segunda-feira, 31 de outubro de 2016

A Atividade Administrativa na Perspetiva do Estado – Confronto entre as Funções Estaduais


Considerações Iniciais


Através da elaboração destas notas, pretendo analisar a relação da Função Administrativa com as restantes funções do Estado, passando tenuemente pela essência e pelo conceito da própria Atividade Administrativa.
Está em causa a posição da atividade administrativa face às demais funções do Estado. A função administrativa é desenvolvida por qualquer pessoa coletiva pública, quer sejam o Estado, as Regiões Autónomas ou as Autarquias Locais. Contudo, o Estado acumula outras funções, pelo que se torna fundamental saber distinguir cada uma delas e conhecer os seus limites para que não surja confusão quanto ao campo de atuação de cada uma. É esse o sentido que pretendo dar a esta exposição.
Posto isto, começo por apresentar uma breve análise acerca das funções atribuídas ao Estado. A maioria da doutrina assume quatro funções estaduais: as funções política, legislativa, jurisdicional e administrativa. Excecionalmente, o Professor Marcello Caetano, reconhece uma outra função do Estado, a função técnica. Na perspetiva da doutrina maioritária, da qual participa o Professor Diogo Freitas do Amaral, a função técnica não assume autonomia face às restantes funções, uma vez que o caráter técnico é, atualmente, elemento constitutivo de todas as atividades do Estado.
O Professor Marcelo Rebelo de Sousa distingue, no campo das funções do Estado, funções primárias e funções secundárias. Às funções primárias correspondem a função política e a função legislativa, que na perspetiva de Afonso Queiró, acolhida por Marcelo Rebelo de Sousa, se encontram em paridade constitucional. Já as funções secundárias, subordinadas às primárias, são as funções jurisdicional e administrativa. No entanto, esta ideia gera alguma controvérsia, no sentido em que remete para o pensamento liberal, marcado por autores como Montesquieu, defensor da ideia de que o tribunal constituía apenas “a boca que pronuncia as palavras da lei”. Ora, esta afirmação está longe da realidade atual, em que aos tribunais cabe muito mais do que a aplicação direta da lei.
Apesar de toda esta inquietação doutrinária, a regra geral é a de reconhecer as quatro funções enunciadas na incipiência desta análise, as funções legislativa, política, jurisdicional e administrativa.
Uma vez reconhecidas as quatro principais funções do Estado, prossigo para a caraterização e definição, ou tentativa de definição, da atividade administrativa.
À partida, estabelecer a definição material da função administrativa é tarefa árdua, o que levou alguns autores a sustentarem a impossibilidade de o fazer, entre eles o teorizador alemão, Enst Forsthoff , e outros, a doutrina tradicional, a procederem à definição por exclusão de partes, retirando do campo da atividade administrativa, os elementos pertencentes às demais funções estaduais. Desta doutrina tradicional participam autores como Carré de Malberg e Meucci.
No entanto, alguns autores fazem uma definição positiva da atividade administrativa, tentando caraterizá-la tendo em conta a sua atuação, os seus fins e interesses que protege. Desse modo, podemos definir a atividade administrativa como sendo a prática de atos administrativos (regulamentos, atos e contratos administrativos) com vista à satisfação das necessidades públicas ou coletivas, ou seja das necessidades inerentes à vida em sociedade, em domínios como o da educação, cultura, saúde e segurança. A relação da atividade administrativa com as restantes atividades do Estado contribui para estabelecer a caraterização da mesma. Nesse sentido, percorremos agora a relação entre a atividade administrativa e as restantes atividades do Estado, confrontando-as individualmente.

