sábado, 3 de junho de 2017

Da Delegação De Poderes


Da Delegação de Poderes

Esta exposição tem como objectivo abordar o instituto da delegação de poderes. Como se vislumbram as noções de delegação no direito público é um dos objectivos, bem como demarcar as alterações relevantes que surgiram com entrada de CPA de 2015 em comparação com CPA de 1991. Faremos uma breve análise às várias perspectivas sobre o dever de delegação presente no artigo 55º, nº2 do CPA de 2015, e como ponto final, atentar a sua natureza jurídica.

Breve panorama de delegação de poderes em direito público

Como já sabemos o termo delegação pode ser empregado em vários sentidos, segundo o professor André Gonçalves Pereira, no direito público podemos apreender três sentidos da delegação. Primeiro a chamada «teoria de delegação de poderes» que em direito constitucional explica origem do poder politico. Em segundo lugar, fala-se em delegação de poderes na função legislativa ou na terminologia da doutrina portuguesa autorização legislativa, esta delegação consiste na possibilidade da função legislativa ser exercida por um órgão não representativo (governo) no plano interno. Por fim a delegação que nos cabe aqui estudar, é a delegação administrativa ou delegação de competências que deve ser estudada na teoria geral direito (ato) administrativo, quando a lei atribui competências para a pratica de certo ou certos atos a dois órgãos de uma pessoa coletiva ou de outras pessoas coletivas diferentes, porém a delegação de poderes depende de um ato permissivo do delegante para com o delegado.

Noção legal de delegação de poderes

“Os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um ato de delegação de poderes, que outro órgão ou agente da mesma pessoa coletiva ou outro órgão de diferente pessoa coletiva pratique atos administrativos sobre a mesma matéria ”

Antes no CPA de 1991 no seu artigo 35nº1 disponha o seguinte:

“Os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um acto de delegação de poderes, que outro órgão ou agente pratique atos administrativos sobre a mesma matéria.”
Repare-se que não houve grande evolução entre os artigos, mas o CPA mais recente, na sua noção permite abranger delegação intersubjetiva, art.44 nº1 in fine, ou outro órgão de diferente pessoa coletiva pratique actos administrativos sobre mesma matéria. Este instituto delegação de poder na sua formulação clássica foi desenhado para a situação de delegação entre órgãos da mesma pessoa coletiva. Esta pequena alteração que agora se nota entre os dois artigos vem no sentido de acolher aquilo que a doutrina entendia que podia acontecer sem estupefação, que é a delegação de poderes intersubjetiva que não é nada mais de que delegação de poderes entre órgãos de pessoas coletivas diferentes. Exemplo de delegação de podes entre órgãos de pessoas coletivas diferente, são os casos em que os membros do governo da  tutela, nos conselhos diretivos dos institutos público ou nos seus presidentes cf. Art.º 21 nº1, 38 nº2  LQIP.

Requisitos de delegação de poder

I.         É preciso que o órgão seja competente para delegar poderes noutro (ou seja, terá que ser titular da competência para delegar); O órgão delegante tem que ser competente;
II.        É necessária uma lei de habilitação (por respeito ao princípio da legalidade da competência) que permita ao delegante delegar; A lei tem de permitir essa delegação de poderes num outro órgão. Se se permitisse sem mais nem menos a um órgão delegar haveria uma violação do princípio da legalidade da competência uma vez que era permitido ao órgão delegante a todo o tempo, renunciar as suas próprias competências (pelo menos na prática o artigo 36nº1 do C.P.A não permite tal situação: deve-se entender a competência como algo irrenunciável e inalienável; É necessária a lei de habilitação que vem permitir uma desconcentração que não é originária mas sim voluntária (derivada) de competências;
III.      - Têm de existir dois órgãos nomeadamente: um delegante (competência originária) e outro delegado (competência derivada)

Requisitos de ato de delegação de poderes (art.47 CPA)

O ato de delegação ou de subdelegação de poderes deverá:
a)         Mencionar os poderes que são delegados ou subdelegados ou atos que o delegado ou subdelegado pode praticar cfr. 47 nº1 CPA;
b)         Mencionar a norma atributiva do poder delegado e aquela que habilita o órgão a delegar, cfr 47 nº1 CPA;
c)         Mencionar as directivas ou instruções vinculativas para o delegado ou subdelegado, sobre o modo como devem ser exercidos os poderes delegados ou subdelegados cfr. 49 nº1 CPA;
d)        Por fim, ser publicado no Dário da república ou na publicação oficial da entidade pública, e na internet, no sítio institucional da entidade em causa.

