sábado, 3 de dezembro de 2016

Atos Administrativos de Execução


Neste trabalho irei procurar aprofundar a matéria referente à execução coativa do ato administrativo, matéria esta legalmente prevista nos artigos 149.º e segs. do Código de Procedimento Administrativo (CPA). No entanto, esta matéria é referente ao Código de Procedimento Administrativo, antes das revogações levadas a cabo pelo DL n.º 4/2015, de 7 de janeiro, sendo que, de modo a facilitar a leitura, irei fornecer no final do trabalho os devidos artigos enumerados ao longo do trabalho.
Começo por delimitar os conceitos de ato administrativo executório e não executório, assim como os distingue o prof. Marcello Caetano, no volume I da sua obra “Manual de Direito Administrativo”. Assim sendo, o ato executório será o ato administrativo que obriga por si e cuja execução coerciva imediata a lei permite independentemente de sentença judicial, sendo que, por outro lado, o professor não delimita um conceito específico, mas sim, uma tipologia de atos administrativos não executórios, sendo estes referidos mais tarde no trabalho. Deste modo, de referir que, o conceito fundamental nesta matéria será efetivamente o de executoriedade, ou seja, o atributo dos atos administrativos que permite que estes obriguem por si e que estejam em condições de ser imediatamente executados pelo uso do privilégio da execução prévia, privilégio este que coloca a Administração em situação privilegiada relativamente aos particulares.
Como referi anteriormente, o prof. Marcello Caetano formula uma tipologia quanto aos atos não executórios, sendo eles:
a)     Os atos definitivos suspensos ou dos quais tenha sido interposto recurso com efeito suspensivo
Todo o órgão administrativo competente para revogar um ato tem poder de suspender a sua executoriedade e, desta forma, suspender temporariamente os efeitos jurídicos, sendo que, um ato executório, pode parar de o ser, enquanto o órgão se encontrar nesta suspensão.
Por outro lado, sempre que de um ato se interpõe recurso hierárquico necessário entende-se que esse mesmo recurso produz efeito suspensivo, salvo disposição legal em contrário ou se outra coisa dever resultar da própria natureza do ato.
b)    Os atos definitivos sujeitos a aprovação
No caso do ato de um órgão depender de aprovação de outro órgão o ato aprovado continua a reputar-se sempre como próprio do órgão que dele tomou a iniciativa.
c)     Os atos confirmativos de atos executórios
Quando um novo ato se limita a confirmar outro ato anterior que seja executório, sem nada acrescentar ou tirar ao seu conteúdo, a confirmação equivale a mandar executar esse ato ou prosseguir a sua execução, ou seja, este ato confirmatório não tem força executória própria.
Assim sendo, como refere o prof. Freitas do Amaral, no volume II da sua obra “Curso de Direito Administrativo”, três notas essenciais quanto a este tema:
Em primeiro lugar, que é de recordar o facto de que a Administração Pública goza, no nosso ordenamento jurídico, da possibilidade de definir imperativamente o direito aplicável no caso concreto, podendo, desta forma, criar, modificar ou mesmo extinguir situações jurídicas de outras entidades, cujos efeitos terão efeito nas suas esferas jurídicas, com plena força obrigatória e independentemente de qualquer decisão judicial, sendo esta situação uma clara referência ao princípio da autotutela privada.
Esta correspondia à conceção tradicional do privilégio da execução prévia, na qual, o ato administrativo podia ser sempre objeto de execução coerciva por via administrativa, salvas as exceções legais (defendida por autores como Marcello Caetano e Marques Guedes).
Em segundo lugar, com base no art. 149.º/2 CPA, de referir que a Administração Pública tem também a faculdade de executar coativamente tal definição sem necessidade de qualquer prévia decisão judicial (fazendo aqui o professor uma referência clara ao princípio da autotutela executiva, ou privilégio da execução prévia), caso o respetivo destinatário a não cumpra voluntariamente.
Esta perfilhava uma conceção ultra moderna, sendo que esta preconizava que a execução coerciva por via administrativa só seria legítima em matéria de polícia administrativa e, para além desta, nas hipóteses em que a lei expressamente autorizasse caso a caso (defendida por autores como Rogério Soares, Sérvulo Correia e, recentemente, pelo professor regente da cadeira de Direito Administrativo I, o prof. Vasco Pereira da Silva).
Sendo estas soluções vistas como inconvenientes e demasiado extremistas por diversos autores e, especialmente, pelo Governo, concebeu-se, assim, uma solução intermédia, que ficou consagrada no art. 149.º/2 CPA: a Administração pode sempre executar coercivamente os seus atos executórios por via administrativa, mas ao executar só pode fazê-lo pelas formas e nos termos previstos no CPA ou admitidos por outras leis, ou seja: a execução coerciva por via administrativa é legítima em todos os casos em que exista ato administrativo executório, mesmo que não esteja prevista em qualquer texto legal, mas as formas de execução e os termos em que ela é feita terão de estar previstos na lei.
Em terceiro lugar, ao se distinguir entre atos administrativos executórios e não executórios, o prof. Freitas do Amaral refere os exatos termos em que se pode verificar a execução coerciva por via administrativa. Desse modo, para que isso suceda, será necessário:
a)     que exista um ato administrativo (exequível e eficaz) que, de forma imediata, crie ou estabeleça deveres ou encargos para um particular, obrigando-o a uma determinada prestação;
b)    que se verifique a recusa do destinatário do ato ao seu cumprimento voluntário;
c)     que a lei se não oponha à execução por via administrativa.

