domingo, 4 de dezembro de 2016

A importância das Freguesias

As Freguesias

Ao longo da história, no que ao Direito Administrativo toca, uma das formas de prossecução da denominada Administração Autónoma tem sido, a meu ver, negligenciada. Falo das Freguesias, que apesar das recentes alterações legislativas (como é o caso da Lei nº 22/201 de 30 de Maio), continuam a ter pouco reconhecimento. É incompreensível tal situação, não fossem estas através dos seus órgãos visar a satisfação das necessidades públicas na sua circunscrição. Sendo, em muitas situações (especialmente, no interior do país) a pessoa colectiva pública que se apresenta mais próxima da população na sua circunscrição, fruto dos princípios da aproximação da administração às populações (art.267/1 CRP e art.10º CPA), da subsidiariedade e da descentralização administrativa imanente às Autarquias Locais (Art.6º/1 CRP).
Os primórdios desta figura remontam ao século V, e a sua origem é eclesiástica[1] (devido a esse antecedente, muitas vezes são tratadas por “paróquias”). Inicialmente, as freguesias não continham nenhuma ligação com a Administração Pública. Algo que vem a ser alterado com a entrada na época liberal, onde estas passam a integrar a “Máquina Administrativa do Estado”, apesar de alguma indefinição. A verdadeira afirmação ocorre com o Código Administrativo de Rodrigues Sampaio[2]. Nos dias de hoje, o processo legislativo tem permitido alargar o âmbito da competência e a importância das freguesias locais, com forte incidência nas áreas da educação, cultura popular ou da assistência social, embora o reconhecimento não seja pleno por parte da sociedade, e por outro lado, as dotações de meios financeiros e humanos não se podem considerar suficientes para exercer as suas prerrogativas (aliás, este tipo de défice é bastante comum na concretização do principio da descentralização).

Na visão do Professor Freitas do Amaral, uma “freguesia” pode ser definida como a autarquia local que, dentro de um território municipal, visa a prossecução de interesses próprios da população residente em cada circunscrição paroquial[3]. Os “interesses próprios da população residente” são bastante vastos abrangendo várias áreas de interesse público, desde o cuidado primário da saúde até dinamização socio-cultural. Estas atribuições também variam de freguesia para freguesia, e de localidade para localidade. Como é óbvio, as tarefas da Junta de freguesia de Alvalade são bastante diferentes das que competem à Junta de Freguesia de Alcaravela. Na primeira, a sua missão passa principalmente por uma acção de solidariedade social, enquanto na segunda, as tarefas são de uma maior amplitude e generalidade, na medida, em que os membros da Administração Pública são bastante exíguos.

Um verdadeiro ponto de viragem, no que às freguesias diz respeito, foi a Lei nº22/2012 de 30 de Maio, que reorganizou o mapa de freguesias em Portugal, procedendo à extinção e união de mais de 1000 freguesias (como é o caso, por exemplo, da Junta de freguesia do Campo Grande, que se agregou à Junta de Freguesia de Alvalade, embora a reforma em Lisboa tenha sido feita através da Lei 56/2012, de 8 de Novembro). O objectivo desta reforma foi resolver o problema do número absurdo de freguesias, que prejudicava o exercício dos seus desígnios, com o acréscimo da crónica ausência de meios materiais e humanos, não permitindo a expansão do âmbito dos princípios da subsidiariedade e da descentralização[4]. A lei reservou-se em manter o equilíbrio entre estes dois princípios e o princípio da aproximação dos serviços públicos às populações, na medida, em que tentou combater a ausência de recursos materiais e financeiros, e ao mesmo tempo transferir novas competências dos municípios para as freguesias. Contudo, esta reforma não ficou isenta de críticas, como aliás, assinala Cândido de Oliveira.