Análise de artigo 55º,nº2 CPA de 2015, dever ou faculdade de delegação?

 “O órgão competente para a decisão final delega em inferior hierárquico seu, o poder de direção do procedimento, salvo disposição legal, regulamentar ou estatutária em contrário ou quando a isso obviarem as condições de serviço ou outras razões ponderosas, invocadas fundamentadamente no procedimento concreto ou em diretiva interna respeitante a certos procedimentos”.

No regime anterior, no CPA de 1991, no seu artigo 86º,nº2 dizia o seguinte:

“O órgão competente para a decisão pode delegar a competência para a direcção da instrução em subordinado seu, excepto nos casos em que a lei imponha a sua direcção pessoal”.
Sem questionar a benevolência da solução, sob a nossa perspectiva não estamos perante um dever de delegação, mas antes breve nota de posição do legislador neste assunto, o pretendido com esta regra é separação entre o poder de decidir e o poder de conduzir o procedimento, é uma influência clara do direito Norte-americano. A delegação de poderes é universalmente concebida como expoente máximo do ato discricionário, determinada por puras considerações subjetivas de confianças do delegante no delegado (intuitu personae) que não carecem de qualquer fundamentação ou substituição para efeito da sua constituição, modificação ou extinção. A aparente imposição de um dever de delegar a direção do procedimento, assumida no preâmbulo enquanto tal, parece abrir uma brecha significativa na concepção geral da delegação de poderes, ao reduzir da forma drástica a disponibilidade pelo delegante da sua própria competência e o ênfase na sua confiança no delegado como concausa da delegação – e de forma desnecessária, uma vez que haveria outros modos de assegurar a pretendida dissociação entre competência decisiva e competência instrutória.
Denota-se na verdade que aquilo que se afirma no artigo 55º,nº2 CPA e no preâmbulo, a nosso ver não é uma verdadeira vinculação legal, mas antes aquilo que a doutrina alemã apelida de discricionariedade dirigida, em que a lei prescreve uma especificação da atuação administrativa para os casos padrão e confere uma discricionariedade para atuação administrativa para casos fora do padrão, cuja determinação fica ela própria dependente de livre apreciação administrativa. Ora, o problema da utilização da técnica de discricionariedade dirigida no artigo 55 nº2 CPA reside nas dificuldades, inerentes à natureza nuclearmente discricionária da delegação de poderes.
Caso o órgão competente para decidir resolver não delegar o poder a inferior hierárquico para conduzir o procedimento, não resulta numa incompetência instrutória, porque originariamente aquele órgão é competente para conduzir instrução procedimental e podem alegar, devido à discricionariedade, «condições de serviço ou outra razões ponderosas», acrescendo o artigo 55º,nº 2 CPA de 2015, que qualifica o ato do procedimento como sendo interno e sendo assim é insuscetível de constituir requisito de legalidade da decisão final que venha a ser proferida. Em suma, artigo 55 nº 2 CPA não vai ter a operatividade deseja pelo legislador, a sua violação não tem consequência, logicamente, sob a nossa perspectiva tudo se passa como se tivesse na prática a vigência do artigo 86º,nº2 CPA de 1991.

Natureza jurídica da delegação do poder

-A Tese da Autorização (introduzida em Portugal pelo Professor André Gonçalves Pereira e adoptado pelo Professor Marcello Caetano). Esta tese defende que não é o ato de delegação que atribui a competência delegável ao órgão no qual ela pode ocorrer; essa competência já existe, na esfera jurídica daquele órgão, antes da prática do ato da delegação. Assim sendo, estamos perante uma situação de competência comum do potencial delegante e do potencial delegado, no que concerne à competência do potencial delegante é opcional, pois este pode escolher entre exerce ou permitir que outro órgão a exerça (potencial delegado), a competência do delegado é condicionada, só podendo ser exercida mediante prévia emissão de um ato permissivo ao primeiro órgão (potencial delegante).