A Política e a Administração Pública


Inicialmente, parece fácil distinguir a função política da função administrativa do Estado. Enquanto atividade estadual, a política tem como finalidade específica definir o interesse geral da coletividade, que a administração realiza em termos concretos. A política tem como objeto as decisões do Estado e o rumo traçado pelo mesmo. Já à administração pública cabe, primordialmente, a satisfação continuada das necessidades coletivas. Em oposição à política, que tem uma natureza criadora, inovando no sentido de desenvolver a comunidade, a administração pública tem natureza executiva, trabalhando para pôr em prática as orientações políticas. Desta divergência de naturezas resulta o caráter livre da função política que se opõe ao caráter limitado da administração pública. A política encontra-se apenas condicionada em algumas partes restritas da Constituição da República Portuguesa, o que não acontece com a administração pública, cuja atuação está totalmente subordinada às orientações políticas e legislativas. A administração pública só atua quando tem competência para atuar, competência essa está prevista na lei. Daqui decorre o principio da legalidade, previsto no artigo 3º do Código de Procedimento Administrativo. Geralmente, a política corresponde aos órgãos superiores do Estado, eleitos pelo povo a nível nacional, que, apesar de fiscalizarem e dirigirem a atividade da administração pública, deixam a cargo dos órgãos secundários, nomeados por colégios eleitorais, a função administrativa.
Contudo, a política e a administração pública não são atividades indiferentes uma à outra. Em qualquer que seja o regime ou a época, a administração pública é diretamente afetada pela opção política. A atividade administrativa de um regime ditatorial não é sequer semelhante à atividade administrativa em regime democrático. É importante acrescentar ainda que a atividade administrativa é, em grosso modo, o desenvolvimento de uma política.
Num plano teórico, são poucas as dificuldades que surgem na distinção destas duas atividades do Estado. No entanto, na prática, esta nem sempre é uma distinção clara, essencialmente devido ao facto do Governo acumular funções políticas ao seu papel decisivo enquanto órgão supremo da administração pública.

Legislação e Administração Pública


            Aquando da análise das funções do Estado, expus a tese sustentada por Afonso Queiró e acolhida pela maioria da doutrina, em que a função legislativa e a função política se encontram em paridade constitucional. Ora, assim sendo, as caraterísticas da função legislativa assemelham-se às da função política, pelo que a relação da legislação com a administração pública é, em muito, semelhante à distinção anteriormente analisada.
            É importante enfatizar o principio da legalidade administrativa, de que resulta a subordinação da administração pública à lei. A lei é o fundamento, o critério e o limite de toda a atividade administrativa.
            Contudo, à semelhança do que ocorre em relação à atividade política, também a atividade legislativa se cruza com a administração pública, complicando a sua distinção. Da atividade legislativa surgem leis que contêm, materialmente, decisões de índole administrativa, assim como resultam da função administrativa atos que revestem a maioria dos pressupostos de lei, e que, por vezes, completam legitimamente a própria lei.

Justiça e Administração Pública


            Apesar de partilharem a caraterística de subordinação à lei, o caráter executivo e o facto de serem funções secundárias, as atividades jurisdicional e administrativa distinguem-se em diversos aspetos. Primeiramente, é importante referir que o papel da administração pública é gerir e o da justiça é julgar. Para além disso, a administração tem o objetivo geral de prosseguir os interesses gerais da coletividade, o que se opõe ao objetivo da justiça que se prende com a aplicação do direito aos casos concretos. A administração pública é parte interessada na sua própria atividade, no sentido em que tem a iniciativa de satisfazer as necessidades que tem a seu encargo, enquanto que a justiça aguarda a chegada dos conflitos para os poder resolver, adotanto uma posição desinteressada. Em última análise, surge mais uma diferença que se prende com o facto de a administração pública ser constituída por órgãos hierarquizados, de onde resulta a necessidade de obediência em relação a decisões de superiores, enquanto que na atividade jurisdicional participam tribunais com juízes independentes e inamovíveis.
            Não obstante, a administração pública está subordinada aos Tribunais, na medida em que estes procedem à apreciação e fiscalização dos atos administrativos.

Conclusão


            De uma forma sumária, a atividade administrativa não está isenta de contacto com as outras atividades do Estado, aliás essa relação contribui verdadeiramente para que se consiga, de uma forma quase rigorosa, definir a atividade administrativa.
            Desse modo, concluo usando as palavras do Professor Diogo Freitas do Amaral, que refere que a administração pública é a “atividade típica dos organismos e indivíduos que, sob a direção ou fiscalização do poder político, desempenham em nome da coletividade a tarefa de prover à satisfação regular e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar económico e social, nos termos estabelecidos pela legislação aplicável e sob o controlo dos tribunais competentes”.

Márcia Santos
28535



Bibliografia:

FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso De Direito Administrativo. 4º ed. Almedina, 2015.

REBELO DE SOUSA, Marcelo; SALGADO DE MATOS, André. “Direito Administrativo Geral- Tomo I- Introdução e Princípios Fundamentais”. 3ªed. Dom Quixote, 2008.

F. F. TAVARES, José “Administração Pública e Direito Administrativo”, 3ª ed. (Revista), Almedina, 2007

CAUPERS, João “Introdução ao Direito Administrativo”, 10ª ed. Âncora Editora, 2009

Sem comentários:

Enviar um comentário