segunda-feira, 21 de novembro de 2016

As Sociedades de Interesse Coletivo

No âmbito da questão de identificação dos elementos que fazem parte da Administração Pública no seu sentido orgânico, deparamo-nos com umas entidades de grande importância, mas que parecem não se encaixar nessa identificação ou enumeração de elementos. Referimo-nos às instituições particulares de interesse público, cuja caracterização faremos de seguida, em traços genéricos. Estas instituições são entidades privadas, criadas por iniciativa particular com base em atos de direito privado, que prosseguem fins de interesse público, daí que estejam, em parte, sujeitas a um regime traçado pelo Direito Administrativo. São, pois, entidades cujo regime é traçado, em parte, por normas de direito privado e em parte, por normas de direito público, exatamente por prosseguirem fins de interesse público, mas serem, ao mesmo tempo, entidades ou pessoas coletivas privadas.
As instituições particulares de interesse público podem ser subdivididas em várias espécies; espécies ou categorias essas que vão sofrendo mudanças ao longo das décadas, em virtude não só das alterações constitucionais, como do surgimento de vários decretos-lei que as regulam e que contribuem, quer para o alargar do seu contexto, quer para a sua autonomia, como categoria.
Depois de analisar as posições de alguns autores como Jorge Miranda e Castro Mendes, Diogo Freitas do Amaral propõe quatro espécies de instituições particulares de interesse público, nomeadamente: sociedades de interesse coletivo; pessoas coletivas de mera utilidade pública; instituições particulares de solidariedade social e pessoas coletivas de utilidade pública administrativa. Podendo reconduzir as três últimas ao conceito de pessoas coletivas de utilidade pública, temos essencialmente duas subdivisões na categoria de instituições particulares de interesse público: sociedades de interesse coletivo e pessoas coletivas de utilidade pública.
É neste contexto que vamos desenvolver o tema principal subjacente a este texto: as sociedades de interesse coletivo. Passaremos, desde logo, à sua caracterização, que Freitas do Amaral entende definir como “ empresas privadas de fim lucrativo que, por exercerem poderes públicos ou estarem submetidas a uma fiscalização especial da Administração Pública, ficam sujeitas a um regime jurídico específico traçado pelo Direito Administrativo.”. Nesta definição cabem, portanto, concessionárias e outras empresas que tenham sido encarregues da prestação de um serviço público ou de um serviço de interesse geral.
Quanto às espécies de sociedades de interesse coletivo podemos enumerar:
- sociedades concessionárias de serviços públicos, de obras públicas ou de exploração do domínio público;
- empresas que, a outro título, prestem serviços públicos ou serviços de interesse geral;
- empresas onde as entidades públicas não detêm influência dominante, que prestem serviços públicos ou de interesse geral;
- outras empresas que exerçam poderes públicos;
- empresas que exerçam atividades em regime de exclusivo ou de privilégio não conferido por lei geral.
Portanto, é possível identificar um largo contexto, no que toca às sociedades de interesse coletivo, sobressaindo o fim lucrativo que têm, que vai ser, de facto, uma das características que mais acentuadamente marca a diferença entre estas instituições e as pessoas coletivas de utilidade pública, de fim não lucrativo.
Passando ao regime jurídico podemos, desde já, referir que é em parte constituído por privilégios especiais, de que as empresas privadas normalmente não gozam, e em parte formado por deveres ou sujeições especiais, às quais também as empresas privadas não estão submetidas. Entre os privilégios das sociedades de interesse coletivo contam-se: isenções fiscais; direito de requerer ao Estado a expropriação por utilidade pública de terrenos de que necessitem para se instalar; e possibilidade de beneficiar do regime jurídico das empreitadas de obras públicas, quanto às obras que empreendem. No caso dos encargos, verificam-se: sujeição dos corpos gerentes destas empresas a limitações de remuneração estabelecidas por lei, para os gestores públicos, bem como ao princípio de que o salário mensal de base não pode exceder o vencimento de Ministro; sujeição às regras e princípios constantes do regime do setor empresarial local, no caso de se tratar de empresas participadas pelo setor público; e, possível submissão a fiscalização por parte de delegados do Governo, relativamente ao funcionamento destas empresas.
Há que esclarecer que o conceito de delegado do Governo aponta para o representante do Estado, que fiscaliza a atividade da empresa, não se confundindo, por isso, com o conceito de administradores por parte do Estado, que já são órgãos da empresa, que fazem parte do seu conselho de administração, mas que são designados pelo Estado quando o Estado seja acionista desta empresa, ou tenha por lei o direito de se fazer representar na respetiva administração.
Após este esclarecimento, há que, para concluir o tema, abordar o problema que se coloca e que se prende com a inclusão ou não das sociedades de interesse coletivo na Administração Pública em sentido orgânico. Freitas do Amaral faz referência a duas teses. Uma delas é a clássica, que defende que essas entidades por serem privadas não fazem parte da Administração, isto é, apesar de com ela colaborarem, não a integram. A segunda tese foi defendida por Marques Guedes que considera estas entidades órgãos indiretos da Administração, por exercerem funções públicas. Para este autor, a concessão de poderes públicos será um ato de concentração, com base no qual se introduz uma entidade privada na Administração, como órgão; não sendo um ato de descentralização dos poderes públicos. A entidade passará, deste modo, a ser órgão indireto da Administração, não sendo considerado o seu caráter privado.
Para concluir, falaremos da posição de Freitas do Amaral, que discorda da segunda tese apresentando vários argumentos que explicam ou justificam a sua posição. Com efeito, há que destacar o facto de estas entidades serem pessoas coletivas privadas, sujeitos de direito privado, criadas por iniciativa privada, bem como o facto de o regime da responsabilidade civil a elas aplicável constar do código civil; e ainda o facto de ao pessoal ao serviço dessas entidades, ser aplicável o regime de contrato individual de trabalho, não pertencendo assim, à função pública. Freitas do Amaral é, então apologista da tese clássica.



Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas. – Curso de Direito Administrativo. 4-ª Edição. Coimbra: Edições Almedina, 2015. pp 583-611.

Catarina Madeira n.º 28263


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