-A Tese da Transferência de Competência, segundo esta corrente doutrinária, a delegação de poder não autoriza o exercício de uma competência preexistente; antes do ato de delegação, a competência delegável pertence apenas ao potencial delegante.
A natureza da delegação de poder é, assim, a de um ato pelo qual o órgão delegante transfere a competência delegável para o delgado. Esta tese divide-se num binómio:

-A Tese da Transferência do Exercício da Competência, (Professor Diogo Freitas do Amaral, entre outros), segundo a qual na transferência do exercício da competência existe uma dissociação entre a titularidade (ou o gozo) e o exercício da competência. O potencial delegante detém a plenitude da competência do exercício e, através do ato de delegação, procede à transferência do mero exercício da competência para o delegado. Por isso, é que o delegante tem no âmbito de delegação de poder, diversos poderes, como por exemplo, máxime, poder de extinguir aquela relação jurídica.

-A Tese da Transferência da Competência Plena (Professor Marcelo Rebelo de Sousa), tem como seu pressuposto básico a rejeição da cisão entre titularidade e exercício da competência, por lei, o potencial delegante detém a titularidade e o exercício da competência delegável; pelo ato de delegação, a competência, na sua plenitude, é transferida para o delegado.

-A Tese de Alargamento da Competência (Professor Paulo Otero), defende que o acto de delegação tem, assim, o alcance de alargar a competência do órgão delegado tornando-a plena. Não se trata de uma autorização, na medida em que o potencial delegado não tem, antes da delegação, a competência plena. Nem se trata de uma transferência da competência, na medida em que, através da delegação, o delegante não perde a titularidade ou o exercício da competência. A delegação é pois um ato permissivo constitutivo da natureza ampliativa. Durante a vigência de delegação de poder, passa a existir uma situação de competência alternativa entre delegante e o delegado, podendo ambos praticar atos de exercício da competência delegada

Em tom conclusivo, retiram-se vários pontos, como o facto de compreender em si, vários sentidos no direito público. A noção que consta do artigo 44º,nº1 do CPA de 2015, é mais abrangente do que do seu antecessor CPA de 1991. Os limites da delegação de poder, decorrem na maioria das vezes da sua própria natureza. No que concerne artigo 55º, nº2 do CPA 2015, tendemos a entender que se trata na verdade de uma faculdade e não de um dever de delegação de procedimento instrutório face ao inferior hierárquico. A natureza jurídica da delegação de poder é contravertido, atendendo às distintas teses, a tese da autorização, da transferência, mas consideramos pelos motivos supracitados que a tese que melhor explica esta figura é a tese do alargamento ou da ampliação.

Referências bibliográficas:

ANDRÉ GONÇALVES PERREIRA, Da delegação de poderes em direito administrativo, Coimbra, editora Coimbra,1960 pp. 6-29;

VASCO PEREIRA DA SILVA, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Coimbra, livraria almedina, 1996, pp.57-59; 92-94;

ANDRÉ SALGADO DE MATOS, «A delegação de poderes» in Carla Amado Gomes & Ana Fernanda Neves & Tiago Serrão (coord) Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo, 2ª Edição, Lisboa, AAFDL editora, 2015,pp.301-319;

MARCELO REBELO DE SOUSA & ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Atividade Administrativa, Tomo III, 2ª Edição, Alfragide, Dom Quixote, 2010, pp.201-204;

MARIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral de Direito Administrativo, O Novo Regime do Codigo do Procedimento Administrativo, Coimbra, 3ª edição, Edições Almedina, 2015,pp. 91-92;

PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, o sentido da vinculação administrativa à juridicidade, 2ª reimpressão, Coimbra, Edições Almedina, 2011,pp.875-881;

ANDRÉ SALGADO DE MATOS, A Natureza Jurídica de Delegação de Poderes: Uma Reapreciação, SEPARATA de estudos em homenagem ao professor Doutor
SÉRVULO CORREIA, edição da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra editora, 2010, pp.119-160;




Artur Montargil, nº 26296

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Do Princípio da Boa Administrativo

Do “Princípio da Boa Administração”
O presente trabalho tem por objectivo último, demonstrar a dinâmica do Princípio da boa administração, iniciando a sua travessia por uma inicial explanação do seu conteúdo valorativo, bem como da sua origem, continuando a rota pela passibilidade de sindicância jurisdicional da actuação administrativa sob a luz do agora patente princípio da boa administração, aportando concomitantemente em considerações gerais acerca da sua concretização, considerando os vícios de desvio de poder e usurpação de poderes como possível vislumbre da violação do nomenclado princípio no âmbito nacional, não olvidando outra alusão ao conceito principialista de boa administração provindo do Direito da União Europeia.