Irei agora, debruçar-me sobre os princípios gerais a que se submete a execução dos atos administrativos impositivos de deveres ou encargos que não sejam voluntariamente cumpridos pelos respetivos destinatários, sendo eles, fundamentalmente cinco:
1.     Princípio da legalidade da execução:
Ø  Este defende que toda a execução coativa por via administrativa tem de ser feita com fundamento na lei e pelas formas e termos por ela previstos (art. 149.º/2 CPA);
2.     Princípio do ato administrativo prévio (ou então, nulla executio sine titulo):
Ø  Defende que a Administração não pode realizar operações materiais e executivas, designadamente pelo uso da força, sem que este tenha como base um ato administrativo anterior – o ato executio exequendo – que as legitime;
3.     Princípio da proporcionalidade:
Ø  Na execução coativa dos atos administrativos devem, dentro do possível, ser utilizados os meios que, garantindo a realização integral dos seus objetivos envolvam menos prejuízo para os direitos e interesses dos particulares (art. 151.º/2 CPA);
4.     Princípio da subsidiariedade da execução administrativa:
Ø  A Administração apenas deve impor as suas decisões pela força uma vez esgotada definitivamente a possibilidade de as mesmas serem voluntariamente cumpridas pelos respetivos destinatários;
5.     Princípio da humanidade da execução (art. 157.º/3 CPA):
Ø  Em harmonia com este princípio, a Administração, mesmo que tenha a possibilidade de utilizar a força contra os indivíduos, não pode utilizar meios de coação que violem direitos fundamentais ou sejam contrários ao respeito devido à pessoa humana (como por exemplo, a tortura).
Dito isto, de referir ainda que a Administração encontra-se vinculada a fatores que condicionam a execução coativa de um ato administrativo, sendo eles:
a)     Existência de um ato administrativo exequendo:
Como refere o art.151.º/1 CPA, “salvo em estado de necessidade, os órgãos da Administração não podem praticar nenhum ato ou operação material de que resulte limitação de direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, sem terem praticado previamente o ato administrativo que legitime tal atuação.”
Deste modo, a existência de um ato exequendo é, assim, salvo caso de estado de necessidade, condição sine qua non (= “sem o qual não pode”) para qualquer ato ou operação material de execução de que resulte limitação de quaisquer posições jurídicas subjetivas dos particulares. O ato administrativo é, assim, um título executivo que habilita a Administração a agir. Assim sendo, sem este ato exequendo, ou perante casos de nulidade do mesmo, não será, pois, juridicamente possível à Administração efetuar um ato de execução coativa – sendo que, se o fizer, estaremos perante uma via de facto, contenciosamente impugnável (art.151.º/3 e /4 CPA).
Claro está que este ato exequendo deve apresentar no seu conteúdo a obrigação ou obrigações a cumprir pelo destinatário, na medida que, o incumprimento apenas se verifica se ao destinatário do ato tiver sido, de forma clara e completa, imposto o desenvolvimento de uma atividade e este, devidamente inteirado dos termos da obrigação, se recusar a cumpri-la.
De referir ainda o art. 151.º/4 CPA que afirma o seguinte: “são também suscetíveis de impugnação contenciosa os atos e operações de execução arguidos de ilegalidade, desde que esta não seja consequência da ilegalidade do ato exequendo.”, ou seja, se o ato de execução for ele próprio diretamente desconforme com o regime legal instituído para atos de tal categoria executiva, passa a ser também administrativa e contenciosamente impugnável. No entanto, o mesmo não acontece se a ilegalidade do ato ou operação de execução derivar de alguma ilegalidade que afetava o ato exequendo, é este que deve ser impugnado, não podendo sê-lo autonomamente o ato de execução.
b)    Tipicidade legal das formas e dos termos de execução:
A execução de um ato administrativo deve ser feito “pelas formas e nos termos previstos no (…) Código ou admitidos por lei” (art.149.º/2 CPA). Assim sendo, referindo também os artigos 155.º a 157.º CPA são, juntamente com outras previstas em leis avulsas, suscetíveis de utilização, consoante os casos, para a execução de quaisquer decisões administrativas.
c)     Notificação do destinatário:
Para que possa ter lugar a execução coativa é ainda necessário que a respetiva decisão seja posteriormente notificada ao seu destinatário antes de se iniciar a execução (art.152.º/1 CPA). Sendo o ato exequendo, uma condição necessária da legalidade do procedimento executivo, o mesmo não será, pois, uma condição suficiente, sendo assim, na maior parte dos casos, acrescentado a ele, a notificação da execução ao particular inadimplente.
Desta notificação devem constar, além do texto do ato exequendo, a indicação de um novo prazo de cumprimento e o aviso de que, findo tal prazo, a Administração executará coercivamente aquele ato exequendo através de meios especificamente determinados.
