sexta-feira, 25 de novembro de 2016

O Princípio da Separação de Poderes

O princípio da separação de poderes que prevalecia no Estado de Direito Liberal está, nos dias que correm, ultrapassado. No entanto, continua a ter alguma relevância na Constituição da República Portuguesa. Os artigos 111.º/1 e 288.º/al. j), exprimem que “os órgãos de soberania devem e, após a revisão de 1977, a nossa Constituição, no seu artigo 2.º, refere-se à ideia da “separação e interdependência de poderes como uma das suas bases fundamentais”.
            Seguindo a linha de pensamento do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, o princípio da separação de poderes divide-se, actualmente, em duas dimensões: uma negativa e outra positiva. A primeira é originária do Estado Liberal e tem que ver com a prevenção da concentração de poderes e o seu consequente abuso. Deste modo, a dimensão negativa do princípio da separação de poderes impõe que os órgãos do poder só podem exercer as funções do Estado para as quais tenham competência constitucional para desempenhar. Não podendo, assim, praticar actos que reconduzam a outra função do Estado.
            Já a “contemporânea concepção positiva” deste princípio, exige que as funções do Estado sejam distribuídas pelos órgãos mais adequados, com base nas ideias de aptidão, responsabilidade e legitimação, para tomarem a decisão mais viável e para que possam ser devidamente responsabilizados pelas mesmas.
            Existe uma reserva de jurisdição em face da administração visto que os tribunais são os órgãos constituídos por “titulares com preparação especializada e ocupam uma posição de imparcialidade e independência”, estando, por isso, mais devidamente preparados para se pronunciarem sobre questões jurídicas. Também o artigo 202.º/1 da Constituição da República Portuguesa providencia uma reserva de jurisdição aos tribunais: “os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo”. Ou seja, salvo certas e reduzidas excepções, qualquer lei que invista a administração do exercício da função jurisdicional é inconstitucional.
            Nos termos do artigo 202.º/2 os tribunais só têm competência para “reprimir a violação da legalidade democrática” e não a fiscalizar o mérito da actuação publica; a Constituição da República Portuguesa não reserva expressamente a função administrativa aos órgãos administrativos. Estamos perante a chamada margem de livre decisão administrativa cujo, segundo o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, “exercício os tribunais podem controlar precisamente apenas na medida em que tenha envolvido a violação de um qualquer parâmetro de conformidade jurídica”. Portanto, consoante o peso e a configuração dos princípios constitucionais limitadores da liberdade administrativa no caso concreto, a extensão da reserva de administração é variável perante os tribunais.
            Por seu turno, a reserva de legislação perante a administração é assegurada pelo princípio da legalidade (“principio concretizador da separação de poderes”). Isto significa que, o facto de ser dada uma primazia à lei não permite que a administração revogue os actos legislativos.
            Quanto à reserva de administração perante a legislação, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa afirma que é “indiscutível a existência de reservas específicas de administração perante o legislador”. Aliás, algumas destas são constitucionalmente garantidas: artigos 76.º/2, 225.º/3, 228.º e 241.º da Constituição da República Portuguesa – para além do que é necessariamente exigido pela reserva da lei, a emissão de legislação é, nestes casos, proibida. Neste sentido, uma das grandes questões suscitadas pelo principio da separação de poderes é se existe ou não uma reserva geral de exercício da função administrativa, havendo divergências doutrinárias e na jurisprudência portuguesas.
            A posição maioritariamente adoptada relativamente a esta questão defende que não existem limites à função legislativa, o que significa que a lei, assumindo conteúdos e funções típicas de actos administrativos, poderia interferir com a vigência de contratos administrativos. O Professor Marcelo Rebelo de Sousa opõe-se a esta opção doutrinária: “A inexistência de quaisquer limites à função legislativa perante a administração é totalmente incompatível com o princípio da separação de poderes”.
            Tomando, portanto, esta última linha de doutrina, afere-se que a extensão exacta da reserva de administração não pode ser definida “a 100%”, por assim dizer: o princípio da separação de poderes veda qualquer intervenção do legislador em matérias que envolvam o exercício da função administrativa. Primeiramente porque nenhum outro órgão é mais apto e se encontra mias legitimado para exercer a função administrativa do que a administração; e, em segundo lugar, porque há-que ter em conta o artigo 182.º da CRP que define o papel do Governo como órgão de condução da política geral do país e superior à administração pública (que ficaria em perigo caso a Assembleia da República fosse admitida a intervir em tais matérias).
Tudo isto referente ao princípio da separação de poderes tem, também, que ver com o princípio da descentralização. Isto é, quando a nossa Constituição “aconselha” a Administração Pública a ser descentralizada, subentende-se que qualquer política que tenha um sentido e/ou uma inclinação mais centralizadora é de se recusar: “o legislador ordinário tem liberdade para ser mais ou menos rápido na execução da política descentralizadora, mas não tem o direito de prosseguir uma política centralizadora”.
            Conclui-se, então, que o princípio da separação de poderes está presente na nossa legislação, directa e/ou indirectamente, há vários anos. Este princípio vem “reforçar”, por assim dizer, o princípio da descentralização: sem a separação de poderes, estes estariam concentrados num só órgão o que, baseado nos factos históricos, viria a originar um abuso de poder devido à centralização – nas palavras do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, “o significado último do princípio da separação de poderes é precisamente o de evitar que a distribuição do poder pelo aparelho público conduza a situações de omnipotência”. No entanto, não nos podemos esquecer que, quer o princípio da separação de poderes, quer o princípio da descentralização, são “apenas” princípios e não de uma regra constitucional. 


Bibliografia:
CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vols. I e II;
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 2015, 4. Edição, Edições Almedina, S.A.



Mariana Duarte Nemésio, n.º 28519

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