O sentido orgânico
de Administração Pública e as pessoas coletivas públicas
Como o título
sugere, pretendemos ao longo do texto abordar um dos elementos que fazem parte
da organização administrativa: as pessoas coletivas, faltando os órgãos e os
serviços públicos. Antes de nos centrarmos em específico nesse elemento e na
sua caracterização, será útil relembrar que este é um tema ligado ao sentido
orgânico da Administração Pública. É neste contexto que faremos uma breve
distinção entre os dois sentidos possíveis em que pode ser utilizada a
expressão de Administração Pública, por nos parecer pertinente.
A Administração
Púbica comporta então dois sentidos segundo os quais pode ser analisada: o
sentido orgânico ou subjetivo e o sentido material ou objetivo.
O sentido
subjetivo vai estar associado à organização administrativa, isto é, a um
conjunto vasto e complexo de organismos e entidades que existe para a
satisfação das necessidades coletivas. Diogo Freitas do Amaral propõe a
seguinte definição: “é o sistema de órgãos, serviços e agentes do Estado, bem
como das demais pessoas coletivas públicas e de algumas entidades privadas, que
asseguram em nome da coletividade a satisfação regular e contínua das
necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar.”
Tendo em conta
esta definição, podemos constatar, desde logo, que a Administração não se
limita ao Estado, englobando muitas outras entidades e organismos que
desenvolvem atividades administrativas, que não se confundem com este, como é o
caso dos municípios, das freguesias, das Universidades, dos institutos
públicos, das empresas públicas, das associações públicas e das pessoas
coletivas de utilidade pública, entre outros. Vai ser importante ter isto em
conta quando a análise incidir sobre as pessoas coletivas, no sentido em que,
tal como a Administração não se limita ao Estado, existirão outras
“administrações” ou outros tipo de Administração para além da estadual direta.
A título de exemplo, surge a administração indireta, que está associada a
pessoas coletivas com personalidade – institutos públicos, e sem personalidade
– associações.
Passando ao
sentido objetivo ou material, este prende-se com a atividade de administrar, ou
seja, implica a tomada de decisões e a realização de operações com vista à
satisfação regular de determinadas necessidades. Na ótica de Diogo Freitas do
Amaral é: “ a atividade típica dos serviços públicos e agentes administrativos
desenvolvida no interesse geral da coletividade, com vista à satisfação regular
e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar,
obtendo para o efeito os recursos mais adequados e utilizando as formas mais
convenientes”.
Feita a distinção
entre ambos os sentidos, importa agora enveredar pelo tema principal que se
prende com os elementos da organização administrativa que são basicamente dois,
na visão do já referido professor, Freitas do Amaral: pessoas coletivas e os
serviços públicos. Não refere, neste caso, os órgãos, considerados por alguns
autores um dos elementos integrantes dessa mesma organização, como é o caso de
João Caupers e de Vasco Pereira da Silva, que lhes atribuem um outro destaque.
No entanto, Diogo Freitas do Amaral acaba por fazer referência aos órgãos no
contexto das pessoas coletivas públicas.
Vamos focar-nos
agora nas pessoas coletivas públicas, importando, desde já, fazer uma distinção
entre pessoas coletivas públicas e privadas. São muitos os critérios propostos
pela doutrina quanto a esta distinção. Há inclusive autores, como Marques
Guedes e Sérvulo Correia que não consideram ser possível ou útil proceder à
distinção entre pessoas coletivas públicas e privadas, dada a dificuldade em
traçar uma linha que as separe. Esta ideia prende-se com o facto de as pessoas
coletivas públicas atuarem, por vezes, segundo o direito privado e algumas
instituições particulares de interesse público funcionarem por vezes nos termos
do direito público. E, portanto, pode afirmar-se que, de modo geral, quer as
pessoas coletivas públicas quer as pessoas coletivas privadas dispõem de
capacidade jurídica pública, bem como de capacidade jurídica privada.
Na opinião de
Freitas do Amaral, deve utilizar-se um critério misto que combine a iniciativa
da criação da pessoa coletiva, o fim prosseguido e a capacidade jurídica da
pessoa. Neste contexto, o autor apresenta as pessoas coletivas como: “ as
pessoas coletivas criadas por iniciativa pública para assegurar a prossecução
necessária de interesses púbicos, e por isso dotadas em nome próprio de poderes
e deveres públicos.”.
Portanto, as
pessoas coletivas públicas consistem em entidades criadas por iniciativa
pública, logo, surgem sempre de uma decisão pública, regida pelo direito
público, tomada pela coletividade nacional, ou por comunidades regionais ou
locais autónomas, ou proveniente de uma ou mais pessoas coletivas públicas já
existentes; não através de iniciativa privada. Há ainda a destacar que as
pessoas coletivas públicas são criadas com vista à prossecução de determinados
fins, que têm em vista a satisfação de interesses públicos. A prossecução do
interesse público não é algo que se pode excluir das atribuições das pessoas
coletivas públicas. No caso das pessoas coletivas privadas, como as
instituições particulares de interesse público, o mesmo não se verifica, pois
mesmo prosseguindo o interesse público, podem deixar de o fazer, ou quando o
fazem podem simultaneamente prosseguir interesses privados, algo que não pode
acontecer no caso das pessoas coletivas públicas. Estas acabam por assegurar a
prossecução dos interesses públicos uma vez que apenas existem com essa
finalidade.
