É
de conhecimento geral que todo e cada ramo jurídico tem como um dos pilares os
princípios jurídicos que regem toda, ou em grande parte, a sua atuação no
sistema que está inserido. E como não poderia deixar de ser, também o Direito
Administrativo e, no seu íntimo, a Atividade Administrativa, é encabeçada por
princípios basilares.
Importa
dizer que não vou fazer uma enumeração exaustiva desses mesmos princípios,
serei então muito sucinta focando-me mais em princípios que servem de “limites
imanentes da margem de livre decisão”(1), concentrando-me unicamente em 3 dos
vários existentes, que eu julgo serem de suma importância para a compreensão da
atuação da administração pública: princípio da prossecução do interesse público,
princípio da proporcionalidade e princípio da imparcialidade
Breve referência ao
conceito de Discricionariedade ou Livre Margem de Decisão.
O
professor Doutor João Caupers, assim como o professor Doutor Marcelo Rebelo de
Sousa e o professor André Salgado de Matos, dá uma noção simples e entendível
de discricionariedade, dizendo então que este remete muito rapidamente para um
sentido de “liberdade de escolha”, onde na prática administrativa adotava o
sentido de “liberdade de tomar uma decisão quando a lei permitiria que se
tivesse feito”(2). Quanto a esta definição parece não haver dúvidas do seu sentido
mais literal, o problema que se coloca de facto é o que significa esta
liberdade de atuação. O Professor Marcelo Rebelo de Sousa e professor André
Salgado de Matos afirmam fielmente que a liberdade de atuação não se prende com
a “ natureza política dessa atuação”, tendo em conta que a função administrativa
é função secundária do Estado, envolvendo então escolhas de segundo nível, a
par que aquela que competem à função política ocupam uma primeira posição
mediante posição primária da função politica. A conclusão a que se chega é que,
segundo o professor Marcelo Rebelo de Sousa e o professor André Salgado de
Matos, a livre decisão, muitas vezes designada de autonomia pública, de que
goza a atividade administrativa, não se confunde com a autonomia privada. Isto
acontece por um simples motivo, enquanto a autonomia privada move-se num “plano
de liberdade” em que todos os efeitos podem ser produzidos com a condicionante
de não serem normativamente proibidos, a “ autonomia pública” move-se num plano
em que os efeitos por ela produzidos só podem ser aqueles que estipulados pela
lei, isto é, regem-se de acordo com o chamado princípio de legalidade.
Por
seu turno, ainda a respeito da “decisão discricionária”, o professor João
Caupers, afirma outro elemento essencial para além da simples escolha, indica
então uma “escolha parametrizada”(3), ou seja, uma decisão demarcada por limites.
Com isto, a discricionariedade tem pois de assentar numa racionalidade própria,
tendo em conta que os próprios órgãos da Administração Pública tem instrução
para prosseguir os interesses públicos especificamente e para isso são-lhes
conferidos, pela lei, determinados poderes e, em contrapartida, são obrigados a
respeitar certos princípios. O limite principal seria então as vinculações, que
se dividem em dois tipos: por um lado temos as vinculações absolutas (a que o
professor Marcelo Rebelo de Sousa e o professor André Salgado de Matos denominam
de vinculações legais) que, ”estabelecem de forma positiva, direta ou indiretamente,
por regras jurídicas em sentido estrito que, uma vez contrariadas, invalidam a
decisão”(4); por outro lado, temos as vinculações ditas tendenciais (por sua vez,
o professor Marcelo Rebelo de Sousa e o professor André Salgado de Matos chamam
de limites imanentes da margem de livre decisão), que “decorrem, de forma
negativa, de normas constitucionais que estabelecem princípios condutores da atividade
administrativa, condicionando toda e qualquer decisão administrativa que
comporte uma qualquer margem de liberdade"(5). Estes últimos encontram consagrados
nos artigos 266º/1 e 2 da CRP e nos artigos 4º- 6º/A, 9º e 11º da CPA.
Como
conclusão dessa parte sobre a decisão discricionária, e sendo muito sucinta,
importa ainda dizer que de acordo com os ensinamentos do professor Marcelo
Rebelo de Sousa e do professor André Salgado de Matos, existem duas formas de
margem de livre decisão: a dita discricionariedade e margem livre de apreciação.
