segunda-feira, 28 de novembro de 2016

O poder de superintendência


O poder de superintendência é o poder que é conferido ao Estado ou a outra pessoa coletiva pública de fins múltiplos, de definir os objetivos e de guiar a atuação das pessoas coletivas públicas de fins singulares, colocadas por lei na sua dependência.

O conceito de “devolução de poderes” permitir-nos-á entender melhor a razão de ser deste poder. A “devolução de poderes” consiste no sistema em que os interesses públicos do Estado ou de pessoas coletivas de população e território, são atribuídos a outras pessoas coletivas públicas de fins singulares, através da lei. Verifica-se um movimento de transferência de atribuições do Estado para outra entidade, permitindo que toda a administração pública funcione de forma mais eficiente. Nas palavras do professor Freitas do Amaral, “descongestiona-se” a gestão da pessoa coletiva principal: o Estado. O que vai permitir, igualmente, a concretização do princípio da desburocratização, na medida em que se pauta pela organização da administração pública, de forma a funcionar em termos mais eficientes e céleres, prosseguindo os interesses públicos e facilitando a vida dos particulares.

Os poderes transferidos são exercidos no interesse da pessoa coletiva que os transferiu, e sob orientação dos seus órgãos, mas em nome das pessoas coletivas criadas para o efeito.

As pessoas coletivas às quais são “devolvidos” os poderes, os denominados “entes instrumentais ou auxiliares”, podem dispor de alguma autonomia administrativa. Podem dispor de autonomia financeira, embora não exerçam auto-administração. Esta auto-administração está presente nas autarquias locais, que pertencem à administração autónoma, mas encontra-se ausente nas entidades incumbidas de administração indireta.
Por exemplo, as autarquias locais, como pessoas coletivas independentes e pertencentes à administração autónoma do Estado, têm o direito de elaborar e aprovar, sem interferência do Estado, o respetivo orçamento anual. Porém, na administração indireta, como acontece com os institutos públicos e as empresas públicas, o orçamento é elaborado por estas entidades, mas encontra-se sujeito à aprovação pelo governo.

Quem define a orientação geral da atividade dessas entidades é o Estado ou as pessoas colectivas de fins múltiplos que lhes deram origem. Esta orientação geral vai refletir-se no já referido poder de superintendência.

De acordo com o artigo 199º, aliena d) da Constituição da República Portuguesa, é da competência do Governo, no exercício da função administrativa, superintender na administração indireta. A lei prevê uma relação de superintendência estabelecida entre duas pessoas coletivas públicas, sendo uma delas o Governo, conferindo aos seus órgãos, os poderes de definir os objectivos e orientar a atuação dos órgãos das pessoas coletivas pertencentes à administração indireta.

Este poder de orientação do Governo é possível entender-se recorrendo a uma citação de Sabino Cassese, utilizada pelo professor Vasco Pereira da Silva. O professor italiano afirma que a função do Governo, no âmbito do direito administrativo, é uma função semelhante à de um chefe de orquestra, que faz com que as diferentes entidades e os diferentes órgãos toquem, no momento certo, a música que está na partitura. A posição do chefe de orquestra é a posição de coordenação, fazendo com que o que está na partitura seja executado de forma correta e adequada, guiando a atuação de todos. O que se pretende verificar aquando o exercício do poder de superintendência.

O poder de orientação tem como instrumentos típicos as diretivas e as recomendações. A diretiva é o ato administrativo que vincula o destinatário à concretização de determinados objetivos, deixando-lhe liberdade quanto à escolha dos meios para os alcançar. A recomendação corresponde a um ato opinativo, acompanhado de um convite a agir num determinado sentido.

Duas pessoas colectivas públicas podem encontrar-se simultaneamente ligadas por relações de superintendência e de tutela. Isto ocorre com as entidades que compõem a administração instrumental do Estado. Estas entidades podem integrar a administração autónoma, nomeadamente as autarquias locais, que somente têm com o Estado uma relação de tutela. O que também se retira do artigo 199º, alínea d), da CRP.

A relação de tutela administrativa entre duas pessoas coletivas públicas, determina que os atos praticados pelos órgãos da pessoa coletiva tutelada se encontram sujeitos à interferência de um órgão da entidade tutelar, com o propósito de assegurar a legalidade ou o mérito das suas condutas.

Os institutos públicos, que pertencem à administração indireta do Estado, estão sujeitos a poderes de superintendência, previstos no artigo 42º da Lei Quadro dos Institutos Públicos, bem como a poderes de tutela, que se retiram do nº1 do artigo 41º da presente lei. O mesmo sucede com as empresas públicas do Estado, como é possível verificar nos artigos 24º, nº1 e 25º, nº5 do Regime Jurídico do Setor Público Empresarial.




Bibliografia:

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, volume I, 3ª edição, 2006

CAUPERS, João, Introdução ao Direito Administrativo, 10ª edição. 2009

SOUSA, Marcelo Rebelo de, MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral, tomo III Atividade administrativa, reimpressão da 2ª edição, 2010

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