Como defende grande parte da doutrina, o art.152.º/1 CPA é a revelação formal da autonomia legal do procedimento de execução do ato administrativo, em relação ao procedimento da sua formação e manifestação, reconhecida no art. 1º CPA. No entanto, no art.153.º CPA, e ao contrário do que sucede no direito processual civil, não se admite que o executado se oponha à execução por meio da dedução de embargos, o que tradicionalmente se justifica pela afirmação e pelo reconhecimento da superioridade do interesse público cuja realização se visa executar. O interessado em sustar a execução do ato administrativo deve, pois fazê-lo através da impugnação da sua legalidade e do pedido de suspensão da sua eficácia.
Por fim, através da leitura do art.154.º CPA, posso concluir que a execução de um ato administrativo pode ter um de três fins:
a)     O pagamento de quantia certa:
Citando o art.155.º/1 CPA, “Quando por força de um ato administrativo devam ser pagas a uma pessoa coletiva pública, ou por ordem desta, prestações pecuniárias, seguir-se-á, na falta de pagamento voluntário no prazo fixado, o processo de execução fiscal regulado no Código de Processo Tributário”. Assim sendo, a lei portuguesa não autoriza assim a execução forçada por via administrativa de um ato que, por exemplo, fixa um imposto, uma taxa ou uma coima. Em tais casos, o único caminho será o de seguir a via judicial, através do “processo das execuções fiscais” nos tributários, nos termos da lei tributária.
Citando, ainda, o art.155.º/2 CPA, “Para o efeito, o órgão administrativo competente emitirá nos termos legais uma certidão, com valor de título executivo, que remeterá, juntamente com o processo administrativo, à repartição de finanças do domicílio ou sede do devedor.”, ou seja, é perfeitamente claro que é aos tribunais fiscais que cabe supervisionar o processo de execução fiscal coerciva, baseando-se em certidão – com valor de título executivo – a emitir pela autoridade administrativa credora, que ficará na possa da repartição de Finanças do domicílio ou sede de devedor.
b)    A entrega de coisa certa:
Se o particular não fizer a entrega da coisa devida à Administração, poderá esta proceder às diligências que sejam necessárias para tomar posse administrativa (art.º156 CPA).
Assim sendo, tomar a posse administrativa de um bem significa poder a Administração investir-se no seu corpus com animus possendi, em virtude de simples declaração do seu direito a essa posse, podendo usar a força pública, se necessário, para o efeito de se assenhorear dela e de a manter. Deste modo, não precisa esta de recorrer aos tribunais para o efeito de se investir como possuidora dessas coisas: o legislador conferiu-lhe genericamente o poder geral de tomar posse administrativa das coisas a cuja entrega ou uso tem um direito decorrente de ato administrativo, mesmo que sobre o caso não haja disposição legal específica a permitir esse apossamento administrativo.
c)     A prestação de um facto
a)     Se o particular não realizar a prestação de facto positivo a que se encontra obrigado, dentro do prazo que lhe for fixado por notificação administrativa, há a distinguir duas sub-hipóteses:
a.     Se se tratar de facto positivo fungível (ou seja, que tanto pode ser realizado pelo particular como por terceiro, sem prejuízo para a Administração), pode esta optar entre a execução direta pelos seus próprios meios e a execução por terceiro por si contratado para o efeito, ficando em qualquer dos casos as despesas a cargo do particular faltoso (art.157.º/1 e /2 CPA) – é aquilo a que se chama execução subrogatória.
b.     Se, inversamente, se tratar de facto positivo infungível (ou seja, um facto que tem necessariamente de ser realizado pelo particular em causa), poderá a Administração utilizar a coação física sobre o obrigado, sendo que, esta apenas poderá ter lugar “casos expressamente previstos na lei, e sempre com observância dos direitos fundamentais consagrados na Constituição e do respeito devido à pessoa humana” (art.157.º/3 CPA).
b)     Se o particular não realizar a prestação de facto negativo, é também necessário distinguir consoante se esteja perante facto fungível ou infungível:
a.     No caso de facto fungível, os termos da execução são os da execução para prestação de facto positivo;
b.     No caso de facto infungível, a execução é, em bom rigor, tecnicamente impossível. No entanto, esta pode converter-se numa execução para pagamento de quantia certa (art.155.º/1 CPA) se a Administração determinar o pagamento de uma indemnização e o destinatário o não fizer voluntariamente.
c)     Se o particular não cumprir uma obrigação infungível de pati, pode a mesma ser coativamente imposta, embora aí se devam respeitar importantes limites constitucionais, designadamente o princípio da proporcionalidade em matéria de restrições aos direitos fundamentais (art. 18.º/2 da Constituição da República Portuguesa), sendo aqui também aplicados os limites estabelecidos no art.157.º/3 CPA.



