeados por
colégios eleitorais, a função administrativa.
Contudo, a política e a administração pública não são atividades
indiferentes uma à outra. Em qualquer que seja o regime ou a época, a
administração pública é diretamente afetada pela opção política. A atividade
administrativa de um regime ditatorial não é sequer semelhante à atividade
administrativa em regime democrático. É importante acrescentar ainda que a
atividade administrativa é, em grosso modo, o desenvolvimento de uma política.
Num plano teórico, são poucas as dificuldades que surgem na distinção
destas duas atividades do Estado. No entanto, na prática, esta nem sempre é uma
distinção clara, essencialmente devido ao facto do Governo acumular funções
políticas ao seu papel decisivo enquanto órgão supremo da administração
pública.
Legislação e Administração Pública
Aquando
da análise das funções do Estado, expus a tese sustentada por Afonso Queiró e
acolhida pela maioria da doutrina, em que a função legislativa e a função
política se encontram em paridade constitucional. Ora, assim sendo, as
caraterísticas da função legislativa assemelham-se às da função política, pelo
que a relação da legislação com a administração pública é, em muito, semelhante
à distinção anteriormente analisada.
É
importante enfatizar o principio da legalidade administrativa, de que resulta a
subordinação da administração pública à lei. A lei é o fundamento, o critério e
o limite de toda a atividade administrativa.
Contudo,
à semelhança do que ocorre em relação à atividade política, também a atividade
legislativa se cruza com a administração pública, complicando a sua distinção.
Da atividade legislativa surgem leis que contêm, materialmente, decisões de
índole administrativa, assim como resultam da função administrativa atos que
revestem a maioria dos pressupostos de lei, e que, por vezes, completam
legitimamente a própria lei.
Justiça e Administração Pública
Apesar
de partilharem a caraterística de subordinação à lei, o caráter executivo e o
facto de serem funções secundárias, as atividades jurisdicional e administrativa
distinguem-se em diversos aspetos. Primeiramente, é importante referir que o
papel da administração pública é gerir e o da justiça é julgar. Para além
disso, a administração tem o objetivo geral de prosseguir os interesses gerais
da coletividade, o que se opõe ao objetivo da justiça que se prende com a
aplicação do direito aos casos concretos. A administração pública é parte
interessada na sua própria atividade, no sentido em que tem a iniciativa de
satisfazer as necessidades que tem a seu encargo, enquanto que a justiça
aguarda a chegada dos conflitos para os poder resolver, adotanto uma posição
desinteressada. Em última análise, surge mais uma diferença que se prende com o
facto de a administração pública ser constituída por órgãos hierarquizados, de
onde resulta a necessidade de obediência em relação a decisões de superiores,
enquanto que na atividade jurisdicional participam tribunais com juízes
independentes e inamovíveis.
Não
obstante, a administração pública está subordinada aos Tribunais, na medida em
que estes procedem à apreciação e fiscalização dos atos administrativos.
Conclusão
De
uma forma sumária, a atividade administrativa não está isenta de contacto com
as outras atividades do Estado, aliás essa relação contribui verdadeiramente
para que se consiga, de uma forma quase rigorosa, definir a atividade
administrativa.
Desse
modo, concluo usando as palavras do Professor Diogo Freitas do Amaral, que
refere que a administração pública é a “atividade
típica dos organismos e indivíduos que, sob a direção ou fiscalização do poder
político, desempenham em nome da coletividade a tarefa de prover à satisfação
regular e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar
económico e social, nos termos estabelecidos pela legislação aplicável e sob o controlo
dos tribunais competentes”.
Márcia Santos
28535
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Bibliografia:
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso De
Direito Administrativo. 4º ed. Almedina, 2015.
REBELO DE SOUSA, Marcelo; SALGADO
DE MATOS, André. “Direito Administrativo Geral- Tomo I- Introdução e Princípios
Fundamentais”. 3ªed. Dom Quixote, 2008.
F. F. TAVARES, José “Administração
Pública e Direito Administrativo”, 3ª ed. (Revista), Almedina, 2007
CAUPERS, João “Introdução ao
Direito Administrativo”, 10ª ed. Âncora Editora, 2009
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