O princípio da separação de poderes que prevalecia no Estado de Direito
Liberal está, nos dias que correm, ultrapassado. No entanto, continua a ter
alguma relevância na Constituição da República Portuguesa. Os artigos 111.º/1 e
288.º/al. j), exprimem que “os órgãos de soberania devem e, após a revisão de
1977, a nossa Constituição, no seu artigo 2.º, refere-se à ideia da “separação
e interdependência de poderes como uma das suas bases fundamentais”.
Seguindo a linha de
pensamento do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, o princípio da separação de
poderes divide-se, actualmente, em duas dimensões: uma negativa e outra
positiva. A primeira é originária do Estado Liberal e tem que ver com a
prevenção da concentração de poderes e o seu consequente abuso. Deste modo, a
dimensão negativa do princípio da separação de poderes impõe que os órgãos do
poder só podem exercer as funções do Estado para as quais tenham competência
constitucional para desempenhar. Não podendo, assim, praticar actos que
reconduzam a outra função do Estado.
Já a “contemporânea
concepção positiva” deste princípio, exige que as funções do Estado sejam
distribuídas pelos órgãos mais adequados, com base nas ideias de aptidão,
responsabilidade e legitimação, para tomarem a decisão mais viável e para que
possam ser devidamente responsabilizados pelas mesmas.
Existe uma reserva de
jurisdição em face da administração visto que os tribunais são os órgãos
constituídos por “titulares com preparação especializada e ocupam uma posição
de imparcialidade e independência”, estando, por isso, mais devidamente
preparados para se pronunciarem sobre questões jurídicas. Também o artigo
202.º/1 da Constituição da República Portuguesa providencia uma reserva de
jurisdição aos tribunais: “os tribunais são os órgãos de soberania com
competência para administrar a justiça em nome do povo”. Ou seja, salvo certas
e reduzidas excepções, qualquer lei que invista a administração do exercício da
função jurisdicional é inconstitucional.
Nos termos do artigo
202.º/2 os tribunais só têm competência para “reprimir a violação da legalidade
democrática” e não a fiscalizar o mérito da actuação publica; a Constituição da
República Portuguesa não reserva expressamente a função administrativa aos órgãos
administrativos. Estamos perante a chamada margem de livre decisão
administrativa cujo, segundo o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, “exercício os
tribunais podem controlar precisamente apenas na medida em que tenha envolvido
a violação de um qualquer parâmetro de conformidade jurídica”. Portanto,
consoante o peso e a configuração dos princípios constitucionais limitadores da
liberdade administrativa no caso concreto, a extensão da reserva de
administração é variável perante os tribunais.
Por seu turno, a reserva
de legislação perante a administração é assegurada pelo princípio da legalidade
(“principio concretizador da separação de poderes”). Isto significa que, o
facto de ser dada uma primazia à lei não permite que a administração revogue os
actos legislativos.
Quanto à reserva de
administração perante a legislação, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa afirma
que é “indiscutível a existência de reservas específicas de administração
perante o legislador”. Aliás, algumas destas são constitucionalmente garantidas:
artigos 76.º/2, 225.º/3, 228.º e 241.º da Constituição da República Portuguesa
– para além do que é necessariamente exigido pela reserva da lei, a emissão de
legislação é, nestes casos, proibida. Neste sentido, uma das grandes questões
suscitadas pelo principio da separação de poderes é se existe ou não uma
reserva geral de exercício da função administrativa, havendo divergências
doutrinárias e na jurisprudência portuguesas.
A posição maioritariamente
adoptada relativamente a esta questão defende que não existem limites à função
legislativa, o que significa que a lei, assumindo conteúdos e funções típicas
de actos administrativos, poderia interferir com a vigência de contratos
administrativos. O Professor Marcelo Rebelo de Sousa opõe-se a esta opção
doutrinária: “A inexistência de quaisquer limites à função legislativa perante
a administração é totalmente incompatível com o princípio da separação de
poderes”.
Tomando, portanto, esta
última linha de doutrina, afere-se que a extensão exacta da reserva de
administração não pode ser definida “a 100%”, por assim dizer: o princípio da
separação de poderes veda qualquer intervenção do legislador em matérias que
envolvam o exercício da função administrativa. Primeiramente porque nenhum
outro órgão é mais apto e se encontra mias legitimado para exercer a função
administrativa do que a administração; e, em segundo lugar, porque há-que ter
em conta o artigo 182.º da CRP que define o papel do Governo como órgão de
condução da política geral do país e superior à administração pública (que
ficaria em perigo caso a Assembleia da República fosse admitida a intervir em
tais matérias).
Tudo isto referente ao princípio da separação de poderes
tem, também, que ver com o princípio da descentralização. Isto é, quando a nossa
Constituição “aconselha” a Administração Pública a ser descentralizada,
subentende-se que qualquer política que tenha um sentido e/ou uma inclinação
mais centralizadora é de se recusar: “o legislador ordinário tem liberdade para
ser mais ou menos rápido na execução da política descentralizadora, mas não tem
o direito de prosseguir uma política centralizadora”.
Conclui-se, então, que o
princípio da separação de poderes está presente na nossa legislação, directa
e/ou indirectamente, há vários anos. Este princípio vem “reforçar”, por assim
dizer, o princípio da descentralização: sem a separação de poderes, estes
estariam concentrados num só órgão o que, baseado nos factos históricos, viria
a originar um abuso de poder devido à centralização – nas palavras do Professor
Marcelo Rebelo de Sousa, “o significado último do princípio da separação de
poderes é precisamente o de evitar que a distribuição do poder pelo aparelho
público conduza a situações de omnipotência”. No entanto, não nos podemos
esquecer que, quer o princípio da separação de poderes, quer o princípio da
descentralização, são “apenas” princípios e não de uma regra constitucional.
Bibliografia:
CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vols. I e II;
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 2015, 4.
Edição, Edições Almedina, S.A.
Mariana Duarte Nemésio, n.º 28519
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