As Freguesias
Ao longo da história, no que ao Direito Administrativo toca,
uma das formas de prossecução da denominada Administração Autónoma tem sido, a
meu ver, negligenciada. Falo das Freguesias, que apesar das recentes alterações
legislativas (como é o caso da Lei nº 22/201 de 30 de Maio), continuam a ter
pouco reconhecimento. É incompreensível tal situação, não fossem estas através
dos seus órgãos visar a satisfação das necessidades públicas na sua
circunscrição. Sendo, em muitas situações (especialmente, no interior do país)
a pessoa colectiva pública que se apresenta mais próxima da população na sua
circunscrição, fruto dos princípios da aproximação da administração às
populações (art.267/1 CRP e art.10º CPA), da subsidiariedade e da descentralização
administrativa imanente às Autarquias Locais (Art.6º/1 CRP).
Os primórdios desta figura remontam ao século V, e a sua
origem é eclesiástica[1]
(devido a esse antecedente, muitas vezes são tratadas por “paróquias”).
Inicialmente, as freguesias não continham nenhuma ligação com a Administração
Pública. Algo que vem a ser alterado com a entrada na época liberal, onde estas
passam a integrar a “Máquina Administrativa do Estado”, apesar de alguma
indefinição. A verdadeira afirmação ocorre com o Código Administrativo de
Rodrigues Sampaio[2]. Nos
dias de hoje, o processo legislativo tem permitido alargar o âmbito da
competência e a importância das freguesias locais, com forte incidência nas
áreas da educação, cultura popular ou da assistência social, embora o reconhecimento
não seja pleno por parte da sociedade, e por outro lado, as dotações de meios
financeiros e humanos não se podem considerar suficientes para exercer as suas
prerrogativas (aliás, este tipo de défice é bastante comum na concretização do
principio da descentralização).
Na visão do Professor Freitas do Amaral, uma “freguesia”
pode ser definida como a autarquia local que, dentro de um território
municipal, visa a prossecução de interesses próprios da população residente em
cada circunscrição paroquial[3].
Os “interesses próprios da população residente” são bastante vastos abrangendo
várias áreas de interesse público, desde o cuidado primário da saúde até dinamização
socio-cultural. Estas atribuições também variam de freguesia para freguesia, e
de localidade para localidade. Como é óbvio, as tarefas da Junta de freguesia
de Alvalade são bastante diferentes das que competem à Junta de Freguesia de
Alcaravela. Na primeira, a sua missão passa principalmente por uma acção de
solidariedade social, enquanto na segunda, as tarefas são de uma maior
amplitude e generalidade, na medida, em que os membros da Administração Pública
são bastante exíguos.
Um verdadeiro ponto de viragem, no que às freguesias diz
respeito, foi a Lei nº22/2012 de 30 de Maio, que reorganizou o mapa de
freguesias em Portugal, procedendo à extinção e união de mais de 1000
freguesias (como é o caso, por exemplo, da Junta de freguesia do Campo Grande,
que se agregou à Junta de Freguesia de Alvalade, embora a reforma em Lisboa
tenha sido feita através da Lei 56/2012, de 8 de Novembro). O objectivo desta
reforma foi resolver o problema do número absurdo de freguesias, que
prejudicava o exercício dos seus desígnios, com o acréscimo da crónica ausência
de meios materiais e humanos, não permitindo a expansão do âmbito dos
princípios da subsidiariedade e da descentralização[4].
A lei reservou-se em manter o equilíbrio entre estes dois princípios e o
princípio da aproximação dos serviços públicos às populações, na medida, em que
tentou combater a ausência de recursos materiais e financeiros, e ao mesmo
tempo transferir novas competências dos municípios para as freguesias. Contudo,
esta reforma não ficou isenta de críticas, como aliás, assinala Cândido de
Oliveira.
O professor Jorge Miranda assinala que, de acordo, com o
disposto no artigo 164, al. N), atribui à Assembleia da República a reserva
absoluta para criar, extinguir e modificar as autarquias locais, o que por
incrível que pareça, a Lei nº22/2012 de 30 de Maio, não faz[5].
