segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Princípio da Legalidade

Princípio da legalidade

Na época moderna, marcada pelo Estado de Direito, verificamos uma submissão da Administração ao direito. Esta relação, para o Professor João Caupers, abarca dois sentidos: um primeiro, em que não poderíamos chamar Estado de Direito sem estar presente a ideia de direito e, um segundo, em que o Estado, mesmo sendo o maior gerador de direito continua vinculado a respeitá-lo. É desta submissão que se concretiza o princípio da legalidade, objeto desta exposição.

O princípio da legalidade democrática surge na sequência da Revolução Francesa e da difusão dos seus ideias pelo mundo, nomeadamente, o princípio da separação de poderes e o princípio de lei como vontade popular. A legalidade democrática manifesta-se como uma reação ao Estado Liberal que se caracterizava pela inconsistência em matéria de leis pois o monarca tinha o poder de afastar as leis aprovadas nas assembleias, ou seja, leis representativas da vontade popular.
Este é um dos princípios primordiais do Direito Administrativo e é também um dos princípios mais importantes nos países democráticos. Em Portugal está expresso na Constituição da República Portuguesa (CRP), nos artigos 2.º e 266.º e, ainda, no Código de Procedimento Administrativo (CPA), no artigo 3.º.

Concretamente, este é o princípio segundo o qual “os órgãos e os agentes da Administração Pública somente podem agir com fundamento na lei e dentro dos limites por ela estabelecidos”[1].

Podemos destacar duas funções a este princípio. Por um lado, uma função que assegura a supremacia do poder legislativo sobre o poder administrativo, destacando aqui as duas aceções do princípio da legalidade: positiva e negativa. A aceção positiva releva a necessidade de fundamento legal ou precedência da lei. A aceção negativa é aquela segundo a qual os órgãos e agentes administrativos não podem praticar atos que contrariem a lei. Por outro lado, destaca-se uma função que visa garantir os direitos e interesses dos particulares, daí a administração pública ser controlada pelos tribunais administrativos.

Com o princípio da legalidade verifica-se uma subordinação jurídica que não só vincula os órgãos e agentes da administração como também os particulares.

O Professor Marcelo Rebelo de Sousa apresenta duas dimensões desta subordinação jurídica, sendo elas: o impedimento da administração que contrarie o direito vigente – preferência da lei e a imposição de a atuação administrativa ter um fundamento jurídico, mesmo que não seja contrária à lei. A esta norma é reservada as atuações administrativas possíveis – reserva da lei. Por sua vez, o professor distingue a reserva da lei especificando-a de duas maneiras: por um lado, “exprime a necessária anterioridade do fundamento jurídico-normativo da atuação administrativa – precedência da lei”[2] e, por outro, “exprime a necessidade de o fundamento jurídico-normativo possuir um certo grau de pormenorização que permita antecipar a atuação administrativa – reserva da densificação normativa”[3].

Quanto à preferência da lei o Professor Marcelo Rebelo de Sousa atribui um sentido proibitivo pois esta proíbe as atuações que sejam contrárias à lei e em caso de conflito entre atos administrativo e lei, esta prevalece. No entanto, o professor faz aqui uma ressalva ao afirmar que será mais correto dizer “bloco de legalidade”[4] visto que a lei perdeu a centralidade que outrora detinha deixando de ser a única fonte de direito, tal como consta no artigo 3º do CPA: “à lei e ao direito”. O Professor destaca como fontes a Constituição e o CPA, mas também o Direito Internacional, o Direito Comunitário, as Leis Ordinárias, entre outras. O Professor João Caupers destaca ainda os princípios gerais.

Esta ideia de “bloco de legalidade” desperta alguns problemas como, por exemplo, o conflito de normas dentro do “bloco de legalidade”. Para a resolução deste problema não basta atendermos à hierarquia das normas pois também dependerá do caso concreto. Relativamente aos atos administrativos que contrarie o “bloco de legalidade”, estes são ilegais.