O art.5º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº4/2015, de 7 de Janeiro (doravante, CPA), dispõe o seguinte: 
Nº1, “A Administração Pública deve pautar-se por critérios de eficiência, economicidade e celeridade.”
Nº2, “Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração Pública deve ser organizada de modo a aproximar os serviços das populações e de forma não burocratizada.”
Este princípio, é parte integrante de um conjunto de normas-princípio de direito administrativo português, enquanto bloco normativo que visa regular a actividade administrativa. Este conceito principialista de boa administração, decorre da doutrina italiana, e do seu conceito de “bom andamento do procedimento”. Como o próprio conceito originário indica, a sua génese é de cariz procedimental, mas foi adaptada pelo legislador nacional à actividade administrativa de forma geral, o que também permite que se retire, pela simples existência de Administração Pública, de Estado Democrático de Direito, com forte inclinação Social, que esta existe para bem administrar a coisa pública.
Analisando o evoluir do preceito, que tem no Nº2, do art.5º do CPA, o antigo art.10º do CPA, de 1991, com a nomenclatura de “Princípio da desburocratização e eficiência”, denota-se que o intuito normativo no inicial CPA era de cariz organizatório e procedimental, mutando para um comando normativo de sujeição da actividade administrativa. Como se denota, a desburocratização passa para um segundo plano, já a proximidade desejada face às populações (de evolução tendencial) gera-se hoje, através de mais possibilidades, tal é o caso da administração electrónica. Deve ser tido como corolário da actuação administrativa, à luz do princípio da boa administração, a desburocratização e aproximação aos agregados populacionais, tal como consagrado pela Constituição da República Portuguesa (de ora em diante, CRP), art. 267º. O nº1, tipifica os valores que servem de critério para a aferição da prossecução da boa administração, “eficiência, economicidade e celeridade”, que encontram respaldo no texto constitucional, para além de todos os direitos sociais, conferem-se direitos liberdades e garantias, bem como interesses legalmente protegidos, art.266º da CRP, corolários dos princípios aí dispostos, mormente o de Justiça e de boa-fé.
Procederei a uma breve análise dos elementos valorativos que o comportam (eficiência, economicidade, e celeridade), designadamente, o nº1, do art. 5º:
-Eficiência, enquanto valor, pretende padronizar uma actuação de sucesso, mas não excluindo a qualidade dos seus resultados. A eficiência só o é, na medida em que a sua actuação tenha um nível de razoabilidade mínima quanto ao fim que pretende alcançar e quanto aos meios utilizados para tal.
-tratando agora de Economicidade (economia)- este não menos relevante que o primeiro, até porque existe uma linha ténue entre os mesmos,  pois á ideia de eficiência do agir administrativo, surge inerentemente a questão da gestão de recursos (cambiais, humanos, etc) afectados à prossecução do bem comum, o interesse público. Esta afectação não deve ultrapassar um padrão razoável de proporcionalidade entre o bem realizado ou que se pretende realizar, e os danos ou custos que desse agir possam resultar, sejam danos patrimoniais ou lesões sobre interesse dos particulares, tais como a indiferença face a direitos de terceiros. Este valor, engloba certas regras, ou princípios, tais como o princípio de proibição de onerar excessivamente as gerações futuras.
-Celeridade- o qual, não deixa em parte, e no todo, de ser corolário da economicidade (economia), se atentarmos o tempo como um recurso, não propriamente esgotável per si, mas abarcando inevitável finitude para quem dele “usufrui”, esta visão, na perspectiva de “Razão do Estado”, os administrados, (pois o Estado enquanto “pessoa moral” é como que imortal), comporta a visão de que devem os contribuintes usufruir daquilo para que contribuíram (não de forma estática, pois isso seria uma não mundividência, uma visão demasiado redutora, excluindo a título exemplificativo o Fundo de Pensões). Concretizando, não deverá a função administrativa alocada a prosseguir determinado fim, ocupar ou gastar recursos por um período temporal excessivo, face ao fim que pretende alcançar, sob pena de que tal actuação, mais concretamente, tal resultado, frustrar o princípio da boa administração, demonstrando-se improporcional face à relação entre meios e fim, entre recursos e resultado, de modo a que a actuação administrativa se torne anacrónica.
Pequena incursão do princípio de boa administração, art. 41º CDFUE em comparação ao que foi exposto:
Enquanto que um princípio tem um âmbito procedimental (DUE), o outro revela-se incisivo face ao agir administrativo (controlo intra-administrativo, âmbito nacional). Mas esta disposição normativa, é de origem escandinava, que vê este princípio para além disso mesmo, vê-o também como direito subjectivo a um tratamento segundo parâmetros de legalidade, em que se demarca da perspectiva tida face à visão romano-britânica. Face aos particulares existem duas perspectivas distintas, uma firmada pela Professora Klara Kanska, que o nega derivado da letra da lei, bem como pela falta de “standards procedimentais”; sob a óptica de outra perspectiva, apoiada pelos Professores Denys Simon, Luca Perfetti, Loïc Azoulai, em que defendem a interpretação sistemática dos artigos 41º e 51º/nº1, afirmando que afectam as instituições de âmbito interno aquando da aplicação de Direito da União Europeia no foro nacional.