Artigos do Código de Procedimento Administrativos (antes das revogações feitas pelo DL n.º 4/2015, de 7 de janeiro):
Art. 1.º/1 - Entende-se por procedimento administrativo a sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua execução.
/2 - Entende-se por processo administrativo o conjunto de documentos em que se traduzem os actos e formalidades que integram o procedimento administrativo.
Art. 149.º/2 - 2 - O cumprimento das obrigações e o respeito pelas limitações que derivam de um acto administrativo podem ser impostos coercivamente pela Administração sem recurso prévio aos tribunais, desde que a imposição seja feita pelas formas e nos termos previstos no presente Código ou admitidos por lei. 
Art. 151.º/1 - 1 - Salvo em estado de necessidade, os órgãos da Administração Pública não podem praticar nenhum acto ou operação material de que resulte limitação de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, sem terem praticado previamente o acto administrativo que legitime tal actuação.
/2 - Na execução dos actos administrativos devem, na medida do possível, ser utilizados os meios que, garantindo a realização integral dos seus objectivos, envolvam menor prejuízo para os direitos e interesses dos particulares.
/3 - Os interessados podem impugnar administrativa e contenciosamente os actos ou operações de execução que excedam os limites do acto exequendo.
/4 - São também susceptíveis de impugnação contenciosa os actos e operações de execução arguidos de ilegalidade, desde que esta não seja consequência da ilegalidade do acto exequendo.
Art. 152.º/1 - A decisão de proceder à execução administrativa é sempre notificada ao seu destinatário antes de se iniciar a execução.
Art. 154.º - A execução pode ter por fim o pagamento de quantia certa, a entrega de coisa certa ou a prestação de um facto.
Art. 155.º/1 - Quando por força de um acto administrativo devam ser pagas a uma pessoa colectiva pública, ou por ordem desta, prestações pecuniárias, seguir-se-á, na falta de pagamento voluntário no prazo fixado, o processo de execução fiscal regulado no Código de Processo Tributário.
2 - Para o efeito, o órgão administrativo competente emitirá nos termos legais uma certidão, com valor de título executivo, que remeterá, juntamente com o processo administrativo, à repartição de finanças do domicílio ou sede do devedor.
Art. 156.º - Se o obrigado não fizer a entrega da coisa que a Administração deveria receber, o órgão competente procederá às diligências que forem necessárias para tomar posse administrativa da coisa devida.
Art. 157.º/1 – No caso de execução para prestação de facto fungível, a Administração notifica o obrigado para que proceda à prática do acto devido, fixando um prazo razoável para o seu cumprimento.
/2 - Se o obrigado não cumprir dentro do prazo fixado, a Administração optará por realizar a execução directamente ou por intermédio de terceiro, ficando neste caso todas as despesas, incluindo indemnizações e sanções pecuniárias, por conta do obrigado.
/3 - As obrigações positivas de prestação de facto infungível só podem ser objecto de coacção directa sobre os indivíduos obrigados nos casos expressamente previstos na lei, e sempre com observância dos direitos fundamentais consagrados na Constituição e do respeito devido à pessoa humana.


Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do, “Curso de Direito Administrativo”, volume II, Almedina, 2001, pp. 495 e segs.;
CAETANO, Marcello, “Manual de Direito Administrativo”, volume I, Almedina, pp. 449 e segs.
SOUSA, Marcelo Rebelo de, “Codificação do Procedimento Administrativo”, II Parte, pp. 181 e segs.


Guilherme de Oliveira Rato
Nº28197, Turma B - Subturma 14

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