terça-feira, 6 de dezembro de 2016

A organização vertical da Administração Pública

A organização vertical da Administração Pública

1. - Diferentes tipos de organização dos serviços públicos

A organização dos serviços públicos dá-se de acordo com três critérios, gerando assim uma divisão entre: (i) organização horizontal – correspondente à especialização segundo o tipo de actividades a desempenhar; (ii) organização territorial – que implica a distinção entre organização central e periférica, consoante o âmbito nacional ou circunscrito dos serviços; (iii) organização vertical – correspondente à hierarquia administrativa.

2. - Conceito de hierarquia administrativa

                Afigura-se-nos que o conceito mais preciso de hierarquia é o apresentado pelo Professor Freitas do Amaral onde esta “é o modelo de organização administrativa vertical, constituído por dois ou mais órgãos e agentes com atribuições comuns, ligados por um vínculo jurídico que confere ao superior o poder de direcção e impõe ao subordinado o dever de obediência”.
               Será também de salientar que o modelo de organização vertical é apenas um dos vários modelos existentes de organização da administração, podendo estes ser p.e. colegiais. Contudo, constituí a utilização deste modelo por nós adoptado herança já antiga proveniente da Civilização Ocidental, por via do Império Romano e da Igreja Católica.

3. - Espécies de hierarquia administrativa

               É possível estabelecer a existência de dois tipo diferentes de hierarquias, a) a hierarquia interna – que designa a divisão vertical de tarefas entre os diferentes agentes de um mesmo serviço; e b) a hierarquia externa – que consiste na divisão vertical de tarefas entre os diferentes órgãos.

4. - Os poderes do superior

               Nas relações hierárquicas possuem os superiores hierárquicos um conjunto de poderes, entre os quais são de destacar os seguintes:
(i)              O poder de direcção, que consiste essencialmente na faculdade de dar ordens e instruções ao subordinado: consistindo a diferença entre estes dois conceitos no facto de as primeiras corresponderem a comandos individuais e concretos, ao passo que as segundas consistem em comandos gerais e abstractos;
(ii)            O poder de supervisão, que engloba por regra a capacidade de confirmar, revogar ou suspender os actos do subordinado; sendo discutida a inclusão ou não dos poderes de substituição e modificação dentre deste elenco. É conveniente também notar que ainda que estas o superior hierárquico possuísse as duas últimas capacidades, elas estariam sempre vedadas caso o subordinado possuísse competência exclusiva sobre as matérias a que estas dissessem respeito;
(iii)           O poder disciplinar, que se concretiza através da aplicação de sanções disciplinares ao subordinado em virtude das infracções deste à disciplina da função pública;

5. - O dever de obediência

Numa relação directa com o poder de direcção do superior hierárquico encontra-se o dever de obediência do subordinado, isto é o dever de acatar e cumprir as ordens do legítimo superior hierárquico relativas a matéria de serviço e que revistam a forma legal necessária. Verificando-se portanto a existência de três requisitos cumulativas para que se possa falar na existência do dever de obediência.
Contudo, esta estes requisitos são apenas de ordem extrínseca, não impondo sobre o subordinado a obrigação de cumprir uma ordem que foi transmitido de forma irregular.
Levanta-se porém a necessidade de ligar com as situações onde existe uma legalidade extrínseca, mas havendo concomitantemente uma ilegalidade intrínseca, configurado o acto a praticar pelo subordinado um acto ilícito. Digladiaram-se acerca desta questão duas correntes diferentes.
A corrente hierárquica sustenta que não compete ao funcionário apreciar a legalidade da ordem recebida, caso contrário estaria a ser destruída logo à partida toda a relação hierárquica, já que ficaria implícita a possibilidade da interpretação da lei realizada pelo subordinado prevalecer sobre a do seu superior hierárquico. Esta corrente admitia contudo o direito de respeitosa representação onde poderia o subalterno expor as suas dúvidas ao seu superior, tendo, contudo, caso este reiterasse a ordem que a cumprir.
Já a corrente legalista afirma que o funcionário não tem que obedecer às ordens que considere ilegais. Esta corrente engloba diversas opiniões, desde uma concepção mais restrita onde o funcionário apenas pode desobedecer legitimamente a uma ordem caso o cumprimento da mesma implicasse um acto criminoso; até uma concepção ampliativa onde nunca seria devida obediência ao superior nestes casos ( de ilegalidade), pois a  lei encontra-se acima destes.
Alguns dos argumentos usados para apoiar a primeira corrente dizem respeito à possibilidade de responsabilização do funcionário pela execução das ordens caso estas se viessem a revelar ilegais e possuísse ele a possibilidade de não as cumprir; bem como a falta de conhecimento das leis e preparação jurídica que é mais provável de se verificar no subordinado do que no superior; é também referido que em casos extremos, a possibilidade de exclusão ao dever de obediência pode até resultar numa perda de confiança dos executores nos dirigentes, bem como numa preparação menos escrupulosa das ordens por estes.
               Já o principal pilar da argumentação desta segunda corrente corresponde ao respeito que é necessário ter pelo princípio do Estado de Direito Democrático (presente no art.2º da CRP) e pelo princípio da legalidade da actuação da Administração Pública (presente no art. 266º/2 da CRP).
               Mais importante, contudo, será a identificação da corrente efectivamente consagrada pelo ordenamento jurídico português. Vindo este estipular nos artigos 271º/ 2 e 271º/3 da CRP, bem como no art. 10º do Estatuto Disciplinar da Função Pública os traços essenciais do regime jurídico, que consiste essencialmente no seguinte:
(i)              Cessa o dever de obediência se o cumprimento da ordem em questão implicar a prática de um crime pelo subordinado;
(ii)            Se o subordinado tiver determinada ordem recebida por ilegal, mas esta ilegalidade não constituir um crime pode reclamar ou exercer o direito de respeitosa representação, pedindo ao seu superior hierárquico uma confirmação por escrito da ordem que considera ilegal;
(iii)           Caso a demora suscitada pela confirmação da ordem por escrito não acarreta qualquer prejuízo para o interesse público, pode o subordinado aguardar, executando-a somente após a recepção da confirmação;
(iv)           Na eventualidade da demora suscitada vir a prejudicar o interesse público deverá o subordinado mencionar os termos exactos da ordem e do pedido de confirmação, bem como da impossibilidade de satisfação deste último, procedendo posteriormente ao cumprimento da ordem;

Cumprindo o subordinado estas disposições ficará excluído da responsabilidade pelos prejuízos causados pelo eventual cumprimento da ordem.

Bibliografia
Diogo Freitas do AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 4.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 2015
 João CAUPERS, Introdução ao Direito Administrativo, 10ª Edição, 2009
Marcello CAETANO, Manual de Direito Administrativo, vol. I
Marcello CAETANO, Manual de Direito Administrativo, vol. II



Miguel Romano, n.º 28159

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