A administração pública portuguesa, como ponto culminante do agir administrativo, contém um complexo normativo de princípios que abarcam, pelo seu cariz abstrato, uma panóplia de hipotéticas realidades jurídicas incomensuráveis, podendo mesmo existir fronteiras deveras ténues, caso de tal situação é a existência do princípio da proporcionalidade e o princípio da boa administração. 
Em razão dos interesses prosseguidos pela administração pública, existem vários conflitos entre administração e particulares, pois, inevitavelmente têm interesses distintos. Consequentemente, pergunta-se perante uma situação concreta, se tem o particular possibilidade de sindicar o dito princípio junto dos tribunais administrativos?
Esta pergunta, comporta em si várias questões. Em segundo lugar questiona-se se o próprio tribunal pode conhecer ou averiguar desta violação, tendo em conta o princípio da separação de poderes que serve de critério de distribuição racional das funções do Estado pelos seus órgãos, e se se trata de uma questão de mérito e não de legalidade?

Numa primeira perspectiva, suportada pela maioria da doutrina, nos quais se englobam os Professores Freitas do Amaral, Marcelo Rebelo de Sousa e Mário Aroso de Almeida o “dever” de boa administração têm apenas relevância intra-administrativa, sendo o seu cumprimento ou incumprimento insidicável pelos tribunais por se situar na esfera do mérito da actuação administrativa.
Numa segunda perspectiva, defendida pelo Professor Miguel Assis Raimundo, o princípio da boa administração num sentido de eficiência, é passível de ser sindicado jurisdicionalmente. Pois atende o valor da eficiência como algo que não se inclui no âmbito nuclear do mérito, mas trata-o como se estivesse, pelo que torna a posição um tanto ou quanto incongruente, salvo as devidas vénias.
Sob a minha perspectiva, concordo que o âmbito do valor eficiência seja considerado relativo ao núcleo do mérito, e quase que dele indissociável. Todavia, considero que o Direito não tem capacidade tão limitada, pelo que torna-lo redutor é um erro para o qual não comparticipo.
Considerando pela via hipotética, que existe em determinado órgão que actua com vício de desvio ou usurpação de poderes, como dois vícios dependentes de uma errada ou deturpada cognoscibilidade dos ditos e coarctados poderes, e relevando também a posição de quem exerce funções hierárquicas superiores que englobem controlo sob os já citados inferiores hierárquicos, e caso exista uma falha desse controlo intra-administrativo considero que a falha desse controlo é passível de ser sindicada jurisdicionalmente, pelo que não vejo porque não existirá aí, também a possibilidade de arguição com base no princípio da boa-administração. A uma primeira vista é clarividente que tal violação é parte integrante do núcleo da legalidade, mas atendendo ao seu âmbito geral, se se demonstrar que o dito superior hierárquico poderia ter ministrado melhor o dito controlo, comparativamente a precedentes do agir administrativo, considero que não existe oposição alguma a que seja invocável.

