quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

As Pessoas Coletivas de Utilidade Pública



Para chegarmos ao tema principal deste texto, que se prende com as pessoas coletivas de utilidade pública, é necessário fazer uma contextualização destas mesmas entidades, no sentido em que estas se inserem na categoria das instituições particulares de interesse público. Deste modo, importa fazer um pequeno esclarecimento quanto a essas instituições, para depois nos focarmos nas pessoas coletivas de utilidade pública.
Podemos dizer que as instituições particulares de interesse público são entidades privadas, criadas por iniciativa particular, com base em atos de direito privado, que prosseguem fins de interesse público. Desta maneira, por prosseguirem fins de interesse público, mas serem, ao mesmo tempo, entidades ou pessoas coletivas privas, apresentam um regime formado, em parte por normas de direito privado, e em parte por normas de direito administrativo.
Freitas do Amaral apresenta três motivos relacionados com a existência destas entidades e com o regime que se lhes aplica, que nos parece pertinente referir. Em primeiro lugar, faz referência ao apelo, por parte da Administração, aos capitais particulares e ao encargo de empresas privadas para o desempenho de função administrativa, como no caso das concessões de obras públicas. Isto prende-se com o facto de a Administração não poder dar conta de todas as tarefas que é necessário desenvolver em prol da coletividade. Depois, aponta para a submissão de determinadas coletividades privadas a uma fiscalização permanente ou a uma intervenção por parte da Administração Pública, por serem, de facto, relevantes no plano do interesse coletivo. Apresenta, neste caso, o exemplo das sociedades de interesse coletivo, no âmbito das quais é designado um delegado do Governo. Por fim, faz referência à admissão por parte da lei da criação de entidades privadas, em determinadas áreas de atividade, por iniciativa particular com o objetivo de prosseguirem tarefas de interesse geral. Estas seriam realizadas em simultâneo com a realização de atividades idênticas pela Administração Pública, dando exemplo das instituições de assistência.
Através destas razões apercebemo-nos, desde logo, do vasto contexto do conceito de instituições particulares de interesse público, de tal modo, que é possível estabelecer subdivisões em várias espécies ou categorias. Freitas do Amaral propõe uma síntese de quatro categorias: sociedades de interesse coletivo; pessoas coletivas de mera utilidade pública; instituições particulares de solidariedade social e pessoas coletivas de utilidade pública administrativa. Tendo em conta que as três últimas categorias podem inserir-se no conceito de pessoas coletivas de utilidade pública, ficamos, desta maneira, essencialmente com duas grandes subdivisões: sociedades de interesse coletivo e pessoas coletivas de utilidade pública.
Podemos agora centrar-nos no tema principal das pessoas coletivas de utilidade pública, uma vez que já verificámos o contexto em que se inserem, que de facto, tem relevância para o seu entendimento.
Em primeiro lugar, há que chamar a atenção para o facto de as pessoas coletivas de utilidade pública se distinguirem das de utilidade particular. Assim, podemos definir as primeiras como “as associações e fundações de direito privado que prosseguem fins não lucrativos de interesse geral, cooperando com a Administração Central ou Local, em termos de merecerem da parte desta a declaração de «utilidade pública»”; conforme consta do decreto-lei que regula estas pessoas coletivas – D.L n.º460/77, de 7 de novembro.
Da definição fornecida decorre que a pessoas coletivas de utilidade pública são pessoas coletivas privadas, que têm de prosseguir fins não lucrativos, de interesse geral, quer de âmbito nacional, quer local. Para além disto, têm de cooperar com a Administração Pública no desenvolvimento desses fins, necessitando também de uma declaração de utilidade pública por parte da Administração, sem a qual não se integram nesta categoria de “utilidade pública” de pessoas coletivas.
Distinguem-se visivelmente das sociedades de interesse coletivo, de fim lucrativo, podendo também referir que do ponto de vista jurídico as pessoas coletivas de utilidade pública assumem sempre a forma de associações, fundações ou cooperativas; enquanto que no outro tipo de entidades, estas são, em regra, sociedades. Tendo tudo isto em consideração, podemos incluir nesta categoria as Misericórdias; associações de bombeiros voluntários; os lares de idosos; creches; a Fundação Gulbenkian, entre outros.
Dentro desta categoria podem surgir várias classificações, em função do critério utilizado. Quanto à natureza do substrato dividem-se em associações, fundações e cooperativas. Quanto ao âmbito territorial em que atuam podem ser de utilidade pública geral, regional ou local, em correspondência com a prossecução de fins de interesse nacional, que interessem apenas a uma região ou a uma dada autarquia. Ainda quanto ao regime jurídico subdividem-se em três espécies: pessoas coletivas de mera utilidade pública; insituições particulares de solidariedade social e pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, por proposta de Freitas do Amaral.
