O poder de superintendência é o
poder que é conferido ao Estado ou a outra pessoa coletiva pública de fins múltiplos,
de definir os objetivos e de guiar a atuação das pessoas coletivas públicas de
fins singulares, colocadas por lei na sua dependência.
O conceito de “devolução de
poderes” permitir-nos-á entender melhor a razão de ser deste poder. A “devolução de poderes”
consiste no sistema em que os interesses públicos do Estado ou de pessoas coletivas
de população e território, são atribuídos a outras pessoas coletivas
públicas de fins singulares, através da lei. Verifica-se um movimento de transferência de atribuições
do Estado para outra entidade, permitindo que toda a administração pública funcione
de forma mais eficiente. Nas palavras do professor Freitas do Amaral, “descongestiona-se”
a gestão da pessoa coletiva principal: o Estado. O que vai permitir,
igualmente, a concretização do princípio da desburocratização, na medida em que
se pauta pela organização da administração pública, de forma a funcionar em
termos mais eficientes e céleres, prosseguindo os interesses públicos e
facilitando a vida dos particulares.
Os poderes transferidos são
exercidos no interesse da pessoa coletiva que os transferiu, e sob orientação
dos seus órgãos, mas em nome das pessoas coletivas criadas para o efeito.
As pessoas coletivas às quais
são “devolvidos” os poderes, os denominados “entes instrumentais ou auxiliares”, podem dispor de alguma autonomia administrativa. Podem dispor de
autonomia financeira, embora não exerçam auto-administração. Esta
auto-administração está presente nas autarquias locais, que pertencem à
administração autónoma, mas encontra-se ausente nas entidades incumbidas de
administração indireta.
Por exemplo, as autarquias
locais, como pessoas coletivas independentes e pertencentes à administração autónoma
do Estado, têm o direito de elaborar e aprovar, sem interferência do Estado, o respetivo
orçamento anual. Porém, na administração indireta, como acontece com os
institutos públicos e as empresas públicas, o orçamento é elaborado por estas
entidades, mas encontra-se sujeito à aprovação pelo governo.
Quem define a orientação geral da
atividade dessas entidades é o Estado ou as pessoas colectivas de fins
múltiplos que lhes deram origem. Esta orientação geral vai refletir-se no já
referido poder de superintendência.
De acordo com o artigo 199º, aliena
d) da Constituição da República Portuguesa, é da competência do Governo, no exercício
da função administrativa, superintender na administração indireta. A lei prevê
uma relação de superintendência estabelecida entre duas pessoas coletivas
públicas, sendo uma delas o Governo, conferindo aos seus órgãos, os poderes de
definir os objectivos e orientar a atuação dos órgãos das pessoas coletivas pertencentes
à administração indireta.
Este poder de orientação do
Governo é possível entender-se recorrendo a uma citação de Sabino Cassese,
utilizada pelo professor Vasco Pereira da Silva. O professor italiano afirma que a
função do Governo, no âmbito do direito administrativo, é uma função semelhante
à de um chefe de orquestra, que faz com que as diferentes entidades e os
diferentes órgãos toquem, no momento certo, a música que está na partitura. A
posição do chefe de orquestra é a posição de coordenação, fazendo com que o que
está na partitura seja executado de forma correta e adequada, guiando a atuação
de todos. O que se pretende verificar aquando o exercício do poder de
superintendência.
O poder de orientação tem como instrumentos
típicos as diretivas e as recomendações. A diretiva é o ato administrativo que
vincula o destinatário à concretização de determinados objetivos, deixando-lhe
liberdade quanto à escolha dos meios para os alcançar. A recomendação
corresponde a um ato opinativo, acompanhado de um convite a agir num
determinado sentido.
Duas pessoas colectivas públicas
podem encontrar-se simultaneamente ligadas por relações de superintendência e
de tutela. Isto ocorre com as entidades que compõem a administração instrumental
do Estado. Estas entidades podem integrar a administração autónoma,
nomeadamente as autarquias locais, que somente têm com o Estado uma relação de
tutela. O que também se retira do artigo 199º, alínea d), da CRP.
A relação de tutela
administrativa entre duas pessoas coletivas públicas, determina que os atos
praticados pelos órgãos da pessoa coletiva tutelada se encontram sujeitos à
interferência de um órgão da entidade tutelar, com o propósito de assegurar a
legalidade ou o mérito das suas condutas.
Os institutos públicos, que pertencem
à administração indireta do Estado, estão sujeitos a poderes de
superintendência, previstos no artigo 42º da Lei Quadro dos Institutos
Públicos, bem como a poderes de tutela, que se retiram do nº1 do artigo 41º da presente lei. O mesmo sucede com as empresas
públicas do Estado, como é possível verificar nos artigos 24º, nº1 e 25º, nº5 do Regime Jurídico do Setor Público Empresarial.
SOUSA, Marcelo Rebelo de, MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral, tomo III Atividade administrativa, reimpressão da 2ª edição, 2010
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