A primeira forma consiste, portanto, numa liberdade conferida pela própria lei
à administração e de acordo com essa mesma liberdade o ente administrativo escolhe
consoante as várias alternativas propostas admissíveis. A margem de livre
apreciação consiste, por sua vez numa atribuição, pela lei, de uma liberdade “
na apreciação de situações de facto que dizem respeito aos pressupostos das
suas decisões e não, expressamente, como sucede na discricionariedade, de uma
liberdade de escolha entre as várias alternativas de atuação juridicamente admissíveis”. (6)
a)
Os princípios da atividade administrativa
como “limites imanentes da margem de livre decisão”
O
princípio da prossecução do interesse público
Num
primeiro aproximar à definição deste principio, é preciso ter-se presente que o
direito Administrativo e, no seu intimo, a própria administração pública só se
compreende “com recurso à ideia de interesse público”. Pergunta-se então o que
será o interesse público. Segundo o professor Marcelo Rebelo de Sousa e o professor
André Salgado de Matos, o interesse público “ é o norte da administração
pública”, e citando o professor Diogo Freitas do Amaral “ quando se falar em
administração pública tem-se presente todo o conjunto de necessidades coletivas,
cuja satisfação é assumida como tarefa fundamental da coletividade… assim, onde
quer que exista e se manifeste com intensidade suficiente uma necessidade coletiva,
aí surgirá um serviço publico destinado a satisfazê-la, em nome e no interesse
da coletividade”(7) Assim, toda a necessita coletiva que se manifeste de forma
intensiva a fim de que seja necessário a satisfação de necessidade, está
abrangida na esfera da administração pública e essas mesma necessidades são
sintetizadas pelo professor Freitas do Amaral como sendo as três espécies, a
segurança, a cultura e bem-estar, coincidindo então com o fins do Estado
consagrados nos artigos 2º e 9º da CRP.
Por
seu turno, o professor João Caupers afirma que a "prossecução do interesse
público não pode, obviamente, ser determinado e assegurado de forma arbitrária pela
administração pública, postulando então que esta deve ser respeitada” (8), na
medida do possível” os direitos e os interesses dos particulares de acordo com
o artigo 266º/ 1 da CRP e artigo 4º da CPA. O professor Marcelo Rebelo de Sousa
e o professor André Salgado de Matos falam aqui de uma individualização por
parte dos artigos citados, num sentido de limitar e impedir a atuação da administração
pública, levando então a que toda a atividade administrativa esteja vinculada a
prosseguir o interesse público de acordo com o estipulado pela Constituição e
pela própria lei.
É
importante também a afirmar a dupla faceta do princípio da prossecução do
interesse público: por um lado, advém desse princípio que a administração só
pode prosseguir interesse público, em contrapartida está então proibida de
prosseguir interesse privado; por outro lado, a administração só pode
prosseguir os interesses expressamente estipulados pela lei, onde se conjuga
aqui o princípio da prossecução do interesse público e o princípio da
legalidade.
Ainda
sobre o princípio da prossecução do interesse público importa deixar três notas
que acho ter determinada relevância:
1) A violação deste princípio
basilar “ por virtude da prossecução de um interesse público que compete a
outro órgão” leva a um vício de incompetência;
2)
A
expressão “ interesse público” tem um elevado grau de indeterminação, o que
leva a que a própria administração goze de uma ampla “margem de livre decisão
quanto ao modus faciendi da sua
prossecução
3)
Contudo, essa ampla margem de decisão não
significa, de modo algum, que a administração pública não tenha de prosseguir o
dever da boa administração, isto é, prosseguir esses interesses públicos da
melhor maneira possível (artigo 80º/ c da CRP e artigo 10º da CPA). Mas por
outro prisma, a violação deste dever não pode ser julgado por tribunais
estando, portanto, condicionado à “ esfera do mérito da atuação administrativa".
