Para chegarmos ao tema principal deste texto, que se
prende com as pessoas coletivas de utilidade pública, é necessário fazer uma
contextualização destas mesmas entidades, no sentido em que estas se inserem na
categoria das instituições particulares de interesse público. Deste modo,
importa fazer um pequeno esclarecimento quanto a essas instituições, para
depois nos focarmos nas pessoas coletivas de utilidade pública.
Podemos dizer que as instituições particulares de
interesse público são entidades privadas, criadas por iniciativa particular,
com base em atos de direito privado, que prosseguem fins de interesse público.
Desta maneira, por prosseguirem fins de interesse público, mas serem, ao mesmo
tempo, entidades ou pessoas coletivas privas, apresentam um regime formado, em
parte por normas de direito privado, e em parte por normas de direito
administrativo.
Freitas do Amaral apresenta três motivos relacionados
com a existência destas entidades e com o regime que se lhes aplica, que nos
parece pertinente referir. Em primeiro lugar, faz referência ao apelo, por
parte da Administração, aos capitais particulares e ao encargo de empresas
privadas para o desempenho de função administrativa, como no caso das concessões
de obras públicas. Isto prende-se com o facto de a Administração não poder dar
conta de todas as tarefas que é necessário desenvolver em prol da coletividade.
Depois, aponta para a submissão de determinadas coletividades privadas a uma
fiscalização permanente ou a uma intervenção por parte da Administração
Pública, por serem, de facto, relevantes no plano do interesse coletivo.
Apresenta, neste caso, o exemplo das sociedades de interesse coletivo, no
âmbito das quais é designado um delegado do Governo. Por fim, faz referência à
admissão por parte da lei da criação de entidades privadas, em determinadas
áreas de atividade, por iniciativa particular com o objetivo de prosseguirem
tarefas de interesse geral. Estas seriam realizadas em simultâneo com a realização
de atividades idênticas pela Administração Pública, dando exemplo das
instituições de assistência.
Através destas razões apercebemo-nos, desde logo, do
vasto contexto do conceito de instituições particulares de interesse público,
de tal modo, que é possível estabelecer subdivisões em várias espécies ou
categorias. Freitas do Amaral propõe uma síntese de quatro categorias:
sociedades de interesse coletivo; pessoas coletivas de mera utilidade pública;
instituições particulares de solidariedade social e pessoas coletivas de
utilidade pública administrativa. Tendo em conta que as três últimas categorias
podem inserir-se no conceito de pessoas coletivas de utilidade pública,
ficamos, desta maneira, essencialmente com duas grandes subdivisões: sociedades
de interesse coletivo e pessoas coletivas de utilidade pública.
Podemos agora centrar-nos no tema principal das
pessoas coletivas de utilidade pública, uma vez que já verificámos o contexto
em que se inserem, que de facto, tem relevância para o seu entendimento.
Em primeiro lugar, há que chamar a atenção para o
facto de as pessoas coletivas de utilidade pública se distinguirem das de
utilidade particular. Assim, podemos definir as primeiras como “as associações
e fundações de direito privado que prosseguem fins não lucrativos de interesse
geral, cooperando com a Administração Central ou Local, em termos de merecerem
da parte desta a declaração de «utilidade pública»”; conforme consta do
decreto-lei que regula estas pessoas coletivas – D.L n.º460/77, de 7 de novembro.
Da definição fornecida decorre que a pessoas coletivas
de utilidade pública são pessoas coletivas privadas, que têm de prosseguir fins
não lucrativos, de interesse geral, quer de âmbito nacional, quer local. Para
além disto, têm de cooperar com a Administração Pública no desenvolvimento
desses fins, necessitando também de uma declaração de utilidade pública por
parte da Administração, sem a qual não se integram nesta categoria de
“utilidade pública” de pessoas coletivas.
Distinguem-se visivelmente das sociedades de interesse
coletivo, de fim lucrativo, podendo também referir que do ponto de vista
jurídico as pessoas coletivas de utilidade pública assumem sempre a forma de
associações, fundações ou cooperativas; enquanto que no outro tipo de
entidades, estas são, em regra, sociedades. Tendo tudo isto em consideração,
podemos incluir nesta categoria as Misericórdias; associações de bombeiros
voluntários; os lares de idosos; creches; a Fundação Gulbenkian, entre outros.
Dentro desta categoria podem surgir várias
classificações, em função do critério utilizado. Quanto à natureza do substrato
dividem-se em associações, fundações e cooperativas. Quanto ao âmbito
territorial em que atuam podem ser de utilidade pública geral, regional ou
local, em correspondência com a prossecução de fins de interesse nacional, que
interessem apenas a uma região ou a uma dada autarquia. Ainda quanto ao regime
jurídico subdividem-se em três espécies: pessoas coletivas de mera utilidade
pública; insituições particulares de solidariedade social e pessoas coletivas
de utilidade pública administrativa, por proposta de Freitas do Amaral.