No que respeita à reserva da lei já referi que significa que os atos administrativos têm de estar fundamentados no “bloco de legalidade”, têm de ter por base um fundamento democrático, ou seja, têm de garantir a sujeição da função administrativa à vontade popular e, ainda, um fundamento garantístico, isto é, têm de certificar a previsibilidade das atuações dos poderes públicos.

Falta, ainda, explicar a distinção feita pelo Professor à reserva da lei, isto é: à precedência da lei e à reserva da densificação normativa.

Quanto à primeira (precedência da lei), é importante destacar a tese da precedência total da lei. Esta é uma tese que encontra muitos seguidores em Portugal, entre eles: Diogo Freitas do Amaral, Jorge Miranda, José Gomes Canotilho, Blanco Morais, Maria Lúcia Cabral, entre outros. A defesa de uma precedência total da lei é feita no sentido de uma “Precedência de uma norma democrático-representativamente legitimada e suficientemente densificada”[5], ou seja, segundo esta tese “nenhum ato da administração, em qualquer esfera da sua atividade, poderia deixar de se fundamentar na lei”[6].

Relativamente à segunda (reserva da densificação normativa), já referi que está relacionado com o grau de pormenorização da norma, isto é, requer que haja uma consistência normativa porque se não se verificar essa consistência pode, no limite, permitir à administração atuar sem restrições. O grau de consistência exigido pode variar consoante seja uma norma que trate de direitos, garantias e liberdades ou uma norma que trate de administração neutra. Caso não se verifique a consistência necessária a norma passa a ser inconstitucional por violar o princípio da reserva da lei.

Por fim, é necessário ainda referir as exceções ao princípio da legalidade, sendo estas: os atos políticos, a discricionariedade e o estado de necessidade. Na visão do Professor Marcelo Rebelo de Sousa nem os atos políticos, nem a discricionariedade fazem parte das exceções ao princípio em questão pois o Professor entende que os atos políticos não são abrangidos pela atividade administrativa e a discricionariedade representa uma modalidade do princípio e não uma exceção ao mesmo. Quanto ao estado de necessidade, este refere-se à circunstância excecional que modifica um comportamento tornando-o lícito sendo este, em princípio, ilícito. O professor Diogo Freitas do Amaral discorda destas exceções. Tanto o Professor João Caupers como o Professor Marcelo Rebelo de Sousa concordam com a visão do estado de necessidade como exceção ao princípio da legalidade.



Bibliografia:
  1. AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo, Volume I. 4º ed. Edições Almedina, S.A, 2015.
  2. SOUSA, Marcelo Rebelo de.; MATOS, André Salgado de. Direito Administrativo Geral, Tomo I, Introdução e Princípios Fundamentais. 3º ed. Dom Quixote, 2008.
  3. CAUPERS, João. Introdução ao Direito Administrativo. 10º ed. Âncora Editora, 2009.



Rute Fernandes Delgado, Nº 28068
2º ano, subturma 14


[1] CAUPERS, João. Introdução ao Direito Administrativo. 10º ed. Âncora Editora, 2009. P. 44.
[2] SOUSA, Marcelo Rebelo de.; MATOS, André Salgado de. Direito Administrativo Geral, Tomo I, Introdução e Princípios Fundamentais. 3º ed. Dom Quixote, 2008. P. 153.
[3] SOUSA, Marcelo Rebelo de.; MATOS, André Salgado de. Direito Administrativo Geral, Tomo I, Introdução e Princípios Fundamentais. 3º ed. Dom Quixote, 2008. P. 153.
[4] SOUSA, Marcelo Rebelo de.; MATOS, André Salgado de. Direito Administrativo Geral, Tomo I, Introdução e Princípios Fundamentais. 3º ed. Dom Quixote, 2008. P. 157.
[5] SOUSA, Marcelo Rebelo de.; MATOS, André Salgado de. Direito Administrativo Geral, Tomo I, Introdução e Princípios Fundamentais. 3º ed. Dom Quixote, 2008. P. 167.
[6] SOUSA, Marcelo Rebelo de.; MATOS, André Salgado de. Direito Administrativo Geral, Tomo I, Introdução e Princípios Fundamentais. 3º ed. Dom Quixote, 2008. P. 157.

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