quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A Relação entre a Tutela e Superintendência do Estado

   O conceito de tutela administrativa diz respeito, de acordo com o Professor Diogo Freitas do Amaral, ao conjunto de poderes de intervenção de uma pessoa coletiva pública na gestão de outra pessoa coletiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito na sua atuação.[1]
   A tutela administrativa pressupõe a existências de duas pessoas coletivas distintas- a tutelar e a tutelada. Entre estas duas pessoas coletivas a primeira é necessariamente pública, a segunda é, na maior parte dos casos, também[2].
   Os poderes desta tutela são de intervenção na gestão da pessoa tutelada, sendo por isso, o fim da tutela administrativa o assegurar, em nome da entidade tutelar, que a entidade tutelada cumpre as leis em vigor e garantir que são selecionadas soluções convenientes para a prossecução do interesse público.
   A tutela administrativa tem apenas lugar entre duas pessoas jurídicas diferentes e autónomas.
  Estes poderes tutelares substituem a hierarquia onde ela não só não existe, como não pode existir, ora hierarquia indica a subordinação de uns órgãos a outros, por outro lado, a autonomia pressupõe a competência de um órgão para decidir sem receber ordens nem ficar dependente de qualquer outro. Marcello Caetano releva a tendência centrifuga destes órgãos autónomos e como esta oferece perigo de descoordenação de esforços e da multiplicação de atividades com o mesmo objeto – daí a instituição pela lei de formas de fiscalização, correção e coordenação dessas entidades por outras.  
   Podem ser encontradas várias distinções[3] entre as formas que a tutela administrativa pode assumir no nosso Direito, seguiremos a apresentada pelos Professores Marcello Caetano e Sérvulo Correia, que difere entre tutela corretiva, tutela inspetiva e substitutiva.
   Em relação à primeira podemos dizer que pretende corrigir os inconvenientes que possam resultar do conteúdo dos atos projetados, ou já decidimos pelos órgãos tutelados – assim sendo, a lei exige que se o ato ainda se encontrar em projeto seja submetido à autorização da pessoa coletiva tutelar, aquilo a que chamamos tutela a priori, e é declarada a invalidade do ato praticado sem ela. É também possível referir a tutela a posteriori que se baseia na aprovação – expressa ou tácita – exercida sobre um ato já praticado, no entanto, este só se torna executório graças a ela.
   Já a tutela inspetiva, de acordo o Professor Marcello Caetano, consiste no poder de fiscalizar os órgãos e os serviços da pessoa coletiva para o efeito de promover a aplicação de sanções contra as ilegalidades ou a má gestão o que se resume à tutela exercida sobre as autarquias locais[4].
A tutela inspetiva, no que diz respeito às autarquias é apenas de legalidade – art. 91º/2 da Lei das Autarquias Locais – não chega ao exercício oficioso de um poder de revogação.
   Por fim, a tutela substitutiva que consiste no poder da autoridade de tutela de suprir as omissões do órgão tutelado e, no lugar deste praticar os atos que, contra expressa imposição legal, não hajam sido produzidos na ocasião determinada.
   Importa também referir as linhas gerais do regime jurídico da tutela administrativa:
      - Ela não se presume (só existe quando e nos termos em que a lei especificamente a estabelecer);
      - Sobre as autarquias locais há uma mera tutela de legalidade;
     - Os órgãos autárquicos podem consultar o Governo sobre dúvidas de interpretação de diplomas legais, mas as respostas são meros pareceres, de carácter não vinculativo;
     - A entidade tutelada tem legitimidade para impugnar administrativa e contenciosamente os atos pelos quais a entidade tutelada exerça os seus poderes de tutela.
   No que diz respeito à superintendência, o professor João Caupers, como a relação entre duas pessoas coletivas que confere aos órgãos de uma delas os poderes de definir os objetivos e orientar a atuação dos órgãos da outra.
   Esta relação estabelece-se quando uma das pessoas coletivas envolvidas se encontra, em alguma medida, da dependência da outra[5].
   As diretivas e as recomendações são os instrumentos típicos da superintendência. São-no, uma vez que, são aquelas que impõem as metas a atingir, mas, não obstante, mantêm a liberdade quanto aos meios para o fazer. Caupers chama-lhes opiniões acompanhadas de um convite para agir num certo sentido.

Os institutos e empresas públicos, por estarem sujeitos a superintendência (por exercerem administrativa indirecta por devolução de poderes), não deixam por isso de estar sujeitos a tutela administrativa.
Duas pessoas coletivas podem estar simultaneamente ligadas por relações de superintendência e tutela. Esta ocorrência pode dar-se em relação às entidades que compõem a administração instrumental do Estado[6].
Olhando a nossa Constituição de 1982, temos no art. 202.º a base jurídica da distinção entre tutela administrativa e superintendência – ao Governo cabe a responsabilidade da superintendência da administração indireta do estado, possuindo designadamente o poder de orientação.
A superintendência é um poder mais forte do que a tutela administrativa (porque define a orientação da conduta alheia, enquanto esta apenas controla a sua regularidade ou adequação; aquela orienta, esta controla), e menos forte que o poder de direção (este é típico da hierarquia e consiste na faculdade do superior dar ordens ou instruções, enquanto a superintendência é apenas uma faculdade de emitir diretivas ou recomendações).


  Ana Clara Graça, 26683

Bibliografia
Caetano, Marcello – Manual de Direito Administrativo Vol. I, 10ª Edição, Lisboa, 1973
Correia, J. M. Sérvulo – Noções de Direito Administrativo Vol. I, Danúbio 1982
Caetano, Marcello – Princípios fundamentais do Direito Administrativo, Almedina 1996  
AMARAL, Diogo Freitas do – Curso de Direito Administrativo Vol. I, 2ª Edição, Almedina 2001
Caupers, João – Introdução ao Direito Administrativo, 9ª Edição, Lisboa


[1] Marcello Caetano contrapõe esta realidade com a de alguns dos países sul americanos em que se utiliza a expressão contralor que engloba todas a formas de fiscalização da legalidade e da regularidade da atividade Administrativa- a exercida por órgãos legislativos, executivos ou judiciais e inclui também a do Tribunal de Contas.
[2] O Professor Freitas do Amaral lembra que não deveria ser aceite o exercício de poderes sobre pessoas coletivas privadas, no entanto, há leis que o impõem e a nossa Constituição permite-o.
[3] Freitas do Amaral distingue cinco formas distintivas: a tutela integrativa; a tutela inspetiva; a tutela sancionatória; a tutela revogatória e a tutela substitutiva in Curso de Direito Administrativo Vol. I, 2ª Edição – p. 702-706
[4] No Continente compete ao Governo da República e nas Regiões Autónomas aos Governos Regionais – art. 243º/1 CRP. À luz do art. 91º da LAL (Lei n.º 169/99, de 18 de setembro) tutela do Governo é exercida pelo governador civil e superintendida pelos Ministérios da Administração Interna e das Finanças.
[5] Na maioria dos casos foi a segunda que criou a primeira.
[6] No entanto, se nos referirmos às entidades que integram a administração autónoma (autarquias locais) apenas têm com o Estado uma relação de tutela.

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