No entender deste ilustre professor da escola de Lisboa estamos perante uma
inconstitucionalidade por omissão.
Posto isto, importa agora falar um pouco sobre as
atribuições genéricas das freguesias, para posteriormente, falar dos órgãos que
compõe as freguesias e das suas respetivas funções.
A Lei das Autarquias Locais, através do disposto no seu
artigo 7º atribui uma cláusula geral que enumera as várias atribuições das
Freguesias relativamente aos municípios. Funções essas que vão desde o domínio
do Abastecimento Público até ao domínio da protecção civil, ou seja, a
amplitude destas é bastante amplo, o que nos revela a importância enquanto
organismos. Importa distinguir os vários planos em se inserem as várias
atribuições. No plano político, assumem uma grande importância no processo
eleitoral e no recenseamento. No plano económico, têm como objectivo gerir e
promover o património da sua jurisdição. No plano Cultural e Social, são uma
grande fonte de desenvolvimento da identidade cultural, bem como, os seus
desígnios relativamente aos cuidados médicos primários que se revelam
fundamentais para as populações. Além das competências acima descritas, através
do artigo 131º da LAL, os municípios podem delegar em matérias do interesse dos
habitantes da circunscrição competências, mediante a celebração de um contracto
inter-administrativo.
A Freguesia divide-se em dois órgãos, um deliberativo e
representativo, a Assembleia de Freguesia (que no caso de pequenas freguesias
pode ser substituído pelo Plenário dos cidadãos eleitores), e outro executivo,
a Junta de Freguesia (sendo a sua composição variável em função do numero de
habitantes).
A Assembleia da Freguesia (245º CRP) reúne ordinariamente 4
vezes anos, a sua composição é variável consoante o número de eleitores (artigo
nº5 da LCFA). As competências deste órgão distribuem-se: pela eleição da Junta
de Freguesia (função eleitoral); a fiscalização e superintendência da mesma
(função de fiscalização); pela discussão de orçamentos e contas, estabelecendo
normas gerais ou aprovando regulamentos, bem como a atribuição de poderes
tributários (função de orientação geral); e a decisão dos casos mais
importantes, que não são deixados à competência da Junta (função decisória).
A Junta de Freguesia(246º CRP) corresponde ao corpo
administrativo da paróquia, sendo constituída por um presidente, um tesoureiro,
um secretário e dependendo do número de habitantes a existência de vogais
(LCFA, artigo 24º). Tem um funcionamento regular, reunindo em regra uma vez por
mês (artigo 20º da LAL). As suas atribuições subdividem-se: numa função
executiva, que visa a execução das leis e das demais deliberações da Assembleia
da Freguesia; uma função de estudo e proposta, que se traduz na procura de
resolução dos diversos problemas suscitados no seio da comunidade; uma função
de gestão, na medida, em que cabe à Junta assegurar a gestão de todos os meios
humanos e financeiros da freguesia; uma função de fomento, que deriva do facto,
da junta estar adstrita a apoiar as várias iniciativas e entidades que visem o
desenvolvimento (desta função releva um afloramento bastante perceptível do
principio da aproximação da Administração às populações); e finalmente, uma
função de colaboração, com a Câmara municipal e com todas as entidades públicas
que visem a prossecução do interesse dos habitantes da circunscrição.
Para finalizar, considero que, apesar, do objecto retratado
ser meramente descritivo, é bastante útil para a compreensão da temática das
freguesias, e acima de tudo, mostrar a importância das mesmas na Administração
Pública. Aliás, embora exista uma escassez gritante em relação aos meios humanos
e financeiros, estas são, seguramente, a representação material mais próxima
dos princípios da descentralização e da aproximação da Administração às
populações, especialmente, nas zonas rurais. Contudo, ainda há um grande
caminho a percorrer para a efectivação das suas competências, e
consequentemente, dos princípios que estas representam. De qualquer das formas,
a sua proximidade e representatividade junto das populações é meritória a
vários níveis.
. AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 2015, 4ª edição, Almedina
Pedro Fernandes
2º ano TB14
2º ano TB14
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