segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O sentido orgânico de Administração Pública e as pessoas coletivas públicas

Como o título sugere, pretendemos ao longo do texto abordar um dos elementos que fazem parte da organização administrativa: as pessoas coletivas, faltando os órgãos e os serviços públicos. Antes de nos centrarmos em específico nesse elemento e na sua caracterização, será útil relembrar que este é um tema ligado ao sentido orgânico da Administração Pública. É neste contexto que faremos uma breve distinção entre os dois sentidos possíveis em que pode ser utilizada a expressão de Administração Pública, por nos parecer pertinente.
A Administração Púbica comporta então dois sentidos segundo os quais pode ser analisada: o sentido orgânico ou subjetivo e o sentido material ou objetivo.
O sentido subjetivo vai estar associado à organização administrativa, isto é, a um conjunto vasto e complexo de organismos e entidades que existe para a satisfação das necessidades coletivas. Diogo Freitas do Amaral propõe a seguinte definição: “é o sistema de órgãos, serviços e agentes do Estado, bem como das demais pessoas coletivas públicas e de algumas entidades privadas, que asseguram em nome da coletividade a satisfação regular e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar.”
Tendo em conta esta definição, podemos constatar, desde logo, que a Administração não se limita ao Estado, englobando muitas outras entidades e organismos que desenvolvem atividades administrativas, que não se confundem com este, como é o caso dos municípios, das freguesias, das Universidades, dos institutos públicos, das empresas públicas, das associações públicas e das pessoas coletivas de utilidade pública, entre outros. Vai ser importante ter isto em conta quando a análise incidir sobre as pessoas coletivas, no sentido em que, tal como a Administração não se limita ao Estado, existirão outras “administrações” ou outros tipo de Administração para além da estadual direta. A título de exemplo, surge a administração indireta, que está associada a pessoas coletivas com personalidade – institutos públicos, e sem personalidade – associações.
Passando ao sentido objetivo ou material, este prende-se com a atividade de administrar, ou seja, implica a tomada de decisões e a realização de operações com vista à satisfação regular de determinadas necessidades. Na ótica de Diogo Freitas do Amaral é: “ a atividade típica dos serviços públicos e agentes administrativos desenvolvida no interesse geral da coletividade, com vista à satisfação regular e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar, obtendo para o efeito os recursos mais adequados e utilizando as formas mais convenientes”.
Feita a distinção entre ambos os sentidos, importa agora enveredar pelo tema principal que se prende com os elementos da organização administrativa que são basicamente dois, na visão do já referido professor, Freitas do Amaral: pessoas coletivas e os serviços públicos. Não refere, neste caso, os órgãos, considerados por alguns autores um dos elementos integrantes dessa mesma organização, como é o caso de João Caupers e de Vasco Pereira da Silva, que lhes atribuem um outro destaque. No entanto, Diogo Freitas do Amaral acaba por fazer referência aos órgãos no contexto das pessoas coletivas públicas.
Vamos focar-nos agora nas pessoas coletivas públicas, importando, desde já, fazer uma distinção entre pessoas coletivas públicas e privadas. São muitos os critérios propostos pela doutrina quanto a esta distinção. Há inclusive autores, como Marques Guedes e Sérvulo Correia que não consideram ser possível ou útil proceder à distinção entre pessoas coletivas públicas e privadas, dada a dificuldade em traçar uma linha que as separe. Esta ideia prende-se com o facto de as pessoas coletivas públicas atuarem, por vezes, segundo o direito privado e algumas instituições particulares de interesse público funcionarem por vezes nos termos do direito público. E, portanto, pode afirmar-se que, de modo geral, quer as pessoas coletivas públicas quer as pessoas coletivas privadas dispõem de capacidade jurídica pública, bem como de capacidade jurídica privada.
Na opinião de Freitas do Amaral, deve utilizar-se um critério misto que combine a iniciativa da criação da pessoa coletiva, o fim prosseguido e a capacidade jurídica da pessoa. Neste contexto, o autor apresenta as pessoas coletivas como: “ as pessoas coletivas criadas por iniciativa pública para assegurar a prossecução necessária de interesses púbicos, e por isso dotadas em nome próprio de poderes e deveres públicos.”.
Portanto, as pessoas coletivas públicas consistem em entidades criadas por iniciativa pública, logo, surgem sempre de uma decisão pública, regida pelo direito público, tomada pela coletividade nacional, ou por comunidades regionais ou locais autónomas, ou proveniente de uma ou mais pessoas coletivas públicas já existentes; não através de iniciativa privada. Há ainda a destacar que as pessoas coletivas públicas são criadas com vista à prossecução de determinados fins, que têm em vista a satisfação de interesses públicos. A prossecução do interesse público não é algo que se pode excluir das atribuições das pessoas coletivas públicas. No caso das pessoas coletivas privadas, como as instituições particulares de interesse público, o mesmo não se verifica, pois mesmo prosseguindo o interesse público, podem deixar de o fazer, ou quando o fazem podem simultaneamente prosseguir interesses privados, algo que não pode acontecer no caso das pessoas coletivas públicas. Estas acabam por assegurar a prossecução dos interesses públicos uma vez que apenas existem com essa finalidade.