Olhando individualmente para cada uma, podemos dizer
que as primeiras, as pessoas coletivas de mera utilidade pública são reguladas
pelo Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, de onde se pode retirar um certo
número de benefícios e isenções, juntamente com alguns deveres e limitações. No
entanto, a intervenção da Administração no seu funcionamento é mínima, não
envolvendo tutela administrativa, nem controlo financeiro. Para além disto,
deve ter-se ainda em conta que o conteúdo desta categoria se determina pela
negativa ou por exclusão de partes. Ou seja, compreendem todas as pessoas
coletivas de utilidade pública que não estejam inseridas nas outras duas
categorias e que prossigam quaisquer fins de interesse geral, que não
correspondam aos fins específicos dessas mesmas duas outras categorias.
As instituições particulares de solidariedade social
relacionam-se com o dever moral de solidariedade e de justiça entre os
indíviduos e, por isso, relacionam-se com fins de apoio a crianças e jovens;
apoio à família; integração social e comunitária; proteção na velhice; promoção
da saúde, educação, entre outros. Encontram-se reguladas no Decreto-Lei 119/83,
de 25 de fevereiro, onde para além de se identificar privilégios e restrições
especiais, é também possível constatar o direito ao apoio financeiro do Estado
e a sujeição à tutela administrativa deste.
Quanto à última categoria ou espécie, as pessoas
coletivas de utlidade pública administrativa são pessoas coletivas que, não
sendo instituições particulares de solidariedade social, prosseguem alguns dos
fins previstos no artigo 416.º do Código Administrativo. É neste código, pois,
que se encontram reguladas, de onde se destaca a tutela administrativa e o
controlo financeira do Estado. Pertencem a esta espécie associações
humanitárias que visem socorrer feridos, doentes; a extinção de incêncios.
Continuando no ponto relativo ao regime jurídico, é
possível retirar traços fundamentais e gerais do Decreto-lei n.º460/77, de 7 de
novembro. Podemos, assim, referir que as pessoas coletivas de utilidade pública
têm de estar registadas numa base de dados da Secretaria-Geral da Presidência
do Conselho de Ministros; gozam de isenções fiscais previstos nas leis
tributárias; podem requerer a expropriação por utilidade pública, mesmo urgente
dos terrenos de que necessitem para prosseguir os seus fins. Para além disto,
têm de enviar anualmente à Administração quaisquer informações solicitadas.
Estes traços estão, portanto, associados às três
espécies atrás referidas, havendo, no entanto, como se percebe outros traços
específicos a considerar quanto às duas últimas categorias referidas. Assim, as
instituições particulares de solidariedade social estão abrangidas por
princípios como o do apoio do Estado e Autarquias Locais; por regras sobre a
criação, organização, gestão e extinção, bem como por normas sobre fiscalização
administrativa, que lhes são próprios e característicos. Quanto às pessoas
coletivas de utilidade pública administrativa há a destacar a sujeição dos seus
atos e atividades às regras de contabilidade pública, ao controlo do Tribunal
de Contas e à fiscalização dos tribunais administrativos.
Para finalizar é importante abordar a questão que se
prende com o saber se as pessoas coletivas de utilidade pública podem ser
consideradas elemento da Administração Pública, no seu sentido orgânico, ou
não.
São apresentadas: uma tese clássica, sustentada por
Marcello Caetano e uma tese que à primeira se opunha, sustentada por Afonso
Queiró. A tese clássica defendia que estas pessoas coletiva eram de direito
privado e não público, por terem origem em inciativa de particulares, onde os
fins eram, também, por eles determinados, mas cujo o reconhecimento resultava
de ato do Poder Público. A tese de Afonso Queiró já considerava estas entidades
como entidades de direito público, integradas na Administração, por estarem
sujeitas, no essencial, a um regime jurídico de direito público, como por
exemplo, a submissão à tutela administrativa; a aplicação ao respetivo pessoal
do regime do funcionalismo público, no caso das pessoas coletivas de utilidade
pública administrativa.
Para concluir, do ponto de vista de Freitas do Amaral
surgiram, após o 25 de Abril, alguns preceitos e decretos com o sentido de
considerar todas as pessoas coletivas de utilidade pública, como entidades
privadas que cooperam com a Administração, e não como elementos integrantes
desta. Assim, conclui Freitas do Amaral, que estas entidades não se integram na
Administração como seus elementos.
Bibliografia:
AMARAL, Diogo
Freitas. – Curso de Direito
Administrativo. 4-ª Edição. Coimbra: Edições Almedina, 2015. pp 583-611.
Catarina Madeira
n.º 28263
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