segunda-feira, 5 de dezembro de 2016


Institutos Públicos

Administração Indirecta do Estado



Tendo como fim a prossecução do interesse público e, sendo este por si, uma tarefa exigente, a Administração Pública viu-se na necessidade de recorrer à descentralização institucional, de forma a servir o seu objectivo com proximidade e, consequente, eficiência.

Nas palavras de Diogo Freitas do Amaral, a Administração Estadual Indirecta existe em resultado do constante alargamento e da crescente complexificação das funções do Estado e da vida administrativa.

A Descentralização Indirecta do Estado, aqui em causa, é o reflexo dessa mesma prossecução estadual que sendo, desta forma, realizada através da devolução de poder, autonomia administrativa e financeira a entidades (personalizadas e tecnicamente especializadas) que não o Estado, garante a exequibilidade do sistema. No entanto, a par e passo destas, o Estado continua a ter sobre as anteriores poder de intervenção, uma vez que as financia, direcciona, nomeia, demite, fiscaliza e responsabiliza.

Ressalvemos, desde já,  a razão de ser da utilização do conceito entidade e não entidade pública, dado que o Professor Regente Vasco Pereira da Silva alerta para a necessidade actual de corrigir um antigo erro: “(...) esta definição de Administração Indirecta que se encontra nos manuais de Direito Administrativo tem que ser corrigida, porque podem ser, também, entidades privadas, pessoas colectivas privadas.”.

Os Institutos Públicos, que aqui nos propomos a tratar em exclusivo, consubstanciam, bem como as empresas públicas, uma forma da supramencionada descentralização.

Ora vejamos:

Segundo o Professor Diogo Freitas do Amaral, o instituto público é uma pessoa colectiva pública, de tipo institucional, criada para assegurar o desempenho de determinadas funções administrativas de carácter não empresarial, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa colectiva pública.

O instituto público é uma pessoa colectiva pública (art.º 3.º/4 e art.º 4.º/1 da Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro - Lei Quadro dos Institutos Públicos), dotada de personalidade jurídica (art.º 3.º/1 do mesmo diploma), que assenta sobre uma organização de carácter material (substracto institucional).

Esta entidade encontra-se na incumbência de assegurar o desempenho de uma actividade pública de carácter administrativo (art.º 8.º da LQIP). Não havendo, desta forma, institutos públicos que operem funções públicas não administrativas - das quais a legislativa ou jurisdicional - e, muito menos, funções privadas. A definição aponta, ainda,  a obrigatoriedade de serem determinadas, não podendo acolher uma multiplicidade genérica e, ainda, descricionária de fins. Ao contrário do Estado, autarquias e regiões autónomas (de vocação geral), cujos fins são aqueles que satisfaçam os respectivos interesses, os institutos públicos (de vocação especial) têm fins singulares respeitantes a matéria especificamente atribuida por lei (art.º 8.º/3 da LQIP).

As funções desempenhadas são indirectas (art.º 2.º/1 da LQIP) – não são propriamente suas, pertencem antes a outra entidade - de carácter não empresarial (art.º 3.º/3 da LQIP). Note-se a particularidade dos subinstitutos públicos que permite a possibilidade das funções atribuídas aos institutos públicos se desdobrarem e transferirem, em parte, para outro instituto público menor. Exemplo ilustrativo típico deste último caso são os serviços sociais universitários.

Os institutos públicos não podem, de forma alguma, ser confundidos com fundos e serviços autónomos que não têm personalidade jurídica, pois integram-se no Estado, prefazendo a administração estadual directa central e local, ou institutos de utilidade pública que são pessoas colectivas privadas. Ainda se distinguem das associações públicas, uma vez que , estas últimas, têm carácter associativo. E das empresas públicas, cuja actividade é empresarial.

Saliente-se, agora, a querela doutrinária em matéria de natureza da entidade a tratar, onde predominam duas concepções:

1ª Institutos públicos como substrato institucional autónomo.

Reconhecidamente mais disseminada, pois foi preconizada por Marcello Caetano e Diogo Freitas do Amaral, guarda nos institutos públicos um substrato institucional autónomo, diverso do Estado e, assim, dirigido por órgãos próprios, ao qual a lei confere personalidade jurídica – a lei cria um sujeito de direito, com base numa instituição, podendo ser um serviço, um património ou um estabelecimento. Como manifesto da sua autonomia “decisória, patrimonial e financeira” (Vasco Pereira da Silva), além de ter a seu cargo, estatutariamente, a prossecução de interesses públicos estaduais (administração estadual indirecta), podem ter, com limites, interesses públicos próprios e, mesmo, contrários aos do Estado, podendo, consequentemente, impugnar actos de órgãos do Estado ou interpor ações contra este último.

2ª Institutos públicos como órgãos com personalidade jurídica.

Sob influencia do direito canónico e do direito público britânico, existe um primeiro sector doutrinário, ao qual pertence relevantemente Afonso Queiró, tendente a assumir que os institutos públicos não são entidades jurídicas distintas do Estado, com um substracto institucional autónomo e interesses públicos próprios, mas tão-só e apenas simples órgãos do Estado, com personalidade jurídica para efeitos (principalmente patrimoniais) de direito privado. Nesta linha de pensamento, é afirmado que a maioria dos institutos públicos tem como denominação oficial uma designação mais própria de um órgão do que de uma pessoa ou entidade. Desta forma, estes cingem-se aos interesses públicos do Estado, não sendo possível a impugnação de actos do Estado ou a interposição de acções contra o último.