O professor Jorge Miranda assinala que, de acordo, com o disposto no artigo 164, al. N), atribui à Assembleia da República a reserva absoluta para criar, extinguir e modificar as autarquias locais, o que por incrível que pareça, a Lei nº22/2012 de 30 de Maio, não faz[5]. No entender deste ilustre professor da escola de Lisboa estamos perante uma inconstitucionalidade por omissão.
Posto isto, importa agora falar um pouco sobre as atribuições genéricas das freguesias, para posteriormente, falar dos órgãos que compõe as freguesias e das suas respetivas funções.
A Lei das Autarquias Locais, através do disposto no seu artigo 7º atribui uma cláusula geral que enumera as várias atribuições das Freguesias relativamente aos municípios. Funções essas que vão desde o domínio do Abastecimento Público até ao domínio da protecção civil, ou seja, a amplitude destas é bastante amplo, o que nos revela a importância enquanto organismos. Importa distinguir os vários planos em se inserem as várias atribuições. No plano político, assumem uma grande importância no processo eleitoral e no recenseamento. No plano económico, têm como objectivo gerir e promover o património da sua jurisdição. No plano Cultural e Social, são uma grande fonte de desenvolvimento da identidade cultural, bem como, os seus desígnios relativamente aos cuidados médicos primários que se revelam fundamentais para as populações. Além das competências acima descritas, através do artigo 131º da LAL, os municípios podem delegar em matérias do interesse dos habitantes da circunscrição competências, mediante a celebração de um contracto inter-administrativo.

A Freguesia divide-se em dois órgãos, um deliberativo e representativo, a Assembleia de Freguesia (que no caso de pequenas freguesias pode ser substituído pelo Plenário dos cidadãos eleitores), e outro executivo, a Junta de Freguesia (sendo a sua composição variável em função do numero de habitantes).

A Assembleia da Freguesia (245º CRP) reúne ordinariamente 4 vezes anos, a sua composição é variável consoante o número de eleitores (artigo nº5 da LCFA). As competências deste órgão distribuem-se: pela eleição da Junta de Freguesia (função eleitoral); a fiscalização e superintendência da mesma (função de fiscalização); pela discussão de orçamentos e contas, estabelecendo normas gerais ou aprovando regulamentos, bem como a atribuição de poderes tributários (função de orientação geral); e a decisão dos casos mais importantes, que não são deixados à competência da Junta (função decisória).

A Junta de Freguesia(246º CRP) corresponde ao corpo administrativo da paróquia, sendo constituída por um presidente, um tesoureiro, um secretário e dependendo do número de habitantes a existência de vogais (LCFA, artigo 24º). Tem um funcionamento regular, reunindo em regra uma vez por mês (artigo 20º da LAL). As suas atribuições subdividem-se: numa função executiva, que visa a execução das leis e das demais deliberações da Assembleia da Freguesia; uma função de estudo e proposta, que se traduz na procura de resolução dos diversos problemas suscitados no seio da comunidade; uma função de gestão, na medida, em que cabe à Junta assegurar a gestão de todos os meios humanos e financeiros da freguesia; uma função de fomento, que deriva do facto, da junta estar adstrita a apoiar as várias iniciativas e entidades que visem o desenvolvimento (desta função releva um afloramento bastante perceptível do principio da aproximação da Administração às populações); e finalmente, uma função de colaboração, com a Câmara municipal e com todas as entidades públicas que visem a prossecução do interesse dos habitantes da circunscrição.

Para finalizar, considero que, apesar, do objecto retratado ser meramente descritivo, é bastante útil para a compreensão da temática das freguesias, e acima de tudo, mostrar a importância das mesmas na Administração Pública. Aliás, embora exista uma escassez gritante em relação aos meios humanos e financeiros, estas são, seguramente, a representação material mais próxima dos princípios da descentralização e da aproximação da Administração às populações, especialmente, nas zonas rurais. Contudo, ainda há um grande caminho a percorrer para a efectivação das suas competências, e consequentemente, dos princípios que estas representam. De qualquer das formas, a sua proximidade e representatividade junto das populações é meritória a vários níveis.


 Bibliografia:
 . SOUSA, Marcelo Rebelo de, MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral- Introdução e princípios fundamentais, Tomo I, 3ª edição, D. Quixote, 2008  
. AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 2015, 4ª edição, Almedina  

Pedro Fernandes
2º ano TB14






 [1] AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 2015, 4ª edição, Almedina, p.433
 [2]Ibidem, p.435
 [3] Ibidem, p.430
 [4] SOUSA, Marcelo Rebelo de, MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral- Introdução e princípios fundamentais, Tomo I, 3ª edição, D. Quixote, 2008 , p.144-148
 [5] AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 2015, 4ª edição, Almedina, p.438

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