Notais finais:
O legislador português não inovou propriamente tendo em conta que este princípio tem a sua origem em Itália, mas contudo este princípio a nosso ver já fazia parte da administração de forma implícita, porque administração pública tem que administrar os recursos da melhor forma possível, só assim pensamos nós que se prossegue da melhor forma o interesse público.

Concretizando, considero que existe margem para a sua invocação jurisdicional, se bem, que arguir tal norma principialista é trabalho de elevada minúcia, mas não impossível. É de relativa facilidade que se depreende que o seu “habitat natural” é no seio da administração, esse é o seu principal objectivo conformador enquanto norma jurídica, moldar a actuação intra-administrativa. Mas em último caso e perante uma violação escandalosa, pensamos que pode ser invocado a violação do princípio-norma em caso.

Referências Bibliográficas:
OTERO, Paulo, Direito do Procedimento Administrativo, Coimbra, 3ª, editora Almedina,2016, pp.106-110;
 ALMEIDA, Mário Aroso De, Teoria Geral do Direito Administrativo, o novo regime do código do procedimento administrativo, Coimbra,3ª, Editora Almedina, 2015,pp.55-75;
RAIMUNDO, Miguel Assis, os princípios no novo CPA e o princípio da boa administração, em particular, «in comentário ao novo código do procedimento Administrativo, Coord. Carla Amado & Ana Fernanda Neves& Tiago Serrão» Lisboa, 2ª, editora AAFDL,2015, pp.169-206;

BASTOS, Filipe Brito, Autonomia Institucional e Anticomunitariedade de Actos Administrativos Nacionais: uma perspetiva portuguesa num contexto pós-Lisboa, Rev, Direito & Política, Diário Bordo Editores- Loures, 2013,pp.22-55;

Artur Montargil, nº26296

Decisão Coletivo de Juízes

Tribunal Administrativo do Circulo de Listejo 


CONCLUSÃO – 31/05/2017
PROCESSO nº 3467/17TACL  


I.                    Relatório  

O autor,

Fábio Sem Terra, Presidente da Junta de Freguesia de Carnitas, solteiro, portador do C.C nº 23365784, contribuinte fiscal nº 356762639, residente na Rua 25 de Abril, nº 14, 9.º Esq., 1649-255, na localidade de Carnitas,

Intentou, ao abrigo do artigo 37.º/1/d) e h) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e dos artigos 143.º/1, 144.º/1 e 147.º/1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo, uma ação administrativa comum, na qual requer a anulação do Regulamento Geral de Estacionamento,


Contra,


Município de Listejo, de acordo com o disposto no artigo 10.º/2 do CPTA, representado na pessoa do Exmo. Sr. Presidente de Câmara de Listejo, Francisco Filião (art.º 35.º/1/a) da LAL), contribuinte fiscal nº 233569951, sita no Largo do Município 1604-266 Listejo e,

EMULTA, Lda., representada na pessoa da Exma. Sra. Presidente do Conselho da Administração, Penélope Filião, contribuinte fiscal nº 753826387, sita Rua dos Jarros nº19, 1645-223, Listejo.


II.                 Fundamentação,

                                           i.            De facto,

Dão-se como provados os seguintes factos:

Os parquímetros surgiram da necessidade de reorganização do ordenamento territorial, reorganização essa, feita a pedido dos moradores de Carnitas.

 A resolução que objetiva o surgimento do Regulamento Geral de Estacionamento foi sujeito a consulta pública, participando nela as partes interessadas.

Foram colocados parquímetros na freguesia de Carnitas.

A colocação dos parquímetros diz respeito a competência conferida à empresa municipal EMULTA.

Os moradores de Carnitas pagariam a quantia de 1€ mensalmente para usufruírem do estacionamento, a partir da utilização de um dístico.

Na noite de 1 de Abril de 2017, os populares recorreram à força, de forma a retirar os parquímetros previamente instalados.  

Dão-se como não provados os seguintes factos:
Alegou a junta de freguesia não ter sido feita consulta aos moradores a respeito da colocação dos parquímetros, o que, segundo prova apresentada em julgamento, não corresponde à verdade.


