O conceito de tutela
administrativa diz respeito, de acordo com o Professor Diogo Freitas do Amaral,
ao conjunto de poderes de intervenção de
uma pessoa coletiva pública na gestão de outra pessoa coletiva, a fim de
assegurar a legalidade ou o mérito na sua atuação.[1]
A tutela administrativa pressupõe
a existências de duas pessoas coletivas distintas- a tutelar e a tutelada. Entre
estas duas pessoas coletivas a primeira é necessariamente pública, a segunda é,
na maior parte dos casos, também[2].
Os poderes desta tutela são de
intervenção na gestão da pessoa tutelada, sendo por isso, o fim da tutela
administrativa o assegurar, em nome da entidade tutelar, que a entidade
tutelada cumpre as leis em vigor e garantir que são selecionadas soluções
convenientes para a prossecução do interesse público.
A tutela administrativa tem
apenas lugar entre duas pessoas jurídicas diferentes e autónomas.
Estes poderes tutelares
substituem a hierarquia onde ela não só não existe, como não pode existir, ora
hierarquia indica a subordinação de uns órgãos a outros, por outro lado, a
autonomia pressupõe a competência de um órgão para decidir sem receber ordens
nem ficar dependente de qualquer outro. Marcello Caetano releva a tendência centrifuga destes órgãos
autónomos e como esta oferece perigo de descoordenação de esforços e da
multiplicação de atividades com o mesmo objeto – daí a instituição pela lei de
formas de fiscalização, correção e coordenação dessas entidades por outras.
Podem ser encontradas várias
distinções[3]
entre as formas que a tutela administrativa pode assumir no nosso Direito,
seguiremos a apresentada pelos Professores Marcello Caetano e Sérvulo Correia,
que difere entre tutela corretiva, tutela inspetiva e substitutiva.
Em relação à primeira podemos
dizer que pretende corrigir os inconvenientes que possam resultar do conteúdo
dos atos projetados, ou já decidimos pelos órgãos tutelados – assim sendo, a
lei exige que se o ato ainda se encontrar em projeto seja submetido à
autorização da pessoa coletiva tutelar, aquilo a que chamamos tutela a priori, e é declarada a invalidade do
ato praticado sem ela. É também possível referir a tutela a posteriori que se baseia na aprovação – expressa ou tácita –
exercida sobre um ato já praticado, no entanto, este só se torna executório
graças a ela.
Já a tutela inspetiva, de acordo
o Professor Marcello Caetano, consiste no
poder de fiscalizar os órgãos e os serviços da pessoa coletiva para o efeito de
promover a aplicação de sanções contra as ilegalidades ou a má gestão – o que se resume à tutela exercida
sobre as autarquias locais[4].
A tutela inspetiva, no que diz
respeito às autarquias é apenas de legalidade – art. 91º/2 da Lei das Autarquias
Locais – não chega ao exercício oficioso de um poder de revogação.
Por fim, a tutela substitutiva
que consiste no poder da autoridade de tutela de suprir as omissões do órgão
tutelado e, no lugar deste praticar os atos que, contra expressa imposição
legal, não hajam sido produzidos na ocasião determinada.
Importa também referir as linhas gerais do
regime jurídico da tutela administrativa:
- Ela não se presume (só existe quando e nos
termos em que a lei especificamente a estabelecer);
- Sobre as autarquias locais há uma mera
tutela de legalidade;
- Os órgãos autárquicos podem consultar o
Governo sobre dúvidas de interpretação de diplomas legais, mas as respostas são
meros pareceres, de carácter não vinculativo;
- A entidade tutelada tem legitimidade para
impugnar administrativa e contenciosamente os atos pelos quais a entidade
tutelada exerça os seus poderes de tutela.
No que diz respeito à superintendência, o professor
João Caupers, como a relação entre duas pessoas coletivas que confere aos órgãos de uma delas os poderes
de definir os objetivos e orientar a atuação dos órgãos da outra.
Esta relação estabelece-se quando uma das
pessoas coletivas envolvidas se encontra, em alguma medida, da dependência da
outra[5].
As diretivas e as recomendações são os
instrumentos típicos da superintendência. São-no, uma vez que, são aquelas que
impõem as metas a atingir, mas, não obstante, mantêm a liberdade quanto aos
meios para o fazer. Caupers chama-lhes opiniões acompanhadas de
um convite para agir num certo sentido.
Os institutos e empresas públicos, por
estarem sujeitos a superintendência (por exercerem administrativa indirecta por
devolução de poderes), não deixam por isso de estar sujeitos a tutela
administrativa.
Duas pessoas coletivas podem
estar simultaneamente ligadas por relações de superintendência e tutela. Esta ocorrência
pode dar-se em relação às entidades que compõem a administração instrumental do
Estado[6].
Olhando a nossa Constituição de 1982, temos
no art. 202.º a base jurídica da distinção entre tutela administrativa e
superintendência – ao Governo cabe a responsabilidade da superintendência da
administração indireta do estado, possuindo designadamente o poder de
orientação.
A
superintendência é um poder mais forte do que a tutela administrativa (porque
define a orientação da conduta alheia, enquanto esta apenas controla a sua
regularidade ou adequação; aquela orienta, esta controla), e menos forte que o
poder de direção (este é típico da hierarquia e consiste na faculdade do
superior dar ordens ou instruções, enquanto a superintendência é apenas uma
faculdade de emitir diretivas ou recomendações).
Bibliografia
Caetano, Marcello – Manual
de Direito Administrativo Vol. I, 10ª Edição, Lisboa, 1973
Correia, J. M. Sérvulo – Noções
de Direito Administrativo Vol. I, Danúbio 1982
Caetano, Marcello – Princípios
fundamentais do Direito Administrativo, Almedina 1996
AMARAL, Diogo Freitas do – Curso de Direito Administrativo Vol. I, 2ª Edição, Almedina 2001
Caupers, João – Introdução ao Direito Administrativo,
9ª Edição, Lisboa
[1]
Marcello
Caetano contrapõe esta realidade com a de alguns dos países sul americanos em
que se utiliza a expressão contralor que
engloba todas a formas de fiscalização da legalidade e da regularidade da
atividade Administrativa- a exercida por órgãos legislativos, executivos ou
judiciais e inclui também a do Tribunal de Contas.
[2]
O Professor Freitas do Amaral lembra que não deveria ser aceite o exercício de
poderes sobre pessoas coletivas privadas, no entanto, há leis que o impõem e a
nossa Constituição permite-o.
[3] Freitas
do Amaral distingue cinco formas distintivas: a tutela integrativa; a tutela
inspetiva; a tutela sancionatória; a tutela revogatória e a tutela substitutiva
in Curso de Direito Administrativo Vol. I,
2ª Edição – p. 702-706
[4] No
Continente compete ao Governo da República e nas Regiões Autónomas aos Governos
Regionais – art. 243º/1 CRP. À luz do art. 91º da LAL (Lei n.º 169/99, de 18 de
setembro) tutela do Governo é exercida pelo governador civil e superintendida
pelos Ministérios da Administração Interna e das Finanças.
[5] Na
maioria dos casos foi a segunda que criou a primeira.
[6] No entanto,
se nos referirmos às entidades que integram a administração autónoma
(autarquias locais) apenas têm com o Estado uma relação de tutela.
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