Diogo Freitas do Amaral, como anteriormente indicado, perfilha a primeira, sob os seguintes argumentos:

A técnica da personificação de órgãos não é anormal, mesmo que, na maioria dos casos, a lei portuguesa não personifique órgãos, mas substractos autónomos (do tipo serviço, fundação ou estabelecimento), reconhecendo-lhes limitadamente a titularidade de interesses públicos próprios oponíveis ao Estado;

A denominação dos institutos públicos tem razões histórias, políticas, e não fundamento jurídico;

É recorrente na linguagem jurídica designar uma entidade pelo seu órgão principal ou local físico onde se encontra;

Não é adequado afirmar que a personalidade jurídica destes organismos existe apenas para efeitos de direito privado, uma vez que eles gozam de capacidade de direito público, os seus actos, contratos e responsabilidade por danos a terceiros pertencem ao perímetro do Direito Administrativo e respectiva jurisdição.

Orgãos

Os institutos públicos têm como órgãos o conselho directivo (arts.º 18.º a 25.º da LQIP), um fiscal único responsável pelo controlo da legalidade, da regularidade e da boa gestão financeira e patrimonial (arts.º 26.º a 28.º) e ainda pode ter um conselho consultivo, que apoia, consulta e participa na definição das linhas de actuação do instituto, bem como nas tomadas de decisão do conselho directivo (arts.º 29.º a 32.º).

Tutela administrativa      

 De acordo com o art.º 7.º da diploma em epígrafe, cada instituto está adstrito a um departamento ministerial. Caso haja partilha ou repatição da tutela por mais de um ministro, “considera-se adstrito ao ministério cujo membro do Governo sobre ele exerça poderes de superintendência”. O poder de tutela (art.º 41.º da LQIP) é aquele que é detido pelo Estado-Administração e consiste “no controlo da gestão de outra pessoa colectiva integrada na Administração Pública (...), visando salvaguardar a legalidade ou o mérito da sua actuação”(Marcelo Rebelo de Sousa).

Os poderes de tutela são muito variados, a saber:

tutela autorizativa - caso mais grave em que este poder se manifesta de forma mais vigorosa - incide sobre o controlo de um acto;

tutela ratificativa que consiste na mera verificação, por parte do governo, de correpondência com as suas orientações.

Aqui, o governo tem poderes sancionatórios, podendo instaurar um inquérito disciplinar que apura o exercício da entidade.

Superintendência

O Professor Marcelo Rebelo de Souda define-a como “um poder por lei conferido ao Estado-Administração para definir os objectivos e orientar a actuação de outras pessoas colectivas públicas”, tratando-se, então, de um poder de orientação, fixação de objectivos e não de intervenções na gestão, como acontece no âmbito da tutela. Este encontra-se consagrado no art.º 42.º da LQIP.

Responsabilidade

Quanto à responsabilidade (art.º 43.º LQIP), esta postula a sujeição dos titulares dos órgãos dos institutos públicos e os seus trabalhadores, pelos actos e omissões que pratiquem no exercício de funções, à respectiva responsabilidade civil, criminal, disciplinar e financeira. Neste quadro, dá-se o apuramento de responsabilidades, que pode culminar na demissão ou exoneração daquela entidade.

    Quanto às espécies de institutos públicos, conhecem-se:

os Serviços Personalizados

Segundo Paulo Otero são estruturas orgânicas administrativas do tipo burocrático (com fins de gestão) ou prestador (com fins de prestação de bens e serviços) a que a lei atribui personalidade jurídica de direito público e, de acordo com Marcello Caetano, são departamentos administrativos.

Os serviços personalizados são serviços dotados por lei de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira para que, funcionando aparentemente como instituições independentes, desempenhem com maior eficácia as funções que lhes competem.

Ex.: hospitais públicos, institutos politécnicos, entre outros;

as Fundações Públicas

Segundo Diogo Freitas do Amaral são pessoas colectivas de direito público, sem fim lucrativo, com órgãos e património próprio e autonomia administrativa e financeira (art.º 49.º/1 da LQF, art.º 3.º/1 e 2 da LQIP).

Paulo Otero, por sua vez, acrescenta o facto de poderem ser “serviços sociais existentes ao nível dos diversos ministérios, desde que dotados de personalidade jurídica, e diversas instituições subjectivas integradas na estrutura da Segurança Social”.

Ex.: o Fundo de Abastecimento (financiado pelas receitas provenientes de impostos e taxas) que se destinava a subsidiar bens essenciais à população;

os Estabelecimentos Públicos

Os Estabelecimentos Públicos são institutos de carácter cultural ou social, organizados como serviços abertos ao público, e destinados a efectuar as prestações individuais à generalidade dos cidadãos que delas careçam (DFA).

Ex.: estabelecimento público de carácter cultural (universidades públicas); estabelecimento público de carácter social (hospitais do Estado que não foram convertidos em entidades públicas empresariais).


Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas. – Curso de Direito Administrativo, Volume I 4-ª Edição. Coimbra: Edições Almedina, 2015;
OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo;
SOUSA, Marcelo Rebelo de, Lições de Direito Administrativo.


Maria Margarida Bento e Silva, n.º 28075.

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