No âmbito da questão de identificação dos elementos
que fazem parte da Administração Pública no seu sentido orgânico, deparamo-nos
com umas entidades de grande importância, mas que parecem não se encaixar nessa
identificação ou enumeração de elementos. Referimo-nos às instituições particulares
de interesse público, cuja caracterização faremos de seguida, em traços
genéricos. Estas instituições são entidades privadas, criadas por iniciativa
particular com base em atos de direito privado, que prosseguem fins de
interesse público, daí que estejam, em parte, sujeitas a um regime traçado pelo
Direito Administrativo. São, pois, entidades cujo regime é traçado, em parte,
por normas de direito privado e em parte, por normas de direito público,
exatamente por prosseguirem fins de interesse público, mas serem, ao mesmo
tempo, entidades ou pessoas coletivas privadas.
As instituições particulares de interesse público
podem ser subdivididas em várias espécies; espécies ou categorias essas que vão
sofrendo mudanças ao longo das décadas, em virtude não só das alterações
constitucionais, como do surgimento de vários decretos-lei que as regulam e que
contribuem, quer para o alargar do seu contexto, quer para a sua autonomia,
como categoria.
Depois de analisar as posições de alguns autores como
Jorge Miranda e Castro Mendes, Diogo Freitas do Amaral propõe quatro espécies
de instituições particulares de interesse público, nomeadamente: sociedades de
interesse coletivo; pessoas coletivas de mera utilidade pública; instituições
particulares de solidariedade social e pessoas coletivas de utilidade pública
administrativa. Podendo reconduzir as três últimas ao conceito de pessoas
coletivas de utilidade pública, temos essencialmente duas subdivisões na
categoria de instituições particulares de interesse público: sociedades de
interesse coletivo e pessoas coletivas de utilidade pública.
É neste contexto que vamos desenvolver o tema
principal subjacente a este texto: as sociedades de interesse coletivo.
Passaremos, desde logo, à sua caracterização, que Freitas do Amaral entende
definir como “ empresas privadas de fim lucrativo que, por exercerem poderes
públicos ou estarem submetidas a uma fiscalização especial da Administração
Pública, ficam sujeitas a um regime jurídico específico traçado pelo Direito
Administrativo.”. Nesta definição cabem, portanto, concessionárias e outras
empresas que tenham sido encarregues da prestação de um serviço público ou de
um serviço de interesse geral.
Quanto às espécies de sociedades de interesse coletivo
podemos enumerar:
- sociedades concessionárias de serviços públicos, de
obras públicas ou de exploração do domínio público;
- empresas que, a outro título, prestem serviços
públicos ou serviços de interesse geral;
- empresas onde as entidades públicas não detêm
influência dominante, que prestem serviços públicos ou de interesse geral;
- outras empresas que exerçam poderes públicos;
- empresas que exerçam atividades em regime de
exclusivo ou de privilégio não conferido por lei geral.
Portanto, é possível identificar um largo contexto, no
que toca às sociedades de interesse coletivo, sobressaindo o fim lucrativo que
têm, que vai ser, de facto, uma das características que mais acentuadamente
marca a diferença entre estas instituições e as pessoas coletivas de utilidade
pública, de fim não lucrativo.
Passando ao regime jurídico podemos, desde já, referir
que é em parte constituído por privilégios especiais, de que as empresas
privadas normalmente não gozam, e em parte formado por deveres ou sujeições
especiais, às quais também as empresas privadas não estão submetidas. Entre os
privilégios das sociedades de interesse coletivo contam-se: isenções fiscais;
direito de requerer ao Estado a expropriação por utilidade pública de terrenos
de que necessitem para se instalar; e possibilidade de beneficiar do regime
jurídico das empreitadas de obras públicas, quanto às obras que empreendem. No
caso dos encargos, verificam-se: sujeição dos corpos gerentes destas empresas a
limitações de remuneração estabelecidas por lei, para os gestores públicos, bem
como ao princípio de que o salário mensal de base não pode exceder o vencimento
de Ministro; sujeição às regras e princípios constantes do regime do setor
empresarial local, no caso de se tratar de empresas participadas pelo setor
público; e, possível submissão a fiscalização por parte de delegados do
Governo, relativamente ao funcionamento destas empresas.
Há que esclarecer que o conceito de delegado do
Governo aponta para o representante do Estado, que fiscaliza a atividade da
empresa, não se confundindo, por isso, com o conceito de administradores por
parte do Estado, que já são órgãos da empresa, que fazem parte do seu conselho
de administração, mas que são designados pelo Estado quando o Estado seja
acionista desta empresa, ou tenha por lei o direito de se fazer representar na
respetiva administração.
Após este esclarecimento, há que, para concluir o
tema, abordar o problema que se coloca e que se prende com a inclusão ou não
das sociedades de interesse coletivo na Administração Pública em sentido
orgânico. Freitas do Amaral faz referência a duas teses. Uma delas é a
clássica, que defende que essas entidades por serem privadas não fazem parte da
Administração, isto é, apesar de com ela colaborarem, não a integram. A segunda
tese foi defendida por Marques Guedes que considera estas entidades órgãos
indiretos da Administração, por exercerem funções públicas. Para este autor, a
concessão de poderes públicos será um ato de concentração, com base no qual se
introduz uma entidade privada na Administração, como órgão; não sendo um ato de
descentralização dos poderes públicos. A entidade passará, deste modo, a ser
órgão indireto da Administração, não sendo considerado o seu caráter privado.
Para concluir, falaremos da posição de Freitas do
Amaral, que discorda da segunda tese apresentando vários argumentos que
explicam ou justificam a sua posição. Com efeito, há que destacar o facto de
estas entidades serem pessoas coletivas privadas, sujeitos de direito privado,
criadas por iniciativa privada, bem como o facto de o regime da
responsabilidade civil a elas aplicável constar do código civil; e ainda o
facto de ao pessoal ao serviço dessas entidades, ser aplicável o regime de
contrato individual de trabalho, não pertencendo assim, à função pública.
Freitas do Amaral é, então apologista da tese clássica.
Bibliografia:
AMARAL, Diogo
Freitas. – Curso de Direito
Administrativo. 4-ª Edição. Coimbra: Edições Almedina, 2015. pp 583-611.
Catarina Madeira
n.º 28263
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