                                         ii.            De Direito


A existência de audiência nem tampouco consulta prévia, considera-se desnecessária por oposição a ações camarárias, uma vez que o número de interessados não o justificaria. A camara optou assim pela consulta pública prevista no artigo 101º do Código do Procedimento Administrativo, através da utilização do seu sítio na internet.
No que às ações camarárias diz respeito, o presidente da Junta poderia ter-se oposto à colocação dos parquímetros, não o tendo feito. A sua conduta de retirada dos parquímetros é ilegal e deve ser punida. Sendo uma conduta ilegal tanto do presidente da junta como dos moradores.
3º     
Em relação à ausência da fundamentação do ato conclui-se que não existe, uma vez que não se verifica a criação de um agravamento de uma situação desfavorável para quem possua direitos ou interesses legalmente protegidos, havendo, inclusive, um favorecimento, sendo ele a criação de um dístico de 12€ pagos anualmente para os moradores. 

Tendo sido invocado o impedimento de participação no procedimento devido à violação do princípio da imparcialidade, esta é uma decisão que cabe ao próprio órgão, sem intervenção do Presidente, pelo que não há anulabilidade do ato pelo artigo 76º, nº1 do Código do Procedimento Administrativo.

Não se considera que haja violação do princípio da descentralização porque se está perante a prossecução de uma atribuição legal, com a mera possibilidade de delegação de competências, nos termos do artigo 131º da Lei n.º 42/2016, de 28/12 (Lei das Autarquias Locais).

Em relação à atuação da EMULTA, esta fez o que lhe cumpre a lei e, além disso, ao dístico de residência para uma viatura está associado um valor irrisório. Sendo que, desta forma os residentes teriam assim um acesso privilegiado ao estacionamento na sua zona residencial, como se encontra previsto nos regulamentos.

III.               MINISTÉRIO PÚBLICO

No que diz respeito à petição por parte do Ministério Público, apesar de este ter legitimidade para intervir como parte processual, nos termos do artigo 112º Código do Procedimento dos Tribunais Administrativos, o coletivo de juízes de Direito rejeita a providência cautelar, ainda que o Ministério Público tenha legitimidade para requerer a mesma. Tendo já sido requerida uma providência cautelar, a qual incide também ela sobre a retenção dos parquímetros e confrontado com a questão levantada pelo Tribunal, a qual incidia sobre o porquê de requerer uma segunda providência num mesmo processo, com o mesmo objeto, alegou o Ministério Público que o fundamento da mesma era diferente, sendo que esse fundamento seria o impacto negativo que a recolocação dos parquímetros iria ter sobre o património cultural.
 O Ministério Público foi no entanto incapaz de determinar qual o impacto a que se refere, não apresentando razões nem de facto nem de direito pelos quais a recolocação dos parquímetros causaria tal impacto negativo.

IV.              DECISÃO,

Nos termos, e com fundamento no exposto supra, julga-se improcedente a ação interposta já que não há efeito anulatório devido ao princípio do aproveitamento administrativo, consagrado no artigo 163º, nº5. O mecanismo do aproveitamento do ato consagrado no ordenamento jurídico--administrativo português consiste em dois aspetos nucleares: na seleção dos critérios passíveis de fundamentar o aproveitamento e na delimitação do âmbito objetivo de aplicação do preceito. O legislador português optou por acolher tanto o critério da indisponibilidade fáctica como jurídica de uma alternativa como enunciado supra.
Defende-se que tanto os atos vinculados como os atos não-vinculados não sejam anulados mesmo quando sejam anuláveis, alíneas a) e c) do nº5 do artigo 163º do Código do Procedimento Administrativo.
Quanto ao âmbito objetivo, confere uma extensão aplicativa a qualquer vício, o que demonstra um fator de significativa importância no que toca ao aproveitamento do ato.
Estando, em suma, preenchidos os pressupostos o referido artigo, pois, comprova-se, sem margem para dúvidas, que o mesmo vício invocado (alegada falta de consulta pública) o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo e, consequentemente o fim alcançado seria o mesmo sem o vicio invocado. 

Custas a suportar pelo Autor, com base no preceito do artigo 527º do Código de Processo Civil.  

Registe e notifique. Lisboa, 31 de Maio  de 2017.

O COLETIVO DE JUIZES DE DIREITO,
Ana Clara Graça
Beatriz Rodrigues
Catarina Fonseca
Felícia Zgardan
João de Oliveira Queiróz
Márcia Santos
Ricardo Serra

Sara Nascimento Nicolau