Pode ainda
referir-se outro aspeto, o relativo à titularidade, sendo que as pessoas
coletivas públicas são titulares em nome próprio, de poderes e deveres
públicos. Já as pessoas coletivas privadas, como sociedades concessionárias,
podem exercer poderes públicos e até poderes de autoridade, mas exercem-nos
sempre em nome da Administração e nunca em nome próprio.
Feita a distinção,
coloca-se a questão de saber se estas pessoas coletivas privadas devem ser
incluídas na Administração Pública em sentido orgânico, ou não. Para responder
à questão, há que atentar nos factos. E estes dizem-nos que nas últimas décadas
tem sido frequente a criação, por parte de entes públicos, de pessoas coletivas
de direito privado destinadas à satisfação de necessidades coletivas. Deste
modo, dada a proliferação destas entidades, o seu processo de instituição, bem
como os interesses que prosseguem, torna-se implausível a sua exclusão do
conceito de Administração em sentido orgânico, uma vez que não faria sentido e
tornaria qualquer análise à organização administrativa bastante limitada por só
considerar dentro das pessoas coletivas, as pessoas coletivas públicas.
Quer João Caupers,
quer Freitas do Amaral partilham desta opinião, rematando este último com o
seguinte: “(…) a Administração tem de ser compreendida hoje como um conjunto
formado por dois setores, o setor público tradicional e o setor privado
administrativo ( que engloba associações, fundações e cooperativas públicas de
direito privado, bem como as empresas públicas).” Sendo então necessário não
encarar o número 4 do artigo 2.º do Código de Procedimento Administrativo como
taxativo.
Analisando o
referido artigo, especificamente o seu número 4, é possível identificar as
seguintes categorias de pessoas coletivas públicas: o Estado, os institutos
públicos, as empresas públicas, na modalidade de entidades públicas
empresariais, as associações públicas, as entidades administrativas
independentes, as autarquias locais e as Regiões Autónomas. Esta ordenação é
sugerida por Freitas do Amaral, obedecendo ao critério da maior dependência do
Estado para a menor dependência.
Estas categorias,
por sua vez, reconduzem-se a vários tipos de pessoas coletivas públicas,
havendo a considerar três tipos: Pessoas coletivas de tipo territorial, que
inclui o Estado, as Regiões Autónomas e as Autarquias Locais; de tipo
institucional, nomeadamente as várias espécies de institutos públicos –
institutos reguladores (Instituto de Seguros de Portugal); institutos fiscalizadores
(Autoridade de Segurança Alimentar e Económica); institutos de infraestruturas
(Instituto de Gestão Financeira); bem como as empresas públicas qualificadas
como entidades públicas empresariais e as entidades administrativas
independentes. Por último as pessoas coletivas de tipo associativo a que
correspondem as associações públicas.
Para finalizar
abordaremos o regime jurídico aplicável às pessoas coletivas públicas,
esclarecendo, desde já, que não é um regime uniforme e, portanto não nos
podemos cingir aos traços gerais que a lei fornece, sendo necessário estudar
concretamente a legislação aplicável para que seja possível identificar o
regime de uma certa pessoa coletiva pública.
Com base no
exposto por Freitas do Amaral indicaremos os aspetos comuns predominantes do
regime jurídico das referidas pessoas. Quanto à criação e extinção, é de
referir que a maioria destas pessoas coletivas são criadas por ato do poder
central, apesar de haver casos de criação por iniciativa pública local. Para
além disto, estas pessoas coletivas não se podem extinguir a si próprias, ao
contrário do que se verifica com as pessoas coletivas privadas. Também não
estão sujeitas a falência ou insolvência, podendo apenas ser extintas por
decisão pública.
Segundo ponto a
referir prende-se com a capacidade jurídica de direito privado e património
próprio, que diz respeito a todas estas entidades. O terceiro relaciona-se co a
capacidade de direito público, no âmbito dos poderes e deveres públicos, em
especial, os poderes de autoridade como por exemplo: poder tributário ou o
poder de expropriar.
Estas entidades
dispõem de autonomia administrativa e financeira, bem como usufruem de isenções
fiscais. Podem ser titulares de bens do domínio público para além dos bens de
domínio privado. Com a exclusão das entidades públicas empresariais, os
indivíduos das pessoas coletivas públicas estão submetidos a regimes laborais
publicísticos e não ao contrato individual de trabalho; e estão sujeitos a um
regime administrativo de responsabilidade civil.
A atuação destas
entidades está sujeita à tutela administrativa do Estado e as suas contas
sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas. Para finalizar este ponto, há
que referir ainda que as questões surgidas da atividade pública destas
entidades são da competência dos tribunais do contencioso administrativo e não
da competência dos tribunais judiciais.
Para concluir, é
importante reforçar a ideia de que apesar destes aspetos comuns, a verdade é
que o regime varia muitas vezes de entidade para entidade, conforme a respetiva
lei orgânica. Saliente-se também a importância da categoria das pessoas
coletivas públicas e da sua análise no âmbito do Direito Administrativo, dado
que em Portugal e, em geral, nos países da família romano-germânica, a
Administração Pública é frequentemente representada, nas suas relações com os
particulares por pessoas coletivas públicas.
Bibliografia:
AMARAL, Diogo
Freitas. – Curso de Direito
Administrativo. 4-ª Edição. Coimbra: Edições Almedina, 2015. pp 25-36; pp
613-652.
CAUPERS, João. – Introdução ao Direito Administrativo. 11.ª
Edição. Lisboa: Âncora Editora, 2013. pp 111-130.
Catarina Alexandra
Niza Madeira
Número: 28263
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