Olhando individualmente para cada uma, podemos dizer que as primeiras, as pessoas coletivas de mera utilidade pública são reguladas pelo Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, de onde se pode retirar um certo número de benefícios e isenções, juntamente com alguns deveres e limitações. No entanto, a intervenção da Administração no seu funcionamento é mínima, não envolvendo tutela administrativa, nem controlo financeiro. Para além disto, deve ter-se ainda em conta que o conteúdo desta categoria se determina pela negativa ou por exclusão de partes. Ou seja, compreendem todas as pessoas coletivas de utilidade pública que não estejam inseridas nas outras duas categorias e que prossigam quaisquer fins de interesse geral, que não correspondam aos fins específicos dessas mesmas duas outras categorias.
As instituições particulares de solidariedade social relacionam-se com o dever moral de solidariedade e de justiça entre os indíviduos e, por isso, relacionam-se com fins de apoio a crianças e jovens; apoio à família; integração social e comunitária; proteção na velhice; promoção da saúde, educação, entre outros. Encontram-se reguladas no Decreto-Lei 119/83, de 25 de fevereiro, onde para além de se identificar privilégios e restrições especiais, é também possível constatar o direito ao apoio financeiro do Estado e a sujeição à tutela administrativa deste.
Quanto à última categoria ou espécie, as pessoas coletivas de utlidade pública administrativa são pessoas coletivas que, não sendo instituições particulares de solidariedade social, prosseguem alguns dos fins previstos no artigo 416.º do Código Administrativo. É neste código, pois, que se encontram reguladas, de onde se destaca a tutela administrativa e o controlo financeira do Estado. Pertencem a esta espécie associações humanitárias que visem socorrer feridos, doentes; a extinção de incêncios.
Continuando no ponto relativo ao regime jurídico, é possível retirar traços fundamentais e gerais do Decreto-lei n.º460/77, de 7 de novembro. Podemos, assim, referir que as pessoas coletivas de utilidade pública têm de estar registadas numa base de dados da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros; gozam de isenções fiscais previstos nas leis tributárias; podem requerer a expropriação por utilidade pública, mesmo urgente dos terrenos de que necessitem para prosseguir os seus fins. Para além disto, têm de enviar anualmente à Administração quaisquer informações solicitadas.
Estes traços estão, portanto, associados às três espécies atrás referidas, havendo, no entanto, como se percebe outros traços específicos a considerar quanto às duas últimas categorias referidas. Assim, as instituições particulares de solidariedade social estão abrangidas por princípios como o do apoio do Estado e Autarquias Locais; por regras sobre a criação, organização, gestão e extinção, bem como por normas sobre fiscalização administrativa, que lhes são próprios e característicos. Quanto às pessoas coletivas de utilidade pública administrativa há a destacar a sujeição dos seus atos e atividades às regras de contabilidade pública, ao controlo do Tribunal de Contas e à fiscalização dos tribunais administrativos.
Para finalizar é importante abordar a questão que se prende com o saber se as pessoas coletivas de utilidade pública podem ser consideradas elemento da Administração Pública, no seu sentido orgânico, ou não.
São apresentadas: uma tese clássica, sustentada por Marcello Caetano e uma tese que à primeira se opunha, sustentada por Afonso Queiró. A tese clássica defendia que estas pessoas coletiva eram de direito privado e não público, por terem origem em inciativa de particulares, onde os fins eram, também, por eles determinados, mas cujo o reconhecimento resultava de ato do Poder Público. A tese de Afonso Queiró já considerava estas entidades como entidades de direito público, integradas na Administração, por estarem sujeitas, no essencial, a um regime jurídico de direito público, como por exemplo, a submissão à tutela administrativa; a aplicação ao respetivo pessoal do regime do funcionalismo público, no caso das pessoas coletivas de utilidade pública administrativa.
Para concluir, do ponto de vista de Freitas do Amaral surgiram, após o 25 de Abril, alguns preceitos e decretos com o sentido de considerar todas as pessoas coletivas de utilidade pública, como entidades privadas que cooperam com a Administração, e não como elementos integrantes desta. Assim, conclui Freitas do Amaral, que estas entidades não se integram na Administração como seus elementos.

Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas. – Curso de Direito Administrativo. 4-ª Edição. Coimbra: Edições Almedina, 2015. pp 583-611.


Catarina Madeira n.º 28263

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