Pode ainda referir-se outro aspeto, o relativo à titularidade, sendo que as pessoas coletivas públicas são titulares em nome próprio, de poderes e deveres públicos. Já as pessoas coletivas privadas, como sociedades concessionárias, podem exercer poderes públicos e até poderes de autoridade, mas exercem-nos sempre em nome da Administração e nunca em nome próprio.
Feita a distinção, coloca-se a questão de saber se estas pessoas coletivas privadas devem ser incluídas na Administração Pública em sentido orgânico, ou não. Para responder à questão, há que atentar nos factos. E estes dizem-nos que nas últimas décadas tem sido frequente a criação, por parte de entes públicos, de pessoas coletivas de direito privado destinadas à satisfação de necessidades coletivas. Deste modo, dada a proliferação destas entidades, o seu processo de instituição, bem como os interesses que prosseguem, torna-se implausível a sua exclusão do conceito de Administração em sentido orgânico, uma vez que não faria sentido e tornaria qualquer análise à organização administrativa bastante limitada por só considerar dentro das pessoas coletivas, as pessoas coletivas públicas.
Quer João Caupers, quer Freitas do Amaral partilham desta opinião, rematando este último com o seguinte: “(…) a Administração tem de ser compreendida hoje como um conjunto formado por dois setores, o setor público tradicional e o setor privado administrativo ( que engloba associações, fundações e cooperativas públicas de direito privado, bem como as empresas públicas).” Sendo então necessário não encarar o número 4 do artigo 2.º do Código de Procedimento Administrativo como taxativo.
Analisando o referido artigo, especificamente o seu número 4, é possível identificar as seguintes categorias de pessoas coletivas públicas: o Estado, os institutos públicos, as empresas públicas, na modalidade de entidades públicas empresariais, as associações públicas, as entidades administrativas independentes, as autarquias locais e as Regiões Autónomas. Esta ordenação é sugerida por Freitas do Amaral, obedecendo ao critério da maior dependência do Estado para a menor dependência.
Estas categorias, por sua vez, reconduzem-se a vários tipos de pessoas coletivas públicas, havendo a considerar três tipos: Pessoas coletivas de tipo territorial, que inclui o Estado, as Regiões Autónomas e as Autarquias Locais; de tipo institucional, nomeadamente as várias espécies de institutos públicos – institutos reguladores (Instituto de Seguros de Portugal); institutos fiscalizadores (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica); institutos de infraestruturas (Instituto de Gestão Financeira); bem como as empresas públicas qualificadas como entidades públicas empresariais e as entidades administrativas independentes. Por último as pessoas coletivas de tipo associativo a que correspondem as associações públicas.
Para finalizar abordaremos o regime jurídico aplicável às pessoas coletivas públicas, esclarecendo, desde já, que não é um regime uniforme e, portanto não nos podemos cingir aos traços gerais que a lei fornece, sendo necessário estudar concretamente a legislação aplicável para que seja possível identificar o regime de uma certa pessoa coletiva pública.
Com base no exposto por Freitas do Amaral indicaremos os aspetos comuns predominantes do regime jurídico das referidas pessoas. Quanto à criação e extinção, é de referir que a maioria destas pessoas coletivas são criadas por ato do poder central, apesar de haver casos de criação por iniciativa pública local. Para além disto, estas pessoas coletivas não se podem extinguir a si próprias, ao contrário do que se verifica com as pessoas coletivas privadas. Também não estão sujeitas a falência ou insolvência, podendo apenas ser extintas por decisão pública.
Segundo ponto a referir prende-se com a capacidade jurídica de direito privado e património próprio, que diz respeito a todas estas entidades. O terceiro relaciona-se co a capacidade de direito público, no âmbito dos poderes e deveres públicos, em especial, os poderes de autoridade como por exemplo: poder tributário ou o poder de expropriar.
Estas entidades dispõem de autonomia administrativa e financeira, bem como usufruem de isenções fiscais. Podem ser titulares de bens do domínio público para além dos bens de domínio privado. Com a exclusão das entidades públicas empresariais, os indivíduos das pessoas coletivas públicas estão submetidos a regimes laborais publicísticos e não ao contrato individual de trabalho; e estão sujeitos a um regime administrativo de responsabilidade civil.
A atuação destas entidades está sujeita à tutela administrativa do Estado e as suas contas sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas. Para finalizar este ponto, há que referir ainda que as questões surgidas da atividade pública destas entidades são da competência dos tribunais do contencioso administrativo e não da competência dos tribunais judiciais.
Para concluir, é importante reforçar a ideia de que apesar destes aspetos comuns, a verdade é que o regime varia muitas vezes de entidade para entidade, conforme a respetiva lei orgânica. Saliente-se também a importância da categoria das pessoas coletivas públicas e da sua análise no âmbito do Direito Administrativo, dado que em Portugal e, em geral, nos países da família romano-germânica, a Administração Pública é frequentemente representada, nas suas relações com os particulares por pessoas coletivas públicas.






Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas. – Curso de Direito Administrativo. 4-ª Edição. Coimbra: Edições Almedina, 2015. pp 25-36; pp 613-652.
CAUPERS, João. – Introdução ao Direito Administrativo. 11.ª Edição. Lisboa: Âncora Editora, 2013. pp 111-130.



Catarina Alexandra Niza Madeira

Número: 28263

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