O
princípio da proporcionalidade
O
termo proporcionalidade, no seu sentido jurídico-administrativo, é conceituado
pelo professor João Caupers como “ tendo grandezas conexionadas, sendo estas benefícios
decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo
órgão decisor e os respetivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de
interesses dos particulares”.(9) De forma unanime, parece-me, a doutrina desdobra
este conceito (de proporcionalidade) em três níveis ou dimensões. Seguindo
então a lógica do professor Marcelo Rebelo de Sousa e do professor André
Salgado de Matos, temos a dimensão da adequação, da necessidade, a que o
professor João Caupers chama de exigibilidade, e a razoabilidade ou
proporcionalidade em sentido estrito.
No
que toca à adequação, de forma muito simples, esta proíbe a adoção de qualquer
conduta administrativa “inapta para a prossecução do fim que concretamente
visam atingir”. A necessidade, ou exigibilidade, proíbe, por sua vez, a adoção
de condutas administrativas que não seja indispensáveis para a prossecução do
fim que a administração visa atingir. Finalmente, a razoabilidade ou proporcionalidade
em sentido estrito visa um equilíbrio entre as vantagens decorrentes da prossecução
do fim (interesse publico) e os sacrifícios associados aos interesses privados.
O princípio
da proporcionalidade está consagrado no artigo 266º/2 da CRP e artigo 5º/2 da
CPA.
A título
de conclusão deste princípio importa afirmar que estas dimensões são de
natureza relacional, a luz do pensamento do professor Marcelo Rebelo de Sousa e
do professor André Salgado de Matos, o qual afirma que para a atuação
administração não ser desproporcional há que se ter em conta a globalidade da
proporcionalidade, sendo que uma atuação inadequada não pode ser desnecessária
nem desrazoável, afirmando até que uma atuação inadequada nunca pode ser
logicamente necessária.
O
princípio da imparcialidade
O
sentido do princípio da imparcialidade tem duas compreensões: uma mais antiga,
que foi a que vigorou durante muito tempo, que entendi este princípio como
apena uma imposição que impedia a administração de favorecer ou desfavorecer os
particulares por razões ligadas aos titulares dos agentes administrativos;
atualmente, esta é vista como um comando em que a administração deve considerar
e ponderar, os interesses públicos e privados relevantes para a sua atuação. Isto,
na prática, quer dizer que a administração não deve e não pode, à luz deste princípio,
tratar de forma privilegiada, sendo que a fim de reduzir esses riscos “impõe o
afastamento dos titulares dos órgãos e agentes da Administração Pública da
resolução de assuntos suscetíveis de afetarem os seus interesses privados
enquanto cidadãos”. (10)
A aplicação
prática deste princípio é regulada pelas normas dos artigos 44º a 51º do CPA, e
do artigo 4º da Lei n.º 29/87 de 30 Junho.
O
professor Marcelo Rebelo de Sousa e o professor André Salgado de Matos, no seu
manual, referem duas dimensões do princípio da imparcialidade: uma negativa,
que proíbe a administração de num caso concreto tomar em consideração
interesses irrelevantes para o fim que pretende atingir; e uma dimensão positiva,
que impõe que tenha em consideração, à luz do caso concreto, interesses,
públicos e privados, que sejam relevantes para o fim que pretende atingir.
A
projeção prática deste princípio pauta-se nas chamadas garantias preventivas de
imparcialidade. Tendo em conta a dificuldade de prova a que leva a violação
deste princípio, a própria ordem jurídica criou mecanismos que asseguram que os
órgãos e agentes administrativos não influenciarão de maneira alguma as
decisões tomadas em procedimento. Esses mecanismos são de dois tipos: o impedimento
e as escusas e suspeições, de acordo o ensinamento do professor João Caupers. O
impedimento diz respeito a situações em que há uma proibição absoluta de
intervenção no procedimento, consagrado nos artigos 44º a 48º do CPA, em que o
carácter absoluto do impedimento dá lugar a três entendimentos:
1) O impedimento não necessita
de nenhuma declaração constitutiva na medida em que funciona automaticamente,
desde do momento em que se tem conhecimento dos factos determinantes;
2) Em consequência do impedimento,
o órgão ou titular fica impedimento de realiza todo e qualquer ato que tenha
que ver com o procedimento do qual foi impedido
3) Em resultado dos dois
pontos referidos supra, os atos ou contratos em que tenham intervindo titulares
de órgãos ou agentes que foram impedidos, são ilegais e anuláveis, de acordo
com o artigo 51º/1 da CPA.
no
que toca às escusas e suspeições, estas dizem respeitos a situações em que , a
contrário do impedimento , não há proibição absoluta da intervenção do órgão ou
agente, mas há proibição relativa de intervenção desse mesmo órgão ou titular
no procedimento em questão. Tal como o impedimento, estas traduzem-se em corolários:
1) Aqui não existem uma
remuneração taxativa das situações que originaram o impedimento;
2) A simples verificação de um pressuposto
previsto no artigo 48º/2 do CPA não leva necessariamente a uma decisão no
sentido de proibição relativa, estando essa decisão dependente da existência da
concretização da cláusula geral do 48º/1;
3) Até que se forme uma
decisão em sentido de proibição relativa de intervenção, o órgão ou agente deve
continuar a intervir no procedimento “ como se nada se passasse”;
4) A declaração da proibição
de intervenção tem carácter constitutivo, ao contrário do impedimento
Em
ato de conclusão, a vantagem dessa prática das garantias preventivas de
imparcialidade é a de que dispensa da árdua tarefa de prova da verificação da
concreta parcialmente de um ato ou conduta administrativa, no entanto isto
contém um “porém”, no caso de escusa e suspeição, onde não existem proibição
absoluta, isto é, impedimento absoluto, os lesados por essa conduta que se
considera parcial terão que o demonstrar em caso concreto.
Ineida Furtado, aluna nº 28175
Ineida Furtado, aluna nº 28175
Bibliografia
- AMARAL, Diogo Freitas do. “Curso de Direito Administrativo”, Volume I (4ª edição).
Almedina, 2015.
- SOUSA, Marcelo Rebelo e MATOS, André Salgado. “Direito Administrativo Geral - Introdução e Princípios Fundamentais”, Tomo I (3ª edição). Dom Quixote, 2008.
- CAUPERS, João. “Introdução ao Direito Administrativo” (10ª edição). Âncora editora, 2009.
Citações
1) citação retirada de : SOUSA, Marcelo Rebelo e MATOS, André Salgado. “Direito Administrativo Geral - Introdução e Princípios Fundamentais”, Tomo I (3ª edição). Dom Quixote, 2008.,
(2)citação retirada de : SOUSA, Marcelo Rebelo e MATOS, André Salgado. “Direito Administrativo Geral - Introdução e Princípios Fundamentais”, Tomo I (3ª edição). Dom Quixote, 2008.,
(3) citação retirada de: CAUPERS, João. “Introdução ao Direito Administrativo” (10ª edição). Âncora editora, 2009.,
(4) citação retirada de : SOUSA, Marcelo Rebelo e MATOS, André Salgado. “Direito Administrativo Geral - Introdução e Princípios Fundamentais”, Tomo I (3ª edição). Dom Quixote, 2008.,
(5) citação retirada de : SOUSA, Marcelo Rebelo e MATOS, André Salgado. “Direito Administrativo Geral - Introdução e Princípios Fundamentais”, Tomo I (3ª edição). Dom Quixote, 2008.,
(6) citação retirada de : SOUSA, Marcelo Rebelo e MATOS, André Salgado. “Direito Administrativo Geral - Introdução e Princípios Fundamentais”, Tomo I (3ª edição). Dom Quixote, 2008.,
(7) citação retirada de : AMARAL, Diogo Freitas do. “Curso de Direito Administrativo”, Volume I (4ª edição). Almedina, 2015.,
(8) citação retirada de: CAUPERS, João. “Introdução ao Direito Administrativo” (10ª edição). Âncora editora, 2009.,
(9) citação retirada de : CAUPERS, João. “Introdução ao Direito Administrativo” (10ª edição). Âncora editora, 2009.,
(10) citação retirada de : SOUSA, Marcelo Rebelo e MATOS, André Salgado. “Direito Administrativo Geral - Introdução e Princípios Fundamentais”, Tomo I (3ª edição). Dom